From Indigenous Peoples in Brazil
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COP30: projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins expõe fragilidades no licenciamento ambiental brasileiro

13/10/2025

Fonte: MPF - https://www.mpf.mp.br



A legislação brasileira exige que povos e comunidades tradicionais sejam consultados de forma livre, prévia e informada toda vez que o Poder Público prevê medidas que possam afetá-los. As leis também estabelecem que os estudos de impacto das obras devem ser completos e levar em conta os possíveis danos de forma ampla e integrada. É preciso avaliar, inclusive, os impactos que se somam e se potencializam com os de outras obras.

No entanto, nada disso tem sido respeitado no licenciamento de uma obra proposta pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para ampliar o canal de navegação na hidrovia da Bacia Araguaia-Tocantins. Realizada entre os municípios de Marabá e Baião, no Pará, ela pretende explodir as rochas nos 35 km do trecho do rio Tocantins conhecido como Pedral do Lourenção. A intervenção também prevê a retirada de bancos de areia de outros 177 km do rio, o que levou o MPF a agir.

O objetivo da obra é possibilitar o tráfego permanente de grandes embarcações de transporte de carga do Centro-Oeste do país até o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA). A ideia é criar um corredor navegável de aproximadamente três mil quilômetros de extensão, somando-se a outras infraestruturas de transporte de cargas no Pará, Goiás, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. As mudanças, no entanto, vão impactar comunidades que vivem em todos esses estados.

Atuação do MPF

O MPF aponta diversas ilegalidades no processo de licenciamento das obras, como a não realização de consulta prévia, livre e informada às populações impactadas e a falta de demonstração da viabilidade socioambiental do empreendimento. A escuta das comunidades afetadas está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tem força de lei no Brasil.

"As comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas têm o direito de serem ouvidas de boa-fé, com informações adequadas e de forma culturalmente apropriada, antes que qualquer decisão sobre o empreendimento seja tomada", explica o procurador da República Rafael Martins da Silva.

Após recomendações expedidas pelo MPF não terem sido acatadas pelos órgãos públicos, no final de 2024 a instituição levou o caso à Justiça Federal. A ação busca anular a licença concedida para as obras. Em decisão de junho de 2025, a Justiça Federal acolheu pedidos do MPF e proibiu o início da obra de explosão de rochas - o chamado derrocamento - na área do Pedral do Lourenção.

A decisão impede a realização de qualquer ato prático, em campo, pelo Dnit e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A proibição é necessária, segundo a Justiça Federal, para evitar danos irreparáveis. O objetivo é preservar a efetividade da decisão judicial final, considerando a relevância socioambiental da área.

A ordem de suspensão vale até que a Justiça delibere sobre o pedido principal do MPF, que é a suspensão da licença que autoriza as obras de explosão, a chamada licença de instalação (LI), emitida pelo Ibama em maio. Segundo o MPF, a emissão da licença representa o risco de agravamento e consolidação de uma série de ilegalidades e falhas no processo de licenciamento ambiental da hidrovia Araguaia-Tocantins.

Durante as investigações do caso, o Ministério Público organizou audiências públicas nas cidades paraenses de Marabá e Tucuruí, além de reuniões em outros municípios, para ouvir diretamente as demandas e preocupações das populações impactadas. Também promoveu seminários técnicos para aprofundar a discussão sobre os impactos da explosão de rochas - o chamado derrocamento - do Pedral do Lourenção.

Além disso, a pedido do MPF a Justiça Federal realizou, no final de setembro deste ano, audiência e inspeção judicial em comunidades ribeirinhas na área do Pedral. Para o MPF, a iniciativa teve como principal resultado a possibilidade de que integrantes de comunidades tradicionais pudessem, enfim, ser ouvidos. As falas de pescadores, ribeirinhos, quilombolas e quebradeiras de coco evidenciaram que a obra está sendo conduzida sem o conhecimento necessário sobre os impactos locais e sem a devida participação das populações afetadas.

Prejuízo para as comunidades

Com as obras, a expectativa do Dnit é de que mais de 20 milhões de toneladas de carga sejam transportadas por ano pela hidrovia, o que equivale a cerca de 500 mil caminhões. O tráfego das grandes embarcações vai afetar o volume de peixes, bem como a subsistência e o modo de vida de quem depende do rio para sobreviver.

"Os peixes que o pessoal pega, para alimentação, para vender, para o que necessita, não vamos ter mais. Eles vão embora, vão migrar para outros lugares. Não vai ter mais como sobreviver de pesca, vai ficar tudo difícil e escasso", reclama a cacica Kátia Akrãtikatêjê, da Terra Indígena Mãe Maria, que fica na cidade paraense de Bom Jesus do Tocantins.

O ribeirinho Ernandes Soares, da comunidade extrativista da Vila Tauiry, em Itupiranga, também se preocupa com o avanço das obras e o impacto sobre a atividade pesqueira. Segundo ele, o Rio Tocantins gera emprego para a maior parte das pessoas que vivem na comunidade.

O fluxo intenso de grandes embarcações também vai impactar a vida das crianças que precisam atravessar o rio em pequenos barcos para ir à escola. "A hidrovia é um projeto de morte, pois isso vai destruir a vida do nosso rio, afetando a nossa cultura, a nossa identidade", aponta a estudante quilombola Yasmim Souza, da comunidade de São José do Icatú, em Mocajuba (PA).

Análise incompleta dos danos


A falta de uma análise integral sobre os impactos que o empreendimento vai causar em todas as fases de sua implantação é outro problema apontado pelo MPF. A obra tem sido licenciada por trechos e etapas separadas, ignorando os impactos do projeto como um todo, inclusive seus efeitos associados com outros projetos na bacia.

"Essa abordagem mascara a real magnitude dos danos socioambientais e viola princípios basilares do direito ambiental, ao permitir que um projeto de grande porte avance com base em estudos incompletos e sem o devido conhecimento de suas consequências", alerta o procurador Rafael Martins. Além disso, a fase de operação da hidrovia - com o intenso tráfego de embarcações - foi excluída do escopo do licenciamento inicial, de forma indevida, conforme aponta o MPF.

"Um licenciamento inadequado transfere o ônus da degradação ambiental, da perda da atividade pesqueira e da desestruturação dos modos de vida para as populações mais vulneráveis, como as comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas, configurando um cenário de profunda injustiça socioambiental", afirma o procurador.

Segundo ele, para que o licenciamento ambiental cumpra de forma efetiva o papel de conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção socioambiental, é fundamental que ele leve em consideração os impactos do empreendimento de forma ampla e integrada. "A análise deve ser realista e considerar todos os possíveis danos de maneira sinérgica e cumulativa. Isso é crucial para que o processo cumpra sua função protetiva e não se torne uma mera formalidade burocrática", conclui Martins.

https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2025/cop30-projeto-da-hidrovia-araguaia-tocantins-expoe-fragilidades-no-licenciamento-ambiental-brasileiro
 

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