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Da Rio+20 à COP30: o fracasso de um projeto ecológico

21/10/2025

Fonte: Correio Braziliense - https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2025/10/7274962-da-rio-20-a-cop30



Da Rio+20 à COP30: o fracasso de um projeto ecológico
Série de reportagens mostra vida de ribeirinhos e indígenas ameaçados em área prioritária de conservação

Por Correio Braziliense
postado em 21/10/2025 03:55

Por Cristina Ávila (especial para o Correio) - Armei e desarmei minha rede quase todos os dias em casas de ribeirinhos e indígenas que me acolheram mais de um mês no primeiro semestre do ano, em uma viagem de ida e volta de uns 2.000 quilômetros nas águas dos rios Xingu, Iriri e Riozinho do Anfrísio, de carona em voadeiras, rabetas e chalanas - embarcações típicas que singraram uma Amazônia profunda no sudoeste do Pará, na Terra do Meio, belíssimo mosaico natural e cultural brasileiro de 11 unidades de conservação (UCs) e 15 terras indígenas (TIs) - maior do que o estado do Paraná.

Nesta série de quatro reportagens que começa hoje, conto como vivem populações tradicionais na Terra do Meio. Uma pauta que começou há 13 anos, quando cheguei pela primeira vez à orla do Xingu, na cidade de Altamira, em 2012, e fiquei paralisada olhando as águas imperiosas do rio que se estendiam no horizonte e me deixavam imaginando o que teria depois daquele infinito. Eu estava motivada pela oficina de gestores das UCs do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que durante quatro dias na cidade planejavam junto a servidores do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a consolidação de todos os marcos referenciais básicos para funcionamento das unidades de conservação. O projeto de 10,7 milhões de euros da União Europeia foi assinado, totalmente concluído, e nunca executado.

O Arpa, integrado pela Terra do Meio, havia brilhado naquela semana de junho de 2012 como estrela nos painéis da Rio 20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável no Rio de Janeiro. Os motivos de proteção à região paraense estão descritos no termo de cooperação assinado pelo Brasil (8/11/2011) e UE (20/10/2011): "Área altamente estratégica para a conservação da biodiversidade e para o combate ao desmatamento". Na década seguinte, a região desponta com áreas que se destacam entre as mais desmatadas da Amazônia, com consequências como as mortes que ocorreram em julho e agosto deste ano. Um ribeirinho de 22 anos foi morto por um tiro disparado por um servidor local em uma operação de fiscalização ambiental. E um indígena da etnia Arara, também de 22 anos, apareceu morto na beira do rio Iriri.
Negligência com os Arara

Desmatamentos, grilagens e garimpos devastam principalmente a Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio e a Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca - justamente onde ocorreram as mortes recentes. Esse território do povo originário Arara é o único na bacia do Xingu a apresentar alta nos índices de desmatamento, com aumento de 45% (795 hectares para 1.149 ha) de cortes rasos de floresta entre 2023 e 2024. Contraste com os resultados de esforços do governo federal que promoveram a redução de 46% do desmatamento na região hidrográfica e 30,6% na Amazônia, segundo dados do sistema de monitoramento Sirad X, sistema remoto de Alerta de Desmatamento do Corredor Áreas Protegidas do Xingu. Essa TI está entre poucas do país onde a destruição avançou, colocando-a em 4o lugar no ranking negativo geral da Amazônia, conforme nota técnica divulgada no último dia 17 de outubro, por organizações indígenas e indigenistas.

"Uma carta da Rede Bem Viver da Cachoeira Seca relatou adoecimentos e sofrimento psíquico que alimentam um ciclo de mortes em circunstâncias dolorosas. Em 2023 e 2025, foram registrados falecimentos de lideranças e jovens em episódios associados ao consumo de álcool. Profissionais classificam a situação como uma verdadeira emergência em saúde mental", afirma a nota técnica lançada sexta-feira, assinada por seis instituições que acompanham a causa indígena, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA). Ministério dos Povos Indígenas e Fundação dos Povos Indígenas não responderam questionamentos do Correio.

O desmatamento na região também chama atenção para a Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio. Em 2024, a taxa de desmatamento voltava a subir a 322 hectares no ano, conforme dados detectados pelo Prodes (Projeto de Monitoramento da Amazônia Legal por Satélite, programa do Inpe/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), depois de um recuo de 58% entre 2023 (231 hectares) e 2022 (546 hectares). Na última década foram perdidos 3 mil hectares de florestas, com aumento significativo entre 2017 e 2022, conforme documento analítico sobre a Resex e a TI apresentado pelo ISA ao Correio. Até 2017, o ISA registrou 897 km de estradas ilegais dentro da unidade de conservação.

Os garimpos também crescem, especialmente devido ao atual aumento do preço do ouro no mercado internacional. "Se a fiscalização não funcionar de fato, a gente vai acabar indo pro garimpo, pois tá compensando", admitiram ribeirinhos à coordenadora de Proteção Territorial do Programa Xingu, do ISA, Luisa Molina.

