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Índios waurás despedem-se dos mortos em Quarup no Alto Xingu

16/08/2005

Fonte: 24 Horas News-Cuiabá-MT



O índio Kaji, de 31 anos, pintou o rosto e o corpo como uma cobra sucuri, vestiu cocar, cinta colorida e braçadeiras de penas. Enfeitou-se para encerrar o luto pela pequena filha Arikutua no Quarup, o ritual dos mortos, em sua aldeia.

Há três anos os waurás, uma das nove etnias do Alto Xingu, não recebiam os convidados das aldeias vizinhas para a cerimônia indígena mais importante da região, celebrada apenas quando morre algum integrante ilustre da tribo. Kaji teve a chance de homenagear seu bebê, morto aos 6 meses, porque o irmão do cacique da aldeia morreu, em setembro do ano passado.

"Esta noite vamos tirar a tristeza depois da morte. Vamos acabar com o luto e a alma vai embora", disse o cacique Atamae, pouco antes do início da cerimônia.

No centro da aldeia, formada por mais de dez malocas, os cinco troncos usados para representar os mortos já estavam posicionados lado a lado, em pé, pintados e enfeitados com cocares, cordas e colares. No meio, o maior e mais importante, daquele que motivou o Quarup.

Com cerca de 240 integrantes, os waurás esperavam animados no sábado a chegada dos convidados de outras aldeias, pois a cerimônia da morte deve ter, além do choro, alegria para que o espírito parta bem. A grande pescaria que antecede o Quarup havia sido farta, e peixes, oferecidos com o tradicional biju de mandioca, já estavam sobre o fogo.

Além dos anfitriões waurás, havia neste Quarup representantes das etnias yawalapiti, kalapalo, kuikuro, kamaiurá, matipu, mehinaku e nahukuá. Eles viajaram de barco, moto, caminhão ou bicicleta. No caminho até a terra dos waurás, dezenas pedalavam velozes, na estrada de terra estreita, margeada por árvores.

Montados em suas bicicletas e enfeitados com cintas, braçadeiras e brincos de penas, alguns nus e com o rosto e o corpo pintados, os índios eram a imagem do casamento harmonioso com a invenção dos "brancos". Indesejada por um dos criadores do Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso), o sertanista Orlando Villas Bôas, hoje a bicicleta se espalhou entre os índios.

"Na época do Orlando, ele não queria bicicleta, nem chinelo, nem roupa. Hoje eu entendo por quê. Ele queria manter nossa cultura", afirmou o cacique Aritana, que representa todos os caciques das 14 etnias espalhadas pelos cerca de 28 mil quilômetros quadrados do parque, criado em 1961. Atualmente, cerca de 4.800 índios habitam a reserva.

Para o cacique Aritana, cerimônias como o Quarup são de vital importância. "Nós temos de manter isso para sempre, mesmo que a gente esteja ficando velho. Eu falo isso para as lideranças, os jovens têm de continuar o nosso caminho", afirmou Aritana, que estima ter 55 anos.

Ele foi uma das autoridades que deram início à cerimônia, que começou com dança na tarde de sábado.

"FOGO DA ALMA"

Depois que o sol se pôs, os convidados, que estavam acampados entre as árvores do lado de fora da aldeia se apresentaram. Homens de cada uma das aldeias convidadas entravam e, correndo e gritando, circulavam o centro da aldeia.

A noite já havia chegado e, em volta dos troncos, familiares choravam pelos mortos. A poucos metros de distância, cinco fogueiras foram acesas. Nelas, alguns convidados acendiam longos pedaços de madeira, com o "fogo da alma" dos mortos. Esses paus eram levados até a área dos acampamentos, onde se formou uma grande fogueira.

Durante toda a noite, familiares choraram seus mortos e, atrás dos troncos, dois cantadores, curvados, seguravam um arco numa mão e, com a outra, sacudiam um maracá. "O canto fala da despedida do espírito e pede que (ele) fique bem. O espírito sobe ao céu, onde todos se encontram e são felizes", explicou Aritana.

Antes do amanhecer, a aldeia silenciou. Com o sol, os índios voltaram ao local da festa, dessa vez preparados para a luta, disputada entre dois homens de etnias diferentes. Frente a frente e agarrados pelos braços, eles mediam forças.

Nesse momento, o índio Kaji se divertia e torcia por sua aldeia, sentado sobre um tronco e já sob o sol forte do meio-dia de domingo. O espírito da pequena Arikutua já deveria estar longe. "A tristeza acabou lá pelas 4h. Chorei, pedindo para que ele (o espírito) fosse embora", disse o índio.
 

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