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Apesar de 6 anos de espera, julgamento do assassinato de guardião da floresta é adiado para 2026

07/11/2025

Autor: Karla Mendes

Fonte: Mongabay - https://brasil.mongabay.com/



Apesar de 6 anos de espera, julgamento do assassinato de guardião da floresta é adiado para 2026

O julgamento de dois suspeitos acusados de assassinar o guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara (e de tentar matar seu colega guardião Laércio Guajajara) em 2019, na Amazônia, foi adiado para 2026, provocando indignação entre o povo Guajajara e defensores dos direitos indígenas.

O julgamento dos crimes será um marco legal, pois serão os primeiros casos contra a vida de indígenas a serem julgados por um júri federal no Maranhão; os crimes foram levados à esfera federal por representarem uma agressão contra toda a comunidade Guajajara e a cultura indígena, segundo o Ministério Público Federal.

Aguardado há anos, o laudo antropológico sobre os danos coletivos à comunidade indígena resultantes desses dois crimes foi concluído e anexado ao processo judicial em agosto. O julgamento, no entanto, só deve ocorrer no início de 2026, "tendo em vista não haver tempo hábil para a sua realização até o final deste ano", de acordo com a Justiça.

José Maria Paulino Guajajara, pai de Paulo Paulino, disse sentir "muita raiva dos brancos" pela morte de seu filho dentro da Terra Indígena Arariboia, onde a entrada deles é proibida: "Nós, índios, estamos morrendo e o [homem] branco não para de nos matar."

Seis anos depois do assassinato do líder indígena Paulo Paulino Guajajara e da tentativa de assassinato de seu colega, Laércio Guajajara, na Amazônia, o julgamento dos dois suspeitos acusados dos crimes ainda não ocorrerá este ano, provocando indignação entre o povo Guajajara e defensores dos direitos indígenas.

"Estou preocupado porque nunca houve o julgamento. Os bandidos que mataram meu filho nunca foram condenados, nunca foram presos", disse José Maria Paulino Guajajara, pai de Paulo, à Mongabay por telefone. Ele disse estar muito revoltado porque o julgamento deveria ter ocorrido "há muito tempo".

"Já vai passar esse ano de novo, aí [depois] outro ano de novo... Será que as autoridades estão só me enganando?", questionou José Maria.

Em 1o de novembro de 2019, Paulo Guajajara e Laércio Guajajara foram atacados durante uma emboscada, supostamente feita por madeireiros, dentro da Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão. Aguardado há anos, o laudo antropológico dos danos coletivos à comunidade indígena, resultantes desses crimes, foi anexado ao processo judicial em agosto. O julgamento, no entanto, só deve ocorrer no início de 2026, "tendo em vista não haver tempo hábil para a sua realização até o final deste ano", disseram os assessores do juiz responsável pelo caso à Mongabay por e-mail.

"Até agora, nunca acreditei que o julgamento dos indiciados fosse acontecer. A cada dia que passa, fico mais decepcionado com as leis brasileiras, principalmente [diante de] crimes contra defensores da vida e da floresta - e de tudo que depende da floresta para dar continuidade ao ciclo da vida e das culturas", disse Laércio Guajajara, testemunha da morte de Paulo e sobrevivente da emboscada, à Mongabay por mensagem de texto.

Entre 1991 e 2023, 81 indígenas Guajajara foram mortos no Maranhão; quase metade desses assassinatos (38) ocorreu na TI Arariboia e seis eram guardiões da floresta. Até hoje, nenhum dos acusados foi julgado.

O julgamento dos crimes contra Paulo e Laércio será um marco legal, pois serão os primeiros processos contra a vida de líderes indígenas a ir a um júri federal no Maranhão. Na maioria dos casos, os assassinatos são considerados crimes contra indivíduos e são julgados por um júri estadual. Esses crimes, todavia, chegaram à esfera federal por representarem uma agressão contra toda a comunidade Guajajara e a cultura indígena, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF).

