From Indigenous Peoples in Brazil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.
News
Mina em terra de índio
03/03/2013
Autor: KOPENAWA, Davi; MATOS, Renato da Silva
Fonte: O Globo, Economia, p. 39
Documentos anexos
Mina em terra de índio
Empresas fazem 4.519 pedidos para explorar de ouro a cobre e aguardam o Congresso
Danielle Nogueira
danielle.nogueira@oglobo.com.br
Enquanto o governo corre contra o tempo para tirar do papel o polêmico substitutivo ao projeto de lei 1610/96, que regulamenta a mineração em terras indígenas, solicitações para pesquisa mineral nessas áreas não param de chegar ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM). Levantamento feito a pedido do GLOBO revela que existem 4.519 requerimentos de pesquisa em terras indígenas aguardando o aval do Congresso. Eles estão concentrados em 17 reservas na Amazônia Legal, como as dos ianomâmis (RR) e dos caiapós, e têm como alvo desde ouro e cobre até níquel e estanho. Entre as empresas interessadas estão gigantes, como a Vale, e até multinacionais, como a anglo-sulafricana Anglo American.
Organizações defensoras dos direitos indígenas temem que a atividade provoque danos ambientais e comprometa os costumes de povos tradicionais, tornando-os dependentes de recursos financeiros externos. Também criticam o substitutivo por não dar poder de veto às comunidades e não resguardar áreas dentro das reservas para cultos, cultivo de grãos e moradia.
Após grita do movimento indígena, a Funai fixou um calendário de audiências públicas, de forma que os grupos étnicos afetados pudessem ser ouvidos. A primeira está prevista para a próxima quinta-feira, em Rio Branco (AC).
Embora a maioria dos 4.519 pedidos seja da década de 90, nos últimos dois anos o número de solicitações voltou a subir: 102 em 2011 e 127 em 2012. Este ano, já há 12. Quem lidera a lista é a Mineração Silvana, do grupo Santa Elina (738). Em seguida vêm Vale (211, dos quais três protocolados em 2011), Mineração Tanagra (176); Mineração Serra Morena (166) e Mineração Itamaracá (125), controlada pela Anglo.
A Anglo disse que "desde 1996 mantém diversos pedidos de pesquisa mineral junto ao DNPM, a fim de identificar e mapear recursos minerais que possam abrigar operações no futuro". Representantes da Serra Morena não foram encontrados.
As demais companhias não se manifestaram.
O substitutivo prevê que as solicitações sejam anuladas e que sejam feitas licitações para a pesquisa nas reservas. Mas as mineradoras as mantêm ativas, na expectativa que as regras atuais sejam mantidas. Hoje, os pedidos são analisados por ordem de chegada no DNPM.
O que está por trás desse movimento é a recente alta dos preços das commodities e a proximidade do esgotamento das reservas minerais de qualidade no mundo, o que tem levado empresas a pressionar o governo a liberar a mineração em terras intocadas. Desde 2008, o preço do ouro dobrou. Não por acaso, é ele o alvo de metade (2.263) dos pedidos.
A liberação de novas fronteiras exploratórias deve ser entendida ainda no bojo das mudanças do Código Mineral no país:
- Há uma tendência na América do Sul de os governos mudarem as regras da mineração, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, ampliar a participação do Estado nessas riquezas, visando à obtenção de recursos para programas sociais. É o chamado neoextrativismo - diz Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que estuda mineração e conflitos ambientais.
O maior número de solicitações (664) incide sobre as terras dos ianomamis. Segundo cálculos do Instituto Socioambiental (ISA), esses requerimentos cobrem 55% de seu território. Casos ainda mais alarmantes são os das reservas de Xikrin do Cateté e Baú, ambas no Pará, onde os pedidos cobrem 100% e 93% do território.
Além do risco de degradação ambiental, representantes do movimento indígena temem que a mineração crie uma dependência dos índios em relação a recursos externos, uma vez que estão previstos no substitutivo repasses de no mínimo 5% do faturamento bruto das mineradoras para as comunidades afetadas. Receiam ainda que haja uma substituição das obrigações do Estado, como o provimento de saúde, por contrapartidas oferecidas pelas empresas.
