From Indigenous Peoples in Brazil
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Busca por consensos e liderança contraditória do Brasil devem marcar COP30, avalia especialista
06/11/2025
Autor: Ana Carolina Vasconcelos; Lucas Salum
Fonte: Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/podcast/bem-viver/2025/11/06/busca-por-consensos-e-
Busca por consensos e liderança contraditória do Brasil devem marcar COP30, avalia especialista
Segundo Ciro Brito, do Instituto Socioambiental (ISA), COP da Amazônia inaugura a 'era da implementação'
Ana Carolina Vasconcelos e Lucas Salum
06.nov.2025 às 19h29
Começou, nesta quinta-feira (6), em Belém do Pará, a Cúpula de Líderes, evento que conta com a participação de 57 chefes de Estado e de governo e precede o início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30).
Durante o encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou ações urgentes para o enfrentamento às mudanças climáticas, afirmou que é a vez dos povos da Amazônia "pautarem as questões climáticas", criticou a postura de lideranças de extrema direita diante da crise do clima, e provocou os demais países a discutirem sobre a nacionalização do tema, que é de escala global.
A COP30 inicia oficialmente na próxima segunda-feira (10) e tem programação até o dia 21 de novembro. Pela primeira vez acontecendo em território amazônico, as expectativas com a conferência são contraditórias. Enquanto o governo federal e outros atores políticos apontam esta como a "COP da verdade" ou a "COP da implementação", nos movimentos populares e ambientalistas paira um certo sentimento de ceticismo em relação à efetividade dos debates realizados no encontro.
Ciro Brito, analista sênior de políticas climáticas do Instituto Socioambiental (ISA), advogado com especialização em governança climática e mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal do Pará, explica que, apesar dos receios de setores da sociedade, historicamente, as COPs tomam definições importantes.
"O grande ponto é como os países que estão nas COPs estão ajudando a decidir as coisas que saem das COPs e implementando esses compromissos nas suas políticas nacionais. No Brasil, tivemos, no governo passado, uma dificuldade e uma paralisação em relação às políticas ambientais e climáticas, e isso acabou trazendo um retrocesso muito grande. O governo atual vem colocando a questão do clima com centralidade, apesar das suas contradições", afirma, ao Conversa Bem Viver.
O especialista também destaca que um dos principais desafios das conferências é conseguir formar consensos, já que todas as definições precisam ser tomadas por unanimidade. Ao mesmo tempo, ele chama a atenção para o papel das COPs na construção do multilateralismo.
"É preciso consensuar interesses muito diversos, de países com economias muito diversas, com situações sociais e culturais muito diversas, com interesses econômicos muito diversos. Se algum país não quiser que aquela decisão avance, ele pode colocar uma negociação abaixo. Há, de fato, um ceticismo e, neste momento, ele é maior, porque vivemos uma certa crise do multilateralismo. É por isso que a presidência brasileira coloca o fortalecimento do multilateralismo como um dos seus objetivos na COP da Amazônia", continua.
Sobre a participação do Brasil no encontro, Brito destaca que o país tem saldo positivo para apresentar em temas como a redução do desmatamento. Mas poderia estar em um patamar ainda mais avançado de liderança, se não houvesse contradições, como a liberação para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.
"Por um lado, temos bons resultados em relação à redução do desmatamento e degradação. Agora, também desde a COP de Dubai, ficou acertado que os países devem fazer esforços para se afastar do uso dos combustíveis fósseis e da queima de petróleo. Se o Brasil se coloca como líder na transição climática global, inclusive recebendo a primeira das COPs da 'era da implementação', o dever de casa seria dar o exemplo de não mais usar combustíveis fósseis e não mais achar novas reservas para fazer exploração", avalia.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato - Qual é o papel das COPs no debate sobre as mudanças do clima?
Ciro Brito - A COP é uma reunião anual para debater as mudanças climáticas e quem promove essa reunião é a ONU [Organização das Nações Unidas], mais especificamente a secretaria da Convenção Quadro das Mudanças Climáticas, o UNFCCC. A COP acontece desde 1995 e se origina dos documentos que foram acertados na Rio 92.
