Karo
- Autodenominação
- I´târap
- Onde estão Quantos são
- RO 414 (Siasi/Sesai, 2020)
- Família linguística
- Ramarama
Os Arara Karo vivem em duas aldeias, Iterap e Paygap, ambas localizadas na parte sul da Terra Indígena Igarapé de Lourdes, em Rondônia. Dois terços dos Arara habitam a primeira aldeia, e o restante habita a segunda. Na mesma Terra Indígena moram os índios Gavião, seus tradicionais inimigos. Os Arara foram contactados no final dos anos 1940, quando centenas deles morreram de doenças contagiosas e os sobreviventes foram morar nos seringais da região. Isso fez com que os Arara se engajassem totalmente no modo de vida não indígena, mas seus pajés ainda são (re)conhecidos por todos os índios das regiões vizinhas como muito poderosos.
Nome
Os índios Arara são também conhecidos como Arara Tupi, Arara de Rondônia, ou simplesmente Karo (que significa, em sua própria língua, “arara”), termos esses utilizados para diferenciá-los dos demais grupos Arara do Brasil: Arara do Acre (Shawanawá), Arara do Aripuanã (Arara do Beiradão), Arara do Pará (Ukarãgmã).
Ao fazerem referência a eles próprios, os Arara chamam-se I'târap, “nós todos”, palavra formada pela junção do pronome pessoal de primeira pessoa do plural inclusivo I'tâ “nós”, seguido da palavra com significado de “coletivo” tap (que se pronuncia rap) “todos”.
Língua
Os Arara falam a língua Karo, antes conhecida como Arara, e que passou a ser denominada Karo por este autor, a partir de 1987, para que pudesse ser diferenciada das demais línguas Arara faladas por grupos de mesmo nome no Brasil.
A língua Karo pertence à família Ramarama, do tronco lingüístico Tupi (Rodrigues, 1964), e por muito tempo pensou-se haver outras línguas irmãs pertencentes à mesma família: Ntogapíd (ou Itogapúk), Ramarama, Uruku, Urumi e Ytangá.
Recentemente, no entanto, um trabalho elaborado por Gabas (2000) demonstrou que todas estas supostas línguas são, de fato, uma mesma e única língua, que recebeu diferentes nomes por diferentes etnólogos que coletaram listas de palavras com seus falantes em diferentes períodos (Curt Nimuendaju, em 1925 e 1955; Marechal Rondon, em 1948; Claude Lévi-Strauss, em 1950; Horta Barbosa, em 1945; e Harald Schultz, em 1955). Assim, a língua Karo é a única língua da família Ramarama, assim como outras línguas do tronco Tupi são também únicas em suas respectivas famílias: Aweti, Puruborá e Sateré-Mawé.
Situação sócio-lingüística
Os índios Arara vivem em duas aldeias distintas, Iterap e Paygap. Em ambas, praticamente todos os índios falam sua própria língua, e o Português é aprendido como segunda língua e usado apenas como língua de contato. Alguns Arara que foram criados por famílias de colonos falam apenas o Português, mas entendem perfeitamente o Karo. As conversas que esses índios mantêm com a comunidade e os próprios familiares são feitas, então, de forma bilíngüe.
As crianças das duas aldeias nascem aprendendo a falar Karo, e embora o Português seja adquirido mais tarde, já se pode perceber uma gradual utilização, principalmente pelas novas gerações, de termos portugueses, geralmente para as relações de parentesco (pai, mãe, tio, tia, primo, prima).
Alguns Arara também falam ou entendem a língua Gavião, falada pelos vizinhos índios Gavião, graças às situações de casamento entre membros das duas etnias. O multilingüismo nesses casos não é visto negativamente, apesar dos Arara e os Gavião serem inimigos tradicionais.