- Os povos indígenas que estão nas áreas de influência de grandes empreendimentos recebem cesta básica e dinheiro, o que inibe os mais velhos a passarem adiante conhecimentos tradicionais sobre lavoura e caça. O mesmo vai acontecer com a mineração. Quando a atividade acabar e a fonte de recursos cessar, as novas gerações não saberão tirar da terra sua subsistência - diz Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
CONSTITUIÇÃO PREVÊ CONSULTA A ÍNDIOS
Os críticos também se opõem ao substitutivo porque este não prevê poder de veto aos índios.
Se eles não aceitarem a mineração em suas terras, uma comissão da qual não participam, decidirá por eles. Outro ponto polêmico é que não há salvaguardas para as reservas. Em tese 100% das terras podem ser alvo de mineração.
A Constituição não prevê que os índios deem a palavra final sobre a lavra em suas reservas. No parágrafo terceiro do artigo 231, é dito que essa decisão cabe ao Congresso, mas os indígenas devem ser consultados, "ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei". Na ausência desta, vale a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil em 2002, que insiste na consulta aos índios "por meio de procedimentos adequados".
O problema é que ainda não há parâmetros para esses procedimentos - se a audiência deve ser em língua nativa, por exemplo. Um grupo interministerial foi formado com esse intuito em 2012, mas não chegou a conclusão alguma. A Funai, então, decidiu organizar as audiências, que serão realizadas até junho. Sobre a mineração em terras indígenas, a Fundação afirma que as discussões devem ser feitas "em conjunto com o Estatuto dos Povos Indígenas", sob revisão. Para os críticos, o tema é tratado em projeto de lei para dar celeridade à sua aprovação. O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, diz que "a regulamentação das atividades em terras indígenas é essencial para formalização das lavras ilegais".
- O texto da Constituição foi o possível em 1988, tamanha a pressão das mineradoras. Não podemos deixar os índios de fora da discussão - afirma o antropólogo Ricardo Verdum, da Universidade de Brasília.
O autor do substitutivo, o deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), frisa que seu projeto cria fundos a longo prazo para que os índios não fiquem desprotegidos e que as reservas de povos cujo "estágio cultural" não lhes permita entender o debate serão preservadas. Ele descarta o poder de veto aos índios e espera votar o projeto ainda este ano.
- A mineração em terras indígenas vai acontecer com ou sem consentimento, então, é melhor que eles negociem.
Mineração só vai trazer doença e briga'
Corpo a Corpo
Davi Kopenawa Yanomami
Líder dos ianomamis, povo que sofre com garimpo ilegal, diz que empresa destrói a natureza
Por que o povo ianomami é contrário à mineração em terras indígenas?
A mineração não vai trazer benefícios, só doença, pobreza, briga. Ela representa ameaça para o povo indígena. Vai precisar abrir estrada de ferro para transportar mercadoria. A máquina vai derrubar árvores e deixar os igarapés poluídos.
O projeto prevê compensações para os índios. Nem assim vale a pena?
Não. Dinheiro passa como vento. Grande empresa destrói a natureza. Somos sobreviventes, sabemos que o empresário quer arrancar riqueza da terra e exportar.
Os ianomamis foram ouvidos?
Não estão ouvindo as comunidades. Queremos que autoridades venham até nós falar de frente. Queremos olhar na cara deles, no espírito deles, na alma deles.
A Funai tem protegido os direitos dos ianomamis?
O governo, a Funai, a Polícia Federal não querem resolver o problema. (D.N.)
'Não queremos ficar à margem'
Corpo a Corpo
Renato da Silva Matos Tucano
Diretor de federação do Alto Rio Negro, que reúne 23 povos, é a favor da regulamentação
Por que alguns povos do Alto Rio Negro são favoráveis à mineração em terras indígenas?
Nos interessa discutir. Nossa proposta (do povo tucano) é que tenha uma lei para garantir o bem-estar dos índios. Não queremos ter mais prejuízo. Estamos pensando nas gerações que virão.
Os críticos dizem que os índios ficarão dependentes de recursos externos e vão desaprender a viver da terra...
Estamos preparados para isso. Já temos contato com o homem branco. Vivemosem uma realidade diferente daquela de anos atrás. Há índios com nível superior, que sabem mexer em computador. Mas mantemos nossa cultura, nossos cultos
Como garantir o bem-estar dos índios na lei?