Estamos falando de pelo menos 30 anos de discussões entre os países, a partir de convergências. A COP é como se fosse uma grande reunião de condomínio sobre a área comum. Cada um teria parte desse condomínio e a área comum, que é o clima.
Precisamos cuidar da nossa área comum, fazendo essa metáfora da área comum com a própria casa comum, o planeta Terra, que é como os povos indígenas e tradicionais colocam.
Quais são os acordos discutidos nas COPs? Quais limites e possibilidades uma COP pode ter?
Em 2015, o Acordo de Paris trouxe objetivos, metas e instrumentos para o combate às mudanças climáticas, buscando que eles se instrumentalizem e avancem em conjunto. Então, muitos dos itens negociados nas COPs vêm a partir dos mandatos que o Acordo de Paris estabeleceu.
Muita coisa pode ser discutida, tanto pelos países diretamente nas negociações, mas também a partir da presidência de cada COP, do país que vai receber, que acaba colocando temas na mesa também.
Aqui no Brasil, esperamos que os itens de negociação, que são mandatos que já existem, sejam negociados, discutidos e que cheguemos a consensos, porque as decisões nas COPs são tomadas por consenso. Esse é o grande desafio, na verdade, porque é preciso consensuar interesses muito diversos, de países com economias muito diversas, com situações sociais e culturais muito diversas, com interesses econômicos muito diversos. E as decisões são tomadas por unanimidade.
Se algum país não quiser que aquela decisão avance, ele pode colocar uma negociação abaixo. Por isso, é como se fosse uma maestria muito fina que tem que ser dada para conseguirmos chegar a consenso nas COPs.
Por outro lado, as presidências podem apresentar as agendas de ação e essa presidência brasileira vem apresentando uma agenda de ação muito robusta, porque especificamente a COP do Brasil, a COP da Amazônia, é uma COP que inaugura uma era de implementação.
Até o ano passado, com a COP do Azerbaijão, muitos dos pontos que o Acordo de Paris trouxe ainda precisavam ser definidos, precisavam ser estabelecidas algumas regras. Entendeu-se que essa etapa foi finalizada na COP passada. Então, a partir de agora, precisamos começar a implementação.
A agenda de ação que a presidência brasileira apresenta é justamente para dar esse pontapé para a implementação. Vamos ter pontos de negociação que vêm de uma COP para outra, naturalmente, mandatos que são criados ou que já existem, e a agenda de ação, que é como conseguimos avançar na implementação dos diversos pontos que são objetos também do Acordo de Paris. Estamos falando de mitigação e adaptação principalmente.
Ou seja, esperamos que, nos próximos dias de COP30, a presidência brasileira assuma uma postura de cobrar, inclusive as outras nações, para a implementação?
Com a COP começando com a cúpula de líderes, que é a reunião dos líderes mundiais, esperamos que saiam compromissos específicos, bilaterais, unilaterais, e em relação ao que se faz para implementar. A presidência da COP não interfere nos pontos de negociação. Não deveria, pelo menos. Ela apenas dá a estrutura necessária para que as negociações aconteçam. Mas a agenda de implementação está com a presidência da COP e o chamado que vem sendo feito é justamente esse no sentido de cobrar.
O governo brasileiro vem colocando que essa vai ser a "COP da verdade", onde vamos conseguir observar se os países que precisam fazer mais estão realmente comprometidos em fazer mais. Também esperamos e trabalhamos para isso, com a sociedade civil e os movimentos sociais, pressionando para que esses países tomem sua posição e façam ações concretas para combater as mudanças climáticas.
Existe um certo ceticismo, por parte de movimentos populares ou da sociedade civil organizada, de que a COP pouco traz de mudanças efetivas. Você concorda com essa linha?
No contexto global, a COP pode trazer resultados muito importantes. Acho que o grande ponto é como os países que estão nas COPs estão ajudando a decidir as coisas que saem das COPs e implementando esses compromissos nas suas políticas nacionais.
No Brasil, tivemos, no governo passado, uma dificuldade e uma paralisação em relação às políticas ambientais e climáticas, e isso acabou trazendo um retrocesso muito grande. O governo atual vem colocando a questão do clima com centralidade, apesar das suas contradições, por exemplo, em relação à licença de pesquisa para exploração da Foz do Amazonas.