Aspectos interessantes da língua
A língua Karo possui vários aspectos interessantes para estudiosos de línguas não-européias, entre os quais destaco três:
O primeiro é a ocorrência de um sistema de classificadores, através do qual um classificador pode ocorrer com um substantivo referindo-se (basicamente) à forma pela qual esse substantivo ocorre no mundo (real ou imaginário). Um exemplo prático é a palavra para “olho” que em Karo é icagá 'a', em que a primeira palavra significa “olho” e a segunda significa “objeto redondo”. O sistema de classificadores do Karo tem dez itens diferentes, referindo-se a diferentes aspectos de objetos.
Outro aspecto interessante da língua é a ocorrência de um sistema de ideofones, palavras com significado verbal geralmente muito específico e que são utilizadas para dar mais “colorido” às histórias e conversações. Um exemplo de ideofone em Karo é a palavra oturum, que significa “descer ao chão fazendo um barulho muito forte”, ou ngârâgn, que significa “virar a cabeça para trás”. Ideofones em Karo são uma classe aberta, isto é, podem ser formados a partir da imaginação e criatividade dos seus falantes, por isso seu número é muito grande.
Um terceiro aspecto interessante no Karo é a existência de um sistema de palavras evidenciais, que servem para identificar a fonte ou confiabilidade da informação relatada pelos falantes da língua. Por exemplo, se um Arara pronuncia a palavra to'wa depois de um enunciado, ele quer dizer que o que está narrando provém de ouvir-dizer, ou seja, ele não foi testemunho nem supõe o fato, apenas está retransmitindo a informação. A língua utiliza dez tipos diferentes de palavras evidenciais.
Localização
Tradicionalmente, os Arara sempre habitaram a área onde vivem atualmente, a Terra Indígena Igarapé de Lourdes, no estado de Rondônia, a qual dividem com os índios Gavião, seus tradicionais inimigos.
A área tem aproximadamente 190.000 Km2 de extensão e cerca de 1/3 dela “pertence” aos Arara, sendo o restante destinado aos Gavião.
A cidade mais próxima das duas aldeias Arara é Ji-Paraná, a cerca de 70 Km de distância por rodovia (durante a estação seca) ou cerca de três horas de barco descendo o rio Machado e entrando pelo Igarapé da Prainha (durante a estação chuvosa), até a Aldeia Iterap. O acesso à aldeia Paygap é mais fácil por ficar próxima à vila de Nova Colina. Por rodovia secundária, a aldeia fica a cerca de 50 Km de distância de Ji-Paraná.
População
Em 1987, quando este autor iniciou suas pesquisas com os Arara, havia apenas uma aldeia, recém-fundada, onde viviam cerca de cem índios.
Em 2004 a população das duas aldeias Arara era estimada em cerca de 170 índios, dos quais 2/3 viviam na aldeia Iterap e o restante na aldeia Paygap.
Há, de maneira infreqüente, casamentos de Arara (tanto homens quanto mulheres) com índios Gavião e, mais raros ainda, casamentos de Arara com índios Zoró, que habitam a área vizinha. Casamentos de Arara com não-índios são poucos. Do ponto de vista lingüístico, os filhos de casamentos interétnicos aprendem as línguas de ambos pais (Arara e Gavião, ou Arara e Zoró), e mais tarde o Português, como língua de contato.
Histórico do contato
Apesar de manterem algum tipo de contato com a população envolvente desde os anos 1920, os Arara foram contatados pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) somente no final da década de 40. O contato foi fulminante para as comunidades Arara. Centenas de índios morreram por doenças levadas por não-índios (principalmente pneumonia, gripe e sarampo), e os poucos que sobraram foram trabalhar em seringais da região, junto à população não-índia.
Foi somente no final da década de 60 que um funcionário do SPI, supostamente o chefe do Posto Indígena Lourdes, Sr. Brígido, conseguiu reagrupar os Arara, que passaram então a viver junto aos Gavião. Após muitos desentendimentos, em meados dos anos 80 os Arara resolveram fundar sua própria aldeia, próxima ao Igarapé da Prainha, a cerca de 5 Km de sua desembocadura no Rio Machado. Logo obtiveram da Funai o reconhecimento da aldeia, sendo então criado o Posto Indígena Iterap.