Não queremos ficar à margem da exploração. Queremos saber todos os detalhes, ter acesso aos relatórios de produção, aos relatórios de impacto ambiental e que isso seja previsto em lei. (Danielle Nogueira)
O Globo, 03/03/2013, Economia, p. 39
http://oglobo.globo.com/economia/empresas-fazem-mais-de-45-mil-pedidos-para-explorar-de-ouro-cobre-em-terras-indigenas-7726163
Empresas fazem 4.519 pedidos para explorar de ouro a cobre e aguardam o Congresso
Danielle Nogueira
danielle.nogueira@oglobo.com.br
Enquanto o governo corre contra o tempo para tirar do papel o polêmico substitutivo ao projeto de lei 1610/96, que regulamenta a mineração em terras indígenas, solicitações para pesquisa mineral nessas áreas não param de chegar ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM). Levantamento feito a pedido do GLOBO revela que existem 4.519 requerimentos de pesquisa em terras indígenas aguardando o aval do Congresso. Eles estão concentrados em 17 reservas na Amazônia Legal, como as dos ianomâmis (RR) e dos caiapós, e têm como alvo desde ouro e cobre até níquel e estanho. Entre as empresas interessadas estão gigantes, como a Vale, e até multinacionais, como a anglo-sulafricana Anglo American.
Organizações defensoras dos direitos indígenas temem que a atividade provoque danos ambientais e comprometa os costumes de povos tradicionais, tornando-os dependentes de recursos financeiros externos. Também criticam o substitutivo por não dar poder de veto às comunidades e não resguardar áreas dentro das reservas para cultos, cultivo de grãos e moradia.
Após grita do movimento indígena, a Funai fixou um calendário de audiências públicas, de forma que os grupos étnicos afetados pudessem ser ouvidos. A primeira está prevista para a próxima quinta-feira, em Rio Branco (AC).
Embora a maioria dos 4.519 pedidos seja da década de 90, nos últimos dois anos o número de solicitações voltou a subir: 102 em 2011 e 127 em 2012. Este ano, já há 12. Quem lidera a lista é a Mineração Silvana, do grupo Santa Elina (738). Em seguida vêm Vale (211, dos quais três protocolados em 2011), Mineração Tanagra (176); Mineração Serra Morena (166) e Mineração Itamaracá (125), controlada pela Anglo.
A Anglo disse que "desde 1996 mantém diversos pedidos de pesquisa mineral junto ao DNPM, a fim de identificar e mapear recursos minerais que possam abrigar operações no futuro". Representantes da Serra Morena não foram encontrados.
As demais companhias não se manifestaram.
O substitutivo prevê que as solicitações sejam anuladas e que sejam feitas licitações para a pesquisa nas reservas. Mas as mineradoras as mantêm ativas, na expectativa que as regras atuais sejam mantidas. Hoje, os pedidos são analisados por ordem de chegada no DNPM.
O que está por trás desse movimento é a recente alta dos preços das commodities e a proximidade do esgotamento das reservas minerais de qualidade no mundo, o que tem levado empresas a pressionar o governo a liberar a mineração em terras intocadas. Desde 2008, o preço do ouro dobrou. Não por acaso, é ele o alvo de metade (2.263) dos pedidos.
A liberação de novas fronteiras exploratórias deve ser entendida ainda no bojo das mudanças do Código Mineral no país:
- Há uma tendência na América do Sul de os governos mudarem as regras da mineração, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, ampliar a participação do Estado nessas riquezas, visando à obtenção de recursos para programas sociais. É o chamado neoextrativismo - diz Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que estuda mineração e conflitos ambientais.
O maior número de solicitações (664) incide sobre as terras dos ianomamis. Segundo cálculos do Instituto Socioambiental (ISA), esses requerimentos cobrem 55% de seu território. Casos ainda mais alarmantes são os das reservas de Xikrin do Cateté e Baú, ambas no Pará, onde os pedidos cobrem 100% e 93% do território.
Além do risco de degradação ambiental, representantes do movimento indígena temem que a mineração crie uma dependência dos índios em relação a recursos externos, uma vez que estão previstos no substitutivo repasses de no mínimo 5% do faturamento bruto das mineradoras para as comunidades afetadas. Receiam ainda que haja uma substituição das obrigações do Estado, como o provimento de saúde, por contrapartidas oferecidas pelas empresas.
- Os povos indígenas que estão nas áreas de influência de grandes empreendimentos recebem cesta básica e dinheiro, o que inibe os mais velhos a passarem adiante conhecimentos tradicionais sobre lavoura e caça. O mesmo vai acontecer com a mineração. Quando a atividade acabar e a fonte de recursos cessar, as novas gerações não saberão tirar da terra sua subsistência - diz Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
CONSTITUIÇÃO PREVÊ CONSULTA A ÍNDIOS
Os críticos também se opõem ao substitutivo porque este não prevê poder de veto aos índios.