Mas, quanto mais os governos nacionais conseguem avançar com os compromissos que foram firmados internacionalmente, mais temos a implementação e a sensação de que as COPs servem para muitas coisas. E elas servem, no final das contas.
Já houve diversas decisões das COPs fundamentais para não estarmos em um estágio talvez pior do que o que a gente está. Além disso, as COPs são fundamentais para estabelecer metas, para estabelecer mecanismos de financiamento, fundos específicos para causas específicas, etc.
Há, de fato, um ceticismo e, neste momento, ele é maior, porque vivemos uma certa crise do multilateralismo. É por isso que essa presidência brasileira inclusive coloca o fortalecimento do multilateralismo como um dos seus objetivos na COP da Amazônia. Temos, paralelo às COPs, acontecendo diversas medidas unilaterais de governos como o dos Estados Unidos.
Também temos as guerras mundiais que estão minando recursos para ação climática. Esses recursos estão indo para ação bélica e têm trazido um certo enfraquecimento do multilateralismo.
Mas eu sempre coloco que o multilateralismo é a melhor saída que foi criada até então, porque a outra saída é o unilateralismo, é o uso da força das guerras e isso trouxe diversos impactos, genocídio, que não é o que estamos buscando.
Então, acho que temos que tomar uma postura muito realista, mas entender que o multilateralismo tem sim o seu valor.
Com qual moral o governo Lula chega para a COP30?
Esse é um assunto bem desafiador, porque, por um lado, realmente, temos bons resultados em relação à redução do desmatamento e degradação. Esses dados saíram esta semana e indicam uma maior redução de desmatamento acumulado nos últimos 11 anos. Vale ressaltar que o nosso perfil de emissões de gases de efeito estufa, que está em torno de 70 a 75%, é oriundo das mudanças do solo da terra e da agropecuária.
Olhar para o desmatamento, no caso do Brasil, é fundamental, já que o Brasil é top 10 de países emissores de gases de efeito estufa. No último ranking, o Brasil estava em sexto lugar como país que mais emite. Então, a redução do desmatamento, que é uma das nossas principais fontes de emissão, é fundamental globalmente, porque o Brasil é um país muito importante, quando falamos sobre as mudanças climáticas.
Esse dever de casa precisa ser feito. O Brasil assumiu o compromisso de, até 2030, reduzir o desmatamento ilegal a zero. Essa redução de desmatamento, portanto, é muito positiva, porque faz com que pensemos que, realmente, até 2030, vamos conseguir chegar nesse desmatamento zero.
Agora, também desde a COP de Dubai, ficou acertado que os países devem fazer esforços para se afastar do uso dos combustíveis fósseis, a queima de petróleo e gás. Seria natural que a cada COP, depois da COP de Dubai, a gente conseguisse ter avançado um passinho a mais para a diminuição do uso dos combustíveis fósseis, até chegar em um cenário no qual eles não fossem mais utilizados. Isso requer uma conjuntura na qual é preciso olhar para a disponibilização desses combustíveis fósseis, mas também para quem vai comprá-los.
Uma coisa que o governo vem colocando é que a questão da exploração do petróleo na Foz do Amazonas seria a parte da nossa transição energética e esse é um ponto que nós entendemos como contraditório. Nós discordamos. Se o Brasil se coloca como líder na transição climática global, inclusive recebendo a primeira das COPs da era da implementação, o dever de casa seria dar o exemplo de não mais usar combustíveis fósseis e não mais achar novas reservas para fazer essa exploração.
O que o governo coloca é que esses recursos, caso a exploração na Foz do Amazonas se concretizar, seriam inclusive utilizados para fazer a transição energética do Brasil. Esse é um ponto. Outro ponto que eles colocam é que já temos uma matriz energética verde ou sustentável por conta da energia que vem das hidrelétricas e dos biocombustíveis.