No início dos anos 90 houve uma discussão interna por poder entre os Arara, e o então cacique Pedro Agamenon mudou-se com seu grupo familiar para outra parte da TI para fundar sua própria aldeia, denominada atualmente Paygap. Segundo os técnicos da FUNAI, não há número suficiente de habitantes na aldeia Paygap que justifique a implementação de mais um Posto Indígena.
Narrativas Karo
A seguir, três narrativas sobre os primeiros contatos com os brancos relatadas por índios Karo:
Dizem que os brancos antigamente não se mostravam para os nossos parentes.
Pégn tomãn i'ke mây mãm werem i'yat nga' kây to'wa.
O vovô velho que conheceu primeiro as coisas do branco,
Toto pap ixahmây nã tokõna pégn xagâp to',
trazendo os facões para os seus parentes.
iyá to' ma'eya toat tap kây.
A primeira vez para o branco ver a gente, (assim) eles fizeram.
Yane pégn i'toy 'nãt kanãy to'wa nga'at kán.
Depois os parentes que não são pajés contactaram os brancos. Kanãy a'wa'ye' pégn to' toba at tap i'yat agóa'pât yáp tap.
O pajé trazia as coisas para a gente escondido, no começo, falaram.
Agóa'pât i'yat kanã' to' ma'e te' mãm tokõna tobinoaba nga'et.
Vovô que sabe, antigamente.
Toto tokõna ixahmây nã mây mãm.
Depois conheceram o branco lá na Santa Maria,
Kanãy tapwa'ye' pégn toba Santa Maria Ká' pe',
conheceram o Barro.
Barro toba tokõna.
Só o Barro que defendeu nós antigamente, assim o pessoal fala. Barro mõm iya'xi tawãran kõam nga'at tokõna mây mãm kán.
A gente não ia viver aqui se fosse outro branco que fizesse isso com a gente.
I'yoy tík i'ke met pégn páy ahyâ ã to'wa, i'kây ã to'wa.
Só o Barro que defendeu nós quando nós matamos um deles,
Barro mõrm irawãran tonõ wiƒ kanãp,
desde o tempo que nós matamos um deles, antigamente.
tonõ wi; koto mãm pem tokõna mây mãm kán.
Foi o branco que nos defendeu,
'At tokõna mây mãm pégn kán iya'xi tawãra,
só o Barro, quando matamos um deles,
Barro mõm tonõ wi; kanãp,
defendeu a gente dos parentes dele.
iya'xi tawãra toat tap kây.
Foi o Padre que nos conheceu primeiro, há muito tempo.
Padre yane i'toy kõam tokõna kán.
Foi o Padre que mostrou os índios para o S.P.I. (Serviço de Proteção ao Índio), antigamente,
Padre i'tâ tap mãn toat S.P.I. kây mây mãm,
começou andando, conhecendo os índios,
tobinoaba tokâga, i'tâ tap totoba tokõna,
lá longe no mato, onde nós morávamos.
naxo pe' tú', iromop kotoba tú'.
O Padre depois nos viu aqui nos matos,
Padre kanãy a'wa'ye' irotoba met naxo to' toba,
viu os nossos matos também.
i'yat naxo to' toba korem.
O branco do seringal.
Seringal pât péng
O Barro também era seringalista.
Seringalista Barro nãn kõam.
O Barroso também terminou de nos conhecer aqui.
Barroso korem to'wa i'toy met kãri to'wa.
(texto coletado com Procópio Na´xot Wet)
O Barro que nos amansou e nos viu pela primeira vez,
Maho te'toy mây mãm tokõna texawero ma'íba,
ele nos viu faz tempo,
te'toba mây mãm tokõna,
viu os nossos pais,
te'et iyõm tap toba,
e o Barro andou amansado os nossos pais há muito tempo.
te'et iyõm tap xawero ma'íba Maho mây mãm tokâga.