Os moradores da Terra do Meio se ressentem de saúde, educação e pagam caro pela sobrevivência. A maior parte da alimentação é extraída das matas, das águas e das roças. Sempre com atenção para evitar ataques de feras. Na casa de dona Zefa Jerônima, na Estação Ecológica Terra do Meio (Esec), a mais longe onde cheguei saindo de Altamira, uns 800km se eu tivesse seguido direto pelo rio Iriri, entreguei alguns mantimentos para retribuir a hospitalidade, o que foi o mote para Zefa comentar sobre os preços de itens básicos.
Cristina Avila Esp.CB/DA Press. TERRA DO MEIO PARA. Dona Zefa Jeronima da Silva Estação ecologica terra do meio
Cristina Avila Esp.CB/DA Press. TERRA DO MEIO PARA. Dona Zefa Jeronima da Silva Estação ecologica terra do meio (foto: Cristina Avila Esp.CB/DA Press)

O óleo de soja chega a custar R$ 20 (neste momento, nas cidades pode-se comprar por R$5), o detergente líquido de cozinha é comprado por R$ 9 a R$ 11, o pacote de cinco quilos de arroz chega a R$ 50. "Mas o que pesa mais é a gasolina, vendida a R$ 15 o litro perto da Esec", relata Zefa Jerônima. Na cidade de Altamira o preço é semelhante ao de outras cidades do país, em média R$ 6,44 (no final de março quando estive na casa dela). Os rios são estradas na Amazônia, todos sabem, o combustível para as embarcações é fundamental, até mesmo na hora de buscar o socorro de um vizinho ou pescar o almoço.

Fui conversar num café na Asa Norte com o economista, doutor em administração, Trajano Quinhões (no centro da foto que registra a reunião em Altamira, em 2012). Ele coordenava o Programa Áreas Protegidas da Amazônia/MMA na época e realizou a oficina com todos os gestores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) da Terra do Meio. "Era um projeto vencedor", disse. "Já estava firmado o acordo com a União Europeia e garantido o recebimento do recurso. Fizemos o planejamento detalhado de como seria gasto. O Arpa tinha mais de dez anos, já tinha treinado todos os outros beneficiários (até 2017 apoiou a consolidação de 95 UCs, cerca de 52,2 milhões de hectares)". Logo depois, Trajano saiu do MMA.

Ele explicou que o financiamento com a UE atenderia os 31 indicadores do Arpa, como demarcação de todas as 11 unidades de conservação, planos de manejo, equipamentos, veículos e recursos para funcionamento de conselhos gestores. "Na prática, significaria proteção contra invasões, conservação ambiental e estrutura para acesso a outros recursos que poderiam promover geração de renda para famílias".

O Correio solicitou esclarecimentos ao Ministério do Meio Ambiente e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade sobre as agressões sofridas pelas populações tradicionais e sobre o Projeto Terra do Meio, mas não recebeu resposta.
Uma experiência de jornalismo colaborativo
Cristina Avila e seu carro fiat uno viagem a amazonia
Duas vezes viajei no Niño, meu Fiat Uno 2003 improvisado com itens básicos de sobrevivência, como energia 220 V e cama, que na chegada em Brasília marcou 23.725 km (foto: André Dusek)

Em 45 anos de jornalismo, tenho dois momentos importantes na minha formação profissional. O primeiro foi aprender a escrever em jornais diários em Porto Velho (RO), e nessa tarefa definir o foco das minhas escritas para o resto da vida. O segundo foi fazer parte da equipe do Correio nos anos 1990/2000, quando promoveu uma das maiores revoluções gráficas e editoriais do jornalismo brasileiro. Uma redação com uns 200 repórteres, fotógrafos, artistas, articulistas e editores com sangue nos olhos. Com essa bagagem, entre 2022 e 2025, fiz cinco viagens à região de Altamira (PA), sem projeto financeiro e sem planejamento seguro. Fui sozinha, com uma ideia na cabeça: fazer uma reportagem que deverá caber num livro, sobre a primeira fase da Transamazônica. Duas vezes viajei no Niño, meu Fiat Uno 2003 improvisado com itens básicos de sobrevivência, como energia 220 V e cama, que na chegada em Brasília marcou 23.725 km. No total das viagens, calculo 7 mil km de navegação, 10 mil km de ônibus, incluindo investigações no RS e MA, e 320 km de pau-de-arara, aquele caminhão com bancos de madeira e cobertura de lona: perdi 10 quilos, tive três dentes avariados, um por acidente com farinha de mandioca, três baques na saúde por desidratação, computador inutilizado, celular perdido, uns sustos por causa da manutenção do carro e a descoberta de que tudo o que eu planejei daria errado, e que eu nunca imaginaria encontrar tanta ajuda, carona, abrigo e até comida oferecida por agricultores familiares, frentistas em postos de gasolina, beiradeiros, indígenas e moradores de periferias amazônicas que botaram fé no meu trabalho.


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