Se eles não aceitarem a mineração em suas terras, uma comissão da qual não participam, decidirá por eles. Outro ponto polêmico é que não há salvaguardas para as reservas. Em tese 100% das terras podem ser alvo de mineração.
A Constituição não prevê que os índios deem a palavra final sobre a lavra em suas reservas. No parágrafo terceiro do artigo 231, é dito que essa decisão cabe ao Congresso, mas os indígenas devem ser consultados, "ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei". Na ausência desta, vale a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil em 2002, que insiste na consulta aos índios "por meio de procedimentos adequados".
O problema é que ainda não há parâmetros para esses procedimentos - se a audiência deve ser em língua nativa, por exemplo. Um grupo interministerial foi formado com esse intuito em 2012, mas não chegou a conclusão alguma. A Funai, então, decidiu organizar as audiências, que serão realizadas até junho. Sobre a mineração em terras indígenas, a Fundação afirma que as discussões devem ser feitas "em conjunto com o Estatuto dos Povos Indígenas", sob revisão. Para os críticos, o tema é tratado em projeto de lei para dar celeridade à sua aprovação. O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, diz que "a regulamentação das atividades em terras indígenas é essencial para formalização das lavras ilegais".
- O texto da Constituição foi o possível em 1988, tamanha a pressão das mineradoras. Não podemos deixar os índios de fora da discussão - afirma o antropólogo Ricardo Verdum, da Universidade de Brasília.
O autor do substitutivo, o deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), frisa que seu projeto cria fundos a longo prazo para que os índios não fiquem desprotegidos e que as reservas de povos cujo "estágio cultural" não lhes permita entender o debate serão preservadas. Ele descarta o poder de veto aos índios e espera votar o projeto ainda este ano.
- A mineração em terras indígenas vai acontecer com ou sem consentimento, então, é melhor que eles negociem.
Mineração só vai trazer doença e briga'
Corpo a Corpo
Davi Kopenawa Yanomami
Líder dos ianomamis, povo que sofre com garimpo ilegal, diz que empresa destrói a natureza
Por que o povo ianomami é contrário à mineração em terras indígenas?
A mineração não vai trazer benefícios, só doença, pobreza, briga. Ela representa ameaça para o povo indígena. Vai precisar abrir estrada de ferro para transportar mercadoria. A máquina vai derrubar árvores e deixar os igarapés poluídos.
O projeto prevê compensações para os índios. Nem assim vale a pena?
Não. Dinheiro passa como vento. Grande empresa destrói a natureza. Somos sobreviventes, sabemos que o empresário quer arrancar riqueza da terra e exportar.
Os ianomamis foram ouvidos?
Não estão ouvindo as comunidades. Queremos que autoridades venham até nós falar de frente. Queremos olhar na cara deles, no espírito deles, na alma deles.
A Funai tem protegido os direitos dos ianomamis?
O governo, a Funai, a Polícia Federal não querem resolver o problema. (D.N.)
'Não queremos ficar à margem'
Corpo a Corpo
Renato da Silva Matos Tucano
Diretor de federação do Alto Rio Negro, que reúne 23 povos, é a favor da regulamentação
Por que alguns povos do Alto Rio Negro são favoráveis à mineração em terras indígenas?
Nos interessa discutir. Nossa proposta (do povo tucano) é que tenha uma lei para garantir o bem-estar dos índios. Não queremos ter mais prejuízo. Estamos pensando nas gerações que virão.
Os críticos dizem que os índios ficarão dependentes de recursos externos e vão desaprender a viver da terra...
Estamos preparados para isso. Já temos contato com o homem branco. Vivemosem uma realidade diferente daquela de anos atrás. Há índios com nível superior, que sabem mexer em computador. Mas mantemos nossa cultura, nossos cultos
Como garantir o bem-estar dos índios na lei?
Não queremos ficar à margem da exploração. Queremos saber todos os detalhes, ter acesso aos relatórios de produção, aos relatórios de impacto ambiental e que isso seja previsto em lei. (Danielle Nogueira)
O Globo, 03/03/2013, Economia, p. 39
http://oglobo.globo.com/economia/empresas-fazem-mais-de-45-mil-pedidos-para-explorar-de-ouro-cobre-em-terras-indigenas-7726163
The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source