Nós não tínhamos o branco primeiro,
Te'et pégn kât i'ke xo' werem,
os nossos pais contaram antigamente.
te'et iyõm tap 'et mây mãm.
Nós vivíamos sem o branco primeiro,
Pégn tóp mãm te'ep teba'kâga xo' werem,
os nossos pais contam, antigamente. te'et iyõm tap 'et mây mãm.
Nós vivíamos sem o branco.
Pégn tóp mãm te'ep teba'kâga xo'.
Nós andávamos procurando o branco,
Te'et pégn yega teba'kâga,
amansando os brancos,
pégn xawero to' maíara,
nossos pais contavam antigamente.
wat iyõm tap 'et mây mãm.
Antigamente nós não tínhamos o branco,
Mây mãm te'et pégn kât i'ke xo',
os nossos pais contam assim.
te'et iyõm tabet mây mãm mã'.
Os nossos parentes que sabem.
I'yat tap xahmây tap tokõna.
Hoje em dia não existe alguém que sabe.
Ixahmây kât i'ke min.
Eles viviam vendo o branco faz muito tempo.
Pégn to' toba tabet mây mãm torowára.
O branco nos procurava antigamente
Pégn te'yegat mây mãm,
procurava os nossos pais antigamente,
te'et iyõm tap yega mây mãm,
amansavam os nossos pais antigamente.
te'et iyõm tap xawero ma'íba mây mãm.
Não é aqui que os nossos pais moravam antigamente.
Merem i'ke te'et iyõm tap tomop xo' mây mãm.
Meus pais viviam antigamente por aqui mesmo, por perto.
Wat iyõm tap tomoy mây mãm merem mãm.
Nas aldeias Na'to Xía Pap (Bunda da Anta) e Iyãy Pepat Ká' (Dente Partido),
Na'to Xía Pap pe', Iyãy Pepat Ká' pe',
nós morávamos antigamente, o nosso pai conta.
to'wa teromoba mây mãm, te'et iyõm tabet.
Hoje em dia nós vivemos como brancos, no meio dos brancos.
Min te'ep teromoba pégn to' nã te'a tena pégn to' pák.
Antes de nós termos o branco, nós já morríamos todos antigamente.
Te'et pégn tóp kokây te'ep te'mâk ya'teba mây mãm.
Depois nós conhecemos o Barro.
Kanãy Maho toba mây mãm te'et.
O Barro trouxe doença para nós, matando nós todos, eles disseram,
Maho kanã' wãk tati te'kây te'mâk maya'teba tabet,
acabando de matar o resto de nós.
te'pûk ma'teba kãri to'wa.
Os índios Gavião mataram o resto de nós,
Pami te'pûk yapít,
matando e acabando com o resto dos nossos pais.
te'et iyõm tap pûk yapía kãri to'wa. [texto coletado com Firmino Xit Xabat]
Como o branco matou a gente, é para contar isso?
Kõm igã pégn 'et iyapía mây mãm kanã' xet mãn iga?
Os antigos mataram o branco lá na Aldeia Ya'kõm Xû' (Mergulhador).
Mây yamât tap pégn yapít Ya'kõm Xû' pe'.
Dizem que quando os índios deixaram os brancos, eles mataram os índios.
Teyowan to'wa 'at tapyapía pégn mây mãm to'wa.
Os antigos contaram para nós que os brancos amarraram os índios,
Tapyamerara pégn 'et tabet i'yat tap 'u tap te'kây,
contaram faz tempo.
mây mãm tobetõa to'wa.
O branco nos matou antigamente,
Pég teyapít mây mãm,
nós estávamos cantando, batendo timbó, no Igarapé Ya'kõm.
i'óra toya yét Ya'kõm Xû' óra.