Agora, entendemos que, na verdade, os recursos para a transição energética, podem vir de diversas fontes que já existem e outras que poderiam ser criadas. Então, a gente não precisaria de recursos do petróleo para isso. Sim, a nossa matriz majoritariamente, em comparação aos outros grandes emissores, é diferenciada, mas isso não significa que a gente tem, então, uma gordurinha para queimar. Isso significa que a gente tem cartas na manga que podem ser usadas no caso da exploração do petróleo.
A postura que o Brasil deveria estar tomando nessa COP é de dar o exemplo e de não ter liberado a licença de exploração, sinalizando que o uso de combustíveis fósseis não seria mais uma das saídas econômicas que o país adotaria.
Outra coisa que o governo coloca é que precisa ser olhada a questão da procura em relação a esses combustíveis do petróleo. Enquanto não for acertado o fato de que os outros países precisam e querem comprar petróleo, seria difícil ou inviável que os países que têm a reserva de petróleo eventualmente deixassem de vender. Mais uma vez, volta para aquele argumento de "como é que você vai dar o exemplo?", "quem vai dar o primeiro passo?", "como a gente começa a fazer isso?".
Então, era fundamental que essa COP fosse uma COP da transição energética justa, onde, além de avançar em relação ao não uso dos combustíveis fósseis, pensássemos no fator de justiça, encarando temas como pobreza energética, encarando salvaguardas de povos e comunidades tradicionais que estão na rota da transição energética. Precisamos continuar pressionando em relação a isso, nesta COP mas também nas COPs futuras.
Como a COP da Amazônia pode trazer resultados para o cotidiano da população?
Vamos trabalhar para que haja medidas efetivas, que elas saiam dessa COP e continuem saindo das próximas. Tivemos diversas boas decisões saindo de COPs, que são fundamentais para estruturar a política internacional sobre mudanças climáticas. Os países que fazem parte dessas decisões, como é o caso do Brasil, devem adotar essas posturas nacionalmente também.
Esse é o papel, esse é o trabalho, esse é o mandato que os países têm no final das contas, de fazer essa conexão entre o global, o local e o nacional. Então, do ponto de vista internacional, podemos esperar dessa COP algumas coisas.
Um dos grandes temas que vai ser discutido é sobre o financiamento climático, que, apesar de ter sido o tema principal da COP passada, como a decisão em relação à meta de financiamento climático ficou muito aquém daquilo que os países em desenvolvimento precisam para ser mais ambiciosos nas suas ações climáticas, esse foi um tema que voltou para a presidência brasileira.
Deve ser apresentado um mapa do caminho de como aumentar o valor, para o valor que era pleiteado pelos países em desenvolvimento, que é de 1,3 trilhão de dólares. Se tivermos um bom mapa do caminho, também já é uma decisão positiva da COP30.
Dentro desse escopo do financiamento, outra medida que pode sair é do TFFF, que é o Fundo Florestas Tropicais [para Sempre], uma criação que a presidência brasileira está trazendo para esta COP e que é um fundo que busca pagar pela conservação dos países tropicais, como o caso do Brasil, como é o caso de Congo e de outros países que têm florestas tropicais.
Com mais recursos disponíveis para conservar, conseguimos também promover mais ações para fazer conservação. Outros pontos que vão estar em discussão são em relação à adaptação climática, que é a capacidade de desenvolver resiliência nos sistemas humanos e não humanos.
Quando a gente fala de mitigação, falamos das emissões de gases de efeito estufa, mas as mudanças climáticas já estão promovendo impactos nos territórios, nas cidades, nas pessoas mais vulnerabilizadas. A adaptação é importante para isso. A gente discute nesta COP de Belém os indicadores e os objetivos globais de adaptação, que vão ser fundamentais para conseguir, daqui a um tempo, mensurar se estamos adaptando mais e melhor o mundo ou não.
Hoje em dia, não conseguimos saber isso sem esses indicadores. Também será discutido sobre os meios de implementação em relação à adaptação, que são os recursos destinados para adaptação. Esses são alguns pontos que podem trazer resultados.
Outro ponto importante é em relação a quais são os legados que ficam para o Brasil, após receber esse encontro. Os legados de infraestrutura para a cidade que recebe a COP parecem inequívocos, mas acho que o principal legado é de ter trazido, ao longo deste ano, o debate sobre mudança climática, a compreensão de como isso é uma coisa que está impactando diretamente a vida de todos nós e não só das pessoas mais vulnerabilizadas ou das comunidades mais vulnerabilizadas.