Laércio e Paulo atuaram juntos como membros dos "Guardiões da Floresta", um grupo de indígenas Guajajara da Arariboia que arrisca a vida para proteger suas terras ancestrais contra a extração ilegal de madeira, a caça e outros crimes ambientais. O grupo, formado há uma década, também protege o povo Awá - caçadores-coletores que vivem em isolamento voluntário nas florestas da Arariboia - e são considerados o grupo indígena mais ameaçado do planeta.

Houve uma disputa judicial sobre o pagamento do laudo antropológico: o juiz do caso havia decidido que o governo federal deveria arcar com os custos, mas a Advocacia-Geral da União recorreu para que o valor fosse pago pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) ou pelo MPF. Mas o recurso foi negado e o governo federal pagou 50% dos honorários do perito no início de 2025. A decisão mais recente a respeito do caso, em 2 de outubro, determinou a liberação dos outros 50%. Segundo os assessores do juiz, "após cumprida essa determinação, os autos serão conclusos novamente ao juiz para designação da data da sessão do júri".

Defensores dos direitos indígenas elogiaram o conteúdo revelado pelo laudo antropológico, que detalhou os impactos dos crimes de 2019 ao povo Guajajara. Para eles, o teor do documento será "crucial" para que se faça justiça em nome das vítimas e de suas famílias.

"Nada do que o laudo conseguiu revelar era de meu conhecimento ou tinha sido repassado [a mim] pelos próprios guardiões", disse Lucimar Carvalho, advogada dos Guardiões, por telefone. Ela tem atuado como assistente de acusação no caso de Paulo e Laércio desde 2020 - primeiro como advogada no Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e, desde 2022, como representante dos líderes Guajajara.

Carvalho disse que os depoimentos coletados pelo laudo são "muito fortes" no que diz respeito à avaliação dos danos causados pelos crimes a toda a comunidade da TI Arariboia - seja pelo trauma coletivo gerado pela morte de Paulo, que era uma figura muito importante dentro do grupo, como pela pressão para as lideranças abandonarem seu trabalho como Guardiões. Houve também a desestruturação do grupo dos Guardiões, culminando na falta de proteção do território e impactos à cultura local, especialmente para os Awá, disse a advogada.

"Quando você quebra a estrutura de um grupo, quebra a estrutura dos que fazem a proteção territorial que o Estado não faz. Qual é o impacto disso para o território? É mais invasão, mais caçador", disse Carvalho.

Laudo antropológico pode ter papel decisivo no caso

Gabriel Mateus Serra, advogado que atua como assistente de acusação do Cimi no processo judicial, afirmou que o laudo antropológico será fundamental para medir os danos coletivos à comunidade indígena. "Ele [o documento] traz dados históricos e apresenta narrativas de diversos [representantes] indígenas, [de] praticamente de todas as regiões do território [Arariboia]."

Segundo Serra, tanto a logística quanto os custos envolvidos na produção desse tipo de laudo são desafiadores, mas o processo foi bem-sucedido dada a sua relevância. "Vai ser o primeiro júri federal do Maranhão sobre um caso indígena. Então, tem uma relevância grande para o estado," disse ele por telefone.

Serra e Carvalho celebraram o fato de os advogados dos réus não tentarem impugnar o laudo, o que poderia desencadear mais atrasos no julgamento. No entanto, os dois advogados disseram que a defesa dos acusados contestou partes do documento e citou informações não contidas no laudo.

Antônio Wesly Nascimento Coelho e Raimundo Nonato Ferreira de Sousa são os dois suspeitos indiciados pelos crimes. Em defesa, ambos declararam nos autos que estavam apenas caçando na Arariboia para alimentar suas família, alegando que os dois guardiões os haviam atacado primeiro.

Em suas manifestações ao juiz sobre o laudo, a Defensoria Pública da União (DPU), representando Sousa, e o advogado Fernando Lopes Rodrigues, que defendeu Coelho, disseram que o laudo antropológico revela a "ausência de consenso e o aspecto especulativo das narrativas" sobre a participação dos acusados nos crimes. A DPU e Rodrigues afirmaram que o laudo constatou que as informações sobre o envolvimento de seus clientes são "atravessadas por divergências e contradições internas à comunidade" e que "muitos relatos se baseiam no 'ouvir dizer', com expressões condicionais como 'poderia estar'" - o que, segundo os representantes legais, enfraquece a atribuição de responsabilidade direta aos acusados.