Depois os brancos vieram atrás deles (os índios), para matá-los,
Kanãy pégn 'et tapxet tatia nga' yapía,
e amarraram eles,
ngayamérara to'wa,
acho que assim fizeram antigamente,
'at i'kûy mây mãm,
aos parentes antigos.
i'yat tap mûy yamût tap.
Depois os brancos amarraram eles, matando-os.
Kanãy pégn ngayamérara ngayapía to'wa tokõna tâ'.
Depois eles (os índios) revidaram (o fato de) que eles (os brancos) os mataram,
Kanãy tapwa'ye' teyapít to'wa pégyapía topãna,
e então os nossos parentes mataram os brancos.
i'yat tap mây mãm.
Depois os brancos acabaram de matar o resto deles (dos índios),
Kanãy pégn et tappûrk yapía to'wa,
Matando, levando o resto deles na canoa.
tappûk yapía ngaya'xi ta'wara canoa pe'.
Um índio tentou fugir, mergulhando, nadando,
Obe'xûra pe okay motomo yugn 'wa,
depois o branco atirou nele.
kanãy pégn 'et pugn pugn to'wa a'kây.
Os brancos estavam vindo perto de nós para nos matar.
Te'xet taken iga 'at teyapít iga pégn
Depois os índios mataram eles também,
Kanãy nga'at ayapía kõam,
flechando, flechando.
kap kap to'wa nga'at i'ke.
Quando o branco via a gente, os antigos matavam os brancos,
Pégn i'toy yâye mây yamât tap pégn to' yapía to'wa,
quando (os brancos) matavam a gente, a gente matava eles.
iyapí kanãp tabet ayapía to'wa.
A gente não sabe outras coisas.
Ixahmây nãn i'ke kanã' páy xet toba.
Os antigos também se matavam entre si, antigamente.
Mây yamât tap toroyapít kõam mây mam.
[texto coletado com Paulo Orok Mãn]
- Esta grafia NÃO segue a ortografia utilizada pelos Arara. Trata-se de um acomodamento com o objetivo de representar as palavras da língua para acesso na internet da maneira mais adequada.
Organização social e política
Devido ao fato dos Arara estarem em contato com a população envolvente há muito tempo (aproximadamente 60 anos), sua organização social e política, assim como as práticas culturais tradicionais caíram em desuso ou praticamente desapareceram.
Pelo que foi possível constatar com os idosos, havia festas tradicionais (por exemplo, a festa da colheita do milho), e havia também a reclusão dos jovens até o momento do casamento.
Existiam dois grupos de Arara distintos: os atuais Arara e os chamados "Pés Pretos", que supostamente falavam um dialeto diferente dos Arara. Relatos contam que apesar de habitarem regiões próximas e manterem boas relações de amizade, os dois grupos em várias ocasiões tiveram episódios de animosidade, que redundaram em mortes de ambos os lados. Atualmente não há registro da existência de índios do grupo "Pé Preto" entre os Arara.
Alguns aspectos ainda mantidos de sua organização social são, por exemplo, o fato dos homens, ao casarem, irem trabalhar para o sogro até que este os libere de suas atividades (como por exemplo o trabalho nas roças, a caça, a pesca etc.). Esse fato se observa mesmo com os Arara (homens e mulheres) que se casaram com índios de outra etnia, principalmente os Gavião.
Há alguns casamentos (não recentes) de índios com não-índios, mas esse tipo de união geralmente não é bem visto pelos membros da comunidade.
Não se sabe qual era o sistema tradicional de nomeação dos recém-nascidos, mas as crianças Arara recebem nomes tanto Arara quanto Português (geralmente atribuído pelos pais e/ou avós). O significado do nome Arara faz sempre referência a um aspecto físico da criança ou a um episódio relativo ao seu nascimento (ou gestação).
As casas das aldeias não seguem a arquitetura tradicional. São casas de madeira (algumas já de tijolos), contendo sala e dois ou três quartos, e a cozinha é construída separadamente, como um apêndice à casa, feita de palha e paxiúba. É o lugar mais fresco para se ficar durante o período do dia em que o calor é mais intenso.