A importância das cidades e dos estados debaterem e desenvolverem políticas também ganhou mais centralidade no debate. Então, eu creio que houve um aumento de consciência mais geral, e isso pode ser frutífero para conseguirmos pressionar os governos nacionais, subnacionais e locais para que eles avancem nas políticas sobre mudanças climáticas.
A nossa democracia tem como uma das coisas principais o voto, e esse tema pode se tornar um dos fatores decisivos para as pessoas escolherem em quem elas vão votar, para continuarmos seguindo aqueles políticos que têm compromisso em combater as mudanças climáticas. Ou seja, esperamos que haja legados no âmbito global, mas também legados para o Brasil.
https://www.brasildefato.com.br/podcast/bem-viver/2025/11/06/busca-por-consensos-e-lideranca-contraditoria-do-brasil-devem-marcar-cop30-avalia-especialista/
Segundo Ciro Brito, do Instituto Socioambiental (ISA), COP da Amazônia inaugura a 'era da implementação'
Ana Carolina Vasconcelos e Lucas Salum
06.nov.2025 às 19h29
Começou, nesta quinta-feira (6), em Belém do Pará, a Cúpula de Líderes, evento que conta com a participação de 57 chefes de Estado e de governo e precede o início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30).
Durante o encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou ações urgentes para o enfrentamento às mudanças climáticas, afirmou que é a vez dos povos da Amazônia "pautarem as questões climáticas", criticou a postura de lideranças de extrema direita diante da crise do clima, e provocou os demais países a discutirem sobre a nacionalização do tema, que é de escala global.
A COP30 inicia oficialmente na próxima segunda-feira (10) e tem programação até o dia 21 de novembro. Pela primeira vez acontecendo em território amazônico, as expectativas com a conferência são contraditórias. Enquanto o governo federal e outros atores políticos apontam esta como a "COP da verdade" ou a "COP da implementação", nos movimentos populares e ambientalistas paira um certo sentimento de ceticismo em relação à efetividade dos debates realizados no encontro.
Ciro Brito, analista sênior de políticas climáticas do Instituto Socioambiental (ISA), advogado com especialização em governança climática e mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal do Pará, explica que, apesar dos receios de setores da sociedade, historicamente, as COPs tomam definições importantes.
"O grande ponto é como os países que estão nas COPs estão ajudando a decidir as coisas que saem das COPs e implementando esses compromissos nas suas políticas nacionais. No Brasil, tivemos, no governo passado, uma dificuldade e uma paralisação em relação às políticas ambientais e climáticas, e isso acabou trazendo um retrocesso muito grande. O governo atual vem colocando a questão do clima com centralidade, apesar das suas contradições", afirma, ao Conversa Bem Viver.
O especialista também destaca que um dos principais desafios das conferências é conseguir formar consensos, já que todas as definições precisam ser tomadas por unanimidade. Ao mesmo tempo, ele chama a atenção para o papel das COPs na construção do multilateralismo.
"É preciso consensuar interesses muito diversos, de países com economias muito diversas, com situações sociais e culturais muito diversas, com interesses econômicos muito diversos. Se algum país não quiser que aquela decisão avance, ele pode colocar uma negociação abaixo. Há, de fato, um ceticismo e, neste momento, ele é maior, porque vivemos uma certa crise do multilateralismo. É por isso que a presidência brasileira coloca o fortalecimento do multilateralismo como um dos seus objetivos na COP da Amazônia", continua.
Sobre a participação do Brasil no encontro, Brito destaca que o país tem saldo positivo para apresentar em temas como a redução do desmatamento. Mas poderia estar em um patamar ainda mais avançado de liderança, se não houvesse contradições, como a liberação para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.
"Por um lado, temos bons resultados em relação à redução do desmatamento e degradação. Agora, também desde a COP de Dubai, ficou acertado que os países devem fazer esforços para se afastar do uso dos combustíveis fósseis e da queima de petróleo. Se o Brasil se coloca como líder na transição climática global, inclusive recebendo a primeira das COPs da 'era da implementação', o dever de casa seria dar o exemplo de não mais usar combustíveis fósseis e não mais achar novas reservas para fazer exploração", avalia.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato - Qual é o papel das COPs no debate sobre as mudanças do clima?
