From Indigenous Peoples in Brazil
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News

Povo Pataxó retoma parte do território de Comexatibá, que aguarda regularização há uma década

04/08/2025

Fonte: Cimi - https://cimi.org.br



O povo Pataxó realizou, neste domingo (3), a retomada de uma área localizada no interior da Terra Indígena (TI) Comexatibá, no município de Prado, extremo sul da Bahia. A área, segundo os indígenas, é parte da aldeia Kaí e está sobreposta por duas propriedades, denominadas "Portal da Magia" e "Portal da Fazenda Imbassuaba". Os Pataxó pedem proteção e providências para a conclusão da demarcação da terra indígena, estagnada desde 2015.

Segundo carta aberta divulgada pelos Pataxó de Comexatibá, a retomada foi motivada pela ação dos proprietários das fazendas, que fecharam a última via de acesso à praia Imbassuaba. O local fica dentro da delimitação da Terra Indígena e é utilizado por "centenas de moradores, parentes do território, pescadores da Reserva Extrativista Marinha Corumbau/Cumuruxatiba".

O extremo sul da Bahia tem sido marcado por conflitos territoriais decorrentes da demora na demarcação das terras Pataxó e pela consequente violência contra comunidades do povo. Os Pataxó afirmam que, apesar deste contexto, decidiram correr os riscos envolvidos na ação de retomada, "porque esta situação se tornou insustentável aos parentes impedidos de garantir o seu pescado, de transitarem livremente 'em segurança' no nosso território".

"Não é mais possível continuar assistindo nossa terra sendo subtraída, cada vez mais invadida; as vidas de nossos parentes sendo ceifadas sem punição dos assassinos e mandantes"

Morosidade e violência

Os indígenas apontam que já fizeram diversas denúncias sobre as ameaças sofridas por lideranças Pataxó, ligadas a fazendeiros e especuladores de terras que detém ou cobiçam as áreas sobrepostas à TI. Estes agentes exploram a região litorânea com monocultivos, criação de gado e com resorts e empreendimentos hoteleiros.

"Sob a presença intensiva de milicianos, matadores, pistoleiros contratados que vêm sendo sistematicamente identificados circulando armados entre o povoado de Cumuruxatiba e nossas comunidades. Não é mais possível continuar assistindo nossa terra sendo subtraída, cada vez mais invadida; as vidas de nossos parentes sendo ceifadas sem punição dos assassinos e mandantes. Tampouco, o direito de ir e vir de nossos kitok [crianças], de nossa juventude, de nossos guerreiros e guerreiras sendo reduzido, negado, ameaçado", relata a carta aberta.

A menção a milicianos não é exagero ou figura retórica. Nos últimos anos, houve diversos ataques armados contra comunidades indígenas nas TIs Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal. Os relatos apontam uso de armamento pesado, homens uniformizados ou encapuzados e grande destreza operacional.

Entre os casos mais graves e simbólicos estão o assassinato de Gustavo Pataxó, adolescente de 14 anos morto durante um brutal ataque contra uma retomada na TI Comexatibá em 2022; e os assassinatos dos jovens Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e o adolescente Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, mortos na rodovia BR-101 ao deixarem a retomada onde viviam, na TI Barra Velha do Monte Pascoal, em 2023.

Em ambos os casos, policiais militares são investigados pelos crimes. No caso de Gustavo Pataxó, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram ação civil pública contra o estado da Bahia, apontando que os três policiais militares investigados pelo crime atuaram ilegalmente como "seguranças privados" a serviço de um fazendeiro.

"A violenta especulação imobiliária das partes invadidas de nossa terra indígena que vêm sendo barganhadas nos balcões de negócios, dentro e fora do povoado, através da internet, nos mercados imobiliários, está nos transformando em prisioneiros em nosso próprio território. E isso não pode continuar"

Estagnação das demarcações

No dia 10 de março deste ano, mais um assassinato causou tristeza e indignação entre o povo Pataxó. Vitor Braz, morador da retomada Terra à Vista, na TI Barra Velha do Monte Pascoal, foi morto por disparos de arma de fogo. Na manhã seguinte, uma casa foi queimada na aldeia Monte Dourado, localizada na TI Comexatibá.

As notícias alcançaram muitas lideranças destes territórios em Brasília (DF), para onde haviam viajado para cobrar, junto às lideranças das TIs Tupinambá de Olivença e Tupinambá de Belmonte, avanços na demarcação de suas terras.

Os Pataxó cobravam a emissão da portaria declaratória, no caso de Barra Velha do Monte Pascoal, e o avanço na demarcação da TI Comexatibá, que aguarda há dez anos a resposta às contestações ao relatório circunstanciado de identificação e delimitação (RCID) publicado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em julho de 2015, para então poder ter sua portaria declaratória emitida pelo Ministério da Justiça.

A TI Barra Velha do Monte Pascoal, revisão de limites da TI Barra Velha, foi delimitada pelo órgão indigenista em 2008 com 52,7 mil hectares localizados nos municípios de Itabela, Itamaraju, Prado e Porto Seguro. Já a TI Comexatibá possui 28 mil hectares e fica no município de Prado.

Na capital federal, a tristeza e a indignação deram lugar à frustração com a resposta dos órgãos do governo federal. Sob a justificativa de insegurança jurídica devido à vigência da Lei 14.701/2023, a Lei do Marco Temporal", os povos Pataxó e Tupinambá retornaram à Bahia sem nenhuma garantia de que a demarcação de suas terras avançará em breve.