Mitologia e xamanismo
Pouco se sabe sobre a cosmologia do povo Arara. Alguns de seus mitos remanescentes, no entanto, apontam para a criação do homem “branco” a partir de uma árvore de jatobá; mostram ainda a dualidade entre o bem e o mal na figura de dois irmãos, um virtuoso e outro atrevido, que se aventuram pela floresta até que o primeiro mata o segundo. Uma coletânea dos mitos Arara, ainda lembrados pelos mais velhos, está em progresso e deverá ser publicada brevemente.
Nenhum ritual tradicional é atualmente praticado pelos Arara. Há vários pajés na aldeia, todos eles muito respeitados pela própria comunidade e por membros de outras etnias, mas suas funções na aldeia parecem se restringir a conselheiros em questões concernentes à comunidade, e não mais às atividades ou práticas típicas de seu status de pajé (curanderismo, diálogos rituais, elaboração de cantos etc.).
Cultura material
A arte tradicional arara ainda pode ser vista através da confecção de manufaturas, tais como ornamentos corporais diversos (colares de sementes variadas, pulseiras, capacetes etc.), artigos para casa (cestaria, redes de tucumã e algodão, vassoura, abanadores etc.), ou artigos de caça (arcos e flechas). Não há mais produção de panelas de barro, mas as mulheres cosem sua própria roupa (a partir de peças de pano adquiridas na cidade).
Os Arara costumavam se pintar com jenipapo (faziam uma linha fina, de um lado ao outro do rosto), utilizavam um furo na parte interior das narinas, onde penduravam uma pena de arara, e usavam um pequeno batoque no lábio inferior. Apesar de não ser mais utilizado atualmente, esses orifícios podem ainda ser vistos nos índios mais velhos.
Periodicamente, os índios se utilizam do timbó para matança generalizada de peixes no igarapé, durante a estação seca, e durante as chuvas pescam com anzol ou malhadeira. Há alguns poucos índios que ainda preferem se utilizar de recursos mais tradicionais para a pesca, como o arco e flecha.
A caça em geral é obtida através do uso de espingarda de chumbo (cartucheiras). Para a caça de aves, principalmente as de maior porte, ainda são utilizados esconderijos tradicionais feitos de palha.
Nota sobre as fontes
Há pouquíssimo (ou quase nenhum) conhecimento antropológico sobre os Arara. O único material publicado contendo uma pequena descrição de aspectos da vida dos Arara pode ser encontrado em Lévi-Strauss (1950).
Especificamente sobre a ciência Lingüística, trabalhos (em sua maioria listas de palavras) foram realizados desde 1925, com Nimuendaju. Outras referências são HORTA BARBOSA (1945), HUGO (1959), NIMUENDAJU (1955), RONDON & FARIA (1948), e SCHULTZ (1955).
O conhecimento lingüístico mais aprofundado sobre o Karo, no entanto, iniciou-se a partir de 1987, quando este autor começou seus estudos com a língua. Desde então, já foram publicados vários artigos, capítulos de livros e livros tratando sobre aspectos da língua Arara (ver item “Fontes de Informação”).
Atualmente, uma gramática completa da língua e um dicionário Karo-Português estão também em preparação por este autor.
Fontes de informação
- GABAS JÚNIOR, Nilson. Estudo fonológico da língua Karo (Arara de Rondônia). Campinas : Unicamp, 1989. (Dissertação de Mestrado)
- GABAS JÚNIOR, Nilson; ARARA, Rute et al. História dos Arara no tempo do contato com os brancos : May yamat kana'xet peg xawero ma'i kanay 'mam. Belém : MPEG, 2002. 54 p.
- GABAS JÚNIOR, Nilson; ARARA, Sebastião Kara'ya Pew. Cartilha de alfabetização na língua Karo : Ak wen wen 'ya!. Belém : MPEG, 2002. 54 p.