Ciro Brito - A COP é uma reunião anual para debater as mudanças climáticas e quem promove essa reunião é a ONU [Organização das Nações Unidas], mais especificamente a secretaria da Convenção Quadro das Mudanças Climáticas, o UNFCCC. A COP acontece desde 1995 e se origina dos documentos que foram acertados na Rio 92.
Estamos falando de pelo menos 30 anos de discussões entre os países, a partir de convergências. A COP é como se fosse uma grande reunião de condomínio sobre a área comum. Cada um teria parte desse condomínio e a área comum, que é o clima.
Precisamos cuidar da nossa área comum, fazendo essa metáfora da área comum com a própria casa comum, o planeta Terra, que é como os povos indígenas e tradicionais colocam.
Quais são os acordos discutidos nas COPs? Quais limites e possibilidades uma COP pode ter?
Em 2015, o Acordo de Paris trouxe objetivos, metas e instrumentos para o combate às mudanças climáticas, buscando que eles se instrumentalizem e avancem em conjunto. Então, muitos dos itens negociados nas COPs vêm a partir dos mandatos que o Acordo de Paris estabeleceu.
Muita coisa pode ser discutida, tanto pelos países diretamente nas negociações, mas também a partir da presidência de cada COP, do país que vai receber, que acaba colocando temas na mesa também.
Aqui no Brasil, esperamos que os itens de negociação, que são mandatos que já existem, sejam negociados, discutidos e que cheguemos a consensos, porque as decisões nas COPs são tomadas por consenso. Esse é o grande desafio, na verdade, porque é preciso consensuar interesses muito diversos, de países com economias muito diversas, com situações sociais e culturais muito diversas, com interesses econômicos muito diversos. E as decisões são tomadas por unanimidade.
Se algum país não quiser que aquela decisão avance, ele pode colocar uma negociação abaixo. Por isso, é como se fosse uma maestria muito fina que tem que ser dada para conseguirmos chegar a consenso nas COPs.
Por outro lado, as presidências podem apresentar as agendas de ação e essa presidência brasileira vem apresentando uma agenda de ação muito robusta, porque especificamente a COP do Brasil, a COP da Amazônia, é uma COP que inaugura uma era de implementação.
Até o ano passado, com a COP do Azerbaijão, muitos dos pontos que o Acordo de Paris trouxe ainda precisavam ser definidos, precisavam ser estabelecidas algumas regras. Entendeu-se que essa etapa foi finalizada na COP passada. Então, a partir de agora, precisamos começar a implementação.
A agenda de ação que a presidência brasileira apresenta é justamente para dar esse pontapé para a implementação. Vamos ter pontos de negociação que vêm de uma COP para outra, naturalmente, mandatos que são criados ou que já existem, e a agenda de ação, que é como conseguimos avançar na implementação dos diversos pontos que são objetos também do Acordo de Paris. Estamos falando de mitigação e adaptação principalmente.
Ou seja, esperamos que, nos próximos dias de COP30, a presidência brasileira assuma uma postura de cobrar, inclusive as outras nações, para a implementação?
Com a COP começando com a cúpula de líderes, que é a reunião dos líderes mundiais, esperamos que saiam compromissos específicos, bilaterais, unilaterais, e em relação ao que se faz para implementar. A presidência da COP não interfere nos pontos de negociação. Não deveria, pelo menos. Ela apenas dá a estrutura necessária para que as negociações aconteçam. Mas a agenda de implementação está com a presidência da COP e o chamado que vem sendo feito é justamente esse no sentido de cobrar.
O governo brasileiro vem colocando que essa vai ser a "COP da verdade", onde vamos conseguir observar se os países que precisam fazer mais estão realmente comprometidos em fazer mais. Também esperamos e trabalhamos para isso, com a sociedade civil e os movimentos sociais, pressionando para que esses países tomem sua posição e façam ações concretas para combater as mudanças climáticas.
Existe um certo ceticismo, por parte de movimentos populares ou da sociedade civil organizada, de que a COP pouco traz de mudanças efetivas. Você concorda com essa linha?
No contexto global, a COP pode trazer resultados muito importantes. Acho que o grande ponto é como os países que estão nas COPs estão ajudando a decidir as coisas que saem das COPs e implementando esses compromissos nas suas políticas nacionais.
No Brasil, tivemos, no governo passado, uma dificuldade e uma paralisação em relação às políticas ambientais e climáticas, e isso acabou trazendo um retrocesso muito grande. O governo atual vem colocando a questão do clima com centralidade, apesar das suas contradições, por exemplo, em relação à licença de pesquisa para exploração da Foz do Amazonas.
Mas, quanto mais os governos nacionais conseguem avançar com os compromissos que foram firmados internacionalmente, mais temos a implementação e a sensação de que as COPs servem para muitas coisas. E elas servem, no final das contas.
Já houve diversas decisões das COPs fundamentais para não estarmos em um estágio talvez pior do que o que a gente está. Além disso, as COPs são fundamentais para estabelecer metas, para estabelecer mecanismos de financiamento, fundos específicos para causas específicas, etc.
Há, de fato, um ceticismo e, neste momento, ele é maior, porque vivemos uma certa crise do multilateralismo. É por isso que essa presidência brasileira inclusive coloca o fortalecimento do multilateralismo como um dos seus objetivos na COP da Amazônia. Temos, paralelo às COPs, acontecendo diversas medidas unilaterais de governos como o dos Estados Unidos.
Também temos as guerras mundiais que estão minando recursos para ação climática. Esses recursos estão indo para ação bélica e têm trazido um certo enfraquecimento do multilateralismo.
Mas eu sempre coloco que o multilateralismo é a melhor saída que foi criada até então, porque a outra saída é o unilateralismo, é o uso da força das guerras e isso trouxe diversos impactos, genocídio, que não é o que estamos buscando.
Então, acho que temos que tomar uma postura muito realista, mas entender que o multilateralismo tem sim o seu valor.
Com qual moral o governo Lula chega para a COP30?
Esse é um assunto bem desafiador, porque, por um lado, realmente, temos bons resultados em relação à redução do desmatamento e degradação. Esses dados saíram esta semana e indicam uma maior redução de desmatamento acumulado nos últimos 11 anos. Vale ressaltar que o nosso perfil de emissões de gases de efeito estufa, que está em torno de 70 a 75%, é oriundo das mudanças do solo da terra e da agropecuária.
Olhar para o desmatamento, no caso do Brasil, é fundamental, já que o Brasil é top 10 de países emissores de gases de efeito estufa. No último ranking, o Brasil estava em sexto lugar como país que mais emite. Então, a redução do desmatamento, que é uma das nossas principais fontes de emissão, é fundamental globalmente, porque o Brasil é um país muito importante, quando falamos sobre as mudanças climáticas.
Esse dever de casa precisa ser feito. O Brasil assumiu o compromisso de, até 2030, reduzir o desmatamento ilegal a zero. Essa redução de desmatamento, portanto, é muito positiva, porque faz com que pensemos que, realmente, até 2030, vamos conseguir chegar nesse desmatamento zero.
Agora, também desde a COP de Dubai, ficou acertado que os países devem fazer esforços para se afastar do uso dos combustíveis fósseis, a queima de petróleo e gás. Seria natural que a cada COP, depois da COP de Dubai, a gente conseguisse ter avançado um passinho a mais para a diminuição do uso dos combustíveis fósseis, até chegar em um cenário no qual eles não fossem mais utilizados. Isso requer uma conjuntura na qual é preciso olhar para a disponibilização desses combustíveis fósseis, mas também para quem vai comprá-los.
Uma coisa que o governo vem colocando é que a questão da exploração do petróleo na Foz do Amazonas seria a parte da nossa transição energética e esse é um ponto que nós entendemos como contraditório. Nós discordamos. Se o Brasil se coloca como líder na transição climática global, inclusive recebendo a primeira das COPs da era da implementação, o dever de casa seria dar o exemplo de não mais usar combustíveis fósseis e não mais achar novas reservas para fazer essa exploração.
O que o governo coloca é que esses recursos, caso a exploração na Foz do Amazonas se concretizar, seriam inclusive utilizados para fazer a transição energética do Brasil. Esse é um ponto. Outro ponto que eles colocam é que já temos uma matriz energética verde ou sustentável por conta da energia que vem das hidrelétricas e dos biocombustíveis.
Agora, entendemos que, na verdade, os recursos para a transição energética, podem vir de diversas fontes que já existem e outras que poderiam ser criadas. Então, a gente não precisaria de recursos do petróleo para isso. Sim, a nossa matriz majoritariamente, em comparação aos outros grandes emissores, é diferenciada, mas isso não significa que a gente tem, então, uma gordurinha para queimar. Isso significa que a gente tem cartas na manga que podem ser usadas no caso da exploração do petróleo.
A postura que o Brasil deveria estar tomando nessa COP é de dar o exemplo e de não ter liberado a licença de exploração, sinalizando que o uso de combustíveis fósseis não seria mais uma das saídas econômicas que o país adotaria.
Outra coisa que o governo coloca é que precisa ser olhada a questão da procura em relação a esses combustíveis do petróleo. Enquanto não for acertado o fato de que os outros países precisam e querem comprar petróleo, seria difícil ou inviável que os países que têm a reserva de petróleo eventualmente deixassem de vender. Mais uma vez, volta para aquele argumento de "como é que você vai dar o exemplo?", "quem vai dar o primeiro passo?", "como a gente começa a fazer isso?".
Então, era fundamental que essa COP fosse uma COP da transição energética justa, onde, além de avançar em relação ao não uso dos combustíveis fósseis, pensássemos no fator de justiça, encarando temas como pobreza energética, encarando salvaguardas de povos e comunidades tradicionais que estão na rota da transição energética. Precisamos continuar pressionando em relação a isso, nesta COP mas também nas COPs futuras.
Como a COP da Amazônia pode trazer resultados para o cotidiano da população?
Vamos trabalhar para que haja medidas efetivas, que elas saiam dessa COP e continuem saindo das próximas. Tivemos diversas boas decisões saindo de COPs, que são fundamentais para estruturar a política internacional sobre mudanças climáticas. Os países que fazem parte dessas decisões, como é o caso do Brasil, devem adotar essas posturas nacionalmente também.
Esse é o papel, esse é o trabalho, esse é o mandato que os países têm no final das contas, de fazer essa conexão entre o global, o local e o nacional. Então, do ponto de vista internacional, podemos esperar dessa COP algumas coisas.
Um dos grandes temas que vai ser discutido é sobre o financiamento climático, que, apesar de ter sido o tema principal da COP passada, como a decisão em relação à meta de financiamento climático ficou muito aquém daquilo que os países em desenvolvimento precisam para ser mais ambiciosos nas suas ações climáticas, esse foi um tema que voltou para a presidência brasileira.
Deve ser apresentado um mapa do caminho de como aumentar o valor, para o valor que era pleiteado pelos países em desenvolvimento, que é de 1,3 trilhão de dólares. Se tivermos um bom mapa do caminho, também já é uma decisão positiva da COP30.
Dentro desse escopo do financiamento, outra medida que pode sair é do TFFF, que é o Fundo Florestas Tropicais [para Sempre], uma criação que a presidência brasileira está trazendo para esta COP e que é um fundo que busca pagar pela conservação dos países tropicais, como o caso do Brasil, como é o caso de Congo e de outros países que têm florestas tropicais.
Com mais recursos disponíveis para conservar, conseguimos também promover mais ações para fazer conservação. Outros pontos que vão estar em discussão são em relação à adaptação climática, que é a capacidade de desenvolver resiliência nos sistemas humanos e não humanos.
Quando a gente fala de mitigação, falamos das emissões de gases de efeito estufa, mas as mudanças climáticas já estão promovendo impactos nos territórios, nas cidades, nas pessoas mais vulnerabilizadas. A adaptação é importante para isso. A gente discute nesta COP de Belém os indicadores e os objetivos globais de adaptação, que vão ser fundamentais para conseguir, daqui a um tempo, mensurar se