A Mongabay questionou ambos sobre a suposta citação de informações não contidas no laudo antropológico, mas não obteve resposta.

A luta por justiça

Segundo Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi no Maranhão, o atraso no julgamento dos crimes descredibiliza o sistema judicial aos olhos dos que foram afetados. "A família sofre em nome da vítima. Sempre que eu vou lá, vejo esse sentimento de impunidade. E, é lógico, isso vai acabar refletindo também na potencialização dos conflitos com os guardiões", disse Rodrigues por telefone. Segundo ele, o caso de Paulo só avança porque o Cimi tem acompanhado tudo de perto, destacando também a cobertura feita pela Mongabay.

O pai de Paulo disse sentir "muita raiva dos brancos" por matarem seu filho sem motivo - e dentro da TI Arariboia, onde a entrada deles é proibida. "Nós, índios, estamos morrendo e o branco não para de nos matar", disse José Maria. "Agora, se nós arranhamos o branco, há justiça. O índio vai preso, mas o branco não."

Apesar da decepção com o atraso no julgamento e a impunidade que permanece desde 2019, Laércio disse que continuará defendendo a floresta. "Desistir jamais. Sempre guerreiro, até o fim."

No aniversário de seis anos da morte de Paulo, José Maria e sua família visitaram o túmulo do líder Guajajara pela primeira vez e o homenagearam por dois dias, até o Dia de Finados. "É muita emoção", disse o pai da vítima.

Mais de 100 pessoas se reuniram para homenagear a memória de Paulo, disse José Maria, com orações, cantos e um almoço - realizado graças a doações recebidas. Os presentes também acenderam velas e lamentaram a perda com discursos emocionados e cantos na língua Guajajara, conforme vídeo compartilhado com a Mongabay. "Eu estou agradecido às pessoas que ajudaram [com doações] e àqueles que falaram um pouco a respeito do meu filho e de nós", disse José Maria, emocionado.

Quando a Mongabay entrevistou José Maria em sua casa, em 2023, ele disse que seu sonho era construir uma escola na aldeia com o nome de Paulo para homenageá-lo - José Maria é cantor e almeja usar o espaço educativo para ensinar às crianças os cantos tradicionais dos Guajajara para preservar a cultura do seu povo.

Dois anos depois, ele disse que ainda espera as doações para construir a escola e homenagear o filho. "Ele nunca brigou com ninguém, nunca bateu em ninguém, todo mundo gostava dele. Por isso que é muita emoção", disse José Maria. "É muita tristeza, quando eu lembro do meu filho conversando comigo. Não aguento e choro, e a mãe dele também. A gente sente muita falta dele."

Esta reportagem faz parte da série "A madeira do sangue Guajajara" que inclui uma investigação sobre o gado ilegal na TI Arariboia, premiada em 2025 com o John B. Oakes Award for Distinguished Environmental Journalism (Prêmio John B. Oakes de Excelência em Jornalismo Ambiental), oferecido pela Universidade de Columbia, nos EUA.

Imagem do banner: Composição de fotos do pai de Paulo Paulino Guajajara, José Maria Paulino Guajajara, e sua família visitando o túmulo de Paulo pela primeira vez, e um retrato de Paulo na Terra Indígena Arariboia em 2019. Fotos: José Mário Paulino Guajajara (esquerda e direita) e Karla Mendes/Mongabay (centro) e design gráfico de Julia Larsen/Mongabay.

A Associação Indígena Ka'aiwar dos Guardiões da Floresta da Terra Indígena Arariboia recebe doações para a construção da escola com o nome de Paulo Paulino Guajajara. A associação, criada três anos após o assassinato de Paulo, também recebe doações para a proteção da Terra Indígena Arariboia.

Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e a primeira brasileira vencedora do John B. Oakes Award for Distinguished Environmental Journalism, da Universidade de Columbia, nos EUA. Membro do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, ela é também a primeira brasileira e latino-americana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, 𝕏 e Bluesky.

https://brasil.mongabay.com/2025/11/apesar-de-6-anos-de-espera-julgamento-do-assassinato-de-guardiao-da-floresta-e-adiado-para-2026/
 

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