Na carta aberta, os Pataxó afirmam que estão "cansados de esperar", enquanto veem importantes porções da TI Comexatibá "sendo invadidas, barganhadas e comercializadas nos mercados imobiliários", com a destruição da Mata Atlântica, a privatização de estradas e a implementação de condomínios fechados e loteamentos, "que já chegam a duas dezenas implantadas".

"A violenta especulação imobiliária das partes invadidas de nossa terra indígena que vêm sendo barganhadas nos balcões de negócios, dentro e fora do povoado, através da internet, nos mercados imobiliários, está nos transformando em prisioneiros em nosso próprio território. E isso não pode continuar", afirma o documento.

"O que tem falado mais alto não é a justiça, mas o dinheiro, os latifúndios e os interesses daqueles que querem exterminar nossa luta e calar nossas lideranças"

Criminalização

Devido ao histórico de violência e de atuação ilegal de policiais militares, os Pataxó passaram a reivindicar a presença da Força Nacional na região. O pedido, no entanto, só foi atendido mais de dois anos depois do assassinato de Gustavo, em abril deste ano - e somente após a comoção causada pelo assassinato de Vitor Braz, ocorrido em março.

Em julho, entretanto, a esperança de avanços e proteção por parte do Estado foi novamente frustrada por uma ação repressiva da Força Nacional contra os Pataxó. A ação resultou na prisão de Suruí Pataxó, cacique da aldeia Barra Velha e presidente do Conselho de Caciques da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal.

Segundo o Conselho, a prisão foi uma "ação arbitrária, injusta e premeditada". "A abordagem, conduzida sem mandado de prisão, teve motivação claramente política e persecutória, revelando o objetivo de incriminar o cacique por ele ser uma liderança ativa na luta pelos direitos dos povos indígenas", afirmou a organização territorial em nota divulgada no dia 4 de julho.

"Enquanto isso, os verdadeiros criminosos - os que assassinaram covardemente Naui, Samuel, Vítor Braz e Gustavo - continuam soltos, protegidos por interesses econômicos e políticos. O que tem falado mais alto não é a justiça, mas o dinheiro, os latifúndios e os interesses daqueles que querem exterminar nossa luta e calar nossas lideranças", afirmaram os Pataxó à época.



Leia a carta completa divulgada pelos Pataxó da TI Comexatibá após a retomada realizada no dia 3 de agosto:

Carta Aberta da Terra Indígena Pataxó Comexatibá às Autoridades e à Sociedade Pradense, Baiana e Brasileira

Cansado(a)s por esperar, há quase três décadas pela demarcação e homologação definitiva de nosso território imemorial, a Terra Indígena Comexatiba, município de Prado, no Extremo Sul baiano; por vermos a cada dia que passa, importantes porções desta área delimitada (RCID/2015) sendo invadidas, barganhadas e comercializadas nos mercados imobiliários; o que restou da floresta atlântica e da restinga sendo destruídas; as partes sobrepostas por lotes de reforma agrária do P.A Cumuruxatiba, sendo transformados em condomínios fechados e loteamentos, que já chegam a duas dezenas implantadas; as sucessivas perdas de nossas antigas estradas de servidão seculares, que dão acesso à praia, sendo fechadas e privatizadas, à revelia da Lei e das autoridades competentes; é que nós, lideranças e famílias Pataxó, antes que esta situação se torne irreversível, decidimos por retomar o que sempre pertenceu a nossa comunidade, nós temos como assegura a Constituição Federal (artigos 231 e 232).

Hoje, 03 de agosto de 2025, famílias e lideranças de nossa comunidade, decidimos por retomar parte da área da Aldeia Kaí, sobrepostas pelas fazendas "Portal da Magia" e Portal da Fazenda Imbassuaba, há menos de 100 metros da Escola Estadual Indígena Pataxó Kijetxawê Zabelê. Cujos supostos proprietários, decidiram fechar a última estrada de servidão que dá acesso à praia Imbassuaba, prejudicando centenas de moradores, parentes do território, pescadores da Reserva Extrativista Marinha Corumbau/Cumuruxatiba. Se, assim decidimos correr os riscos envolvidos, é porque esta situação se tornou insustentável aos parentes impedidos de garantir o seu pescado, de transitarem livremente 'em segurança' no nosso território. Já fizemos várias denúncias das ameaças que nossas lideranças vêm recebendo a mando de fazendeiros e especuladores de terras neste litoral. Sobre a presença intensiva de milicianos, matadores, pistoleiros contratados que vêm sendo sistematicamente identificados circulando armados entre o povoado de Cumuruxatiba e nossas comunidades. Não é mais possível continuar assistindo nossa terra sendo subtraída, cada vez mais invadida; as vidas de nossos parentes sendo ceifadas sem punição dos assassinos e mandantes. Tampouco, o direito de ir e vir de nossos kitok, de nossa juventude, de nossos guerreiros e guerreiras sendo reduzido, negado, ameaçado. A violenta especulação imobiliária das partes invadidas de nossa terra indígena que vêm sendo barganhadas nos balcões de negócios, dentro e fora do povoado, através da internet, nos mercados imobiliários, está nos transformando em prisioneiros em nosso próprio território. E isso não pode continuar. Pedimos mais uma vez, providências urgentes: ao presidente Lula, ao Governador Jerônimo, ao Ministério dos Povos Indígenas, à Funai, ao MPF, MPE, à DPU, DPE e ao Incra que façam valer nossos direitos, protejam nosso povo, nossas lideranças, enfim, demarquem nossa terra.

https://cimi.org.br/2025/08/retomada-comexatiba-kai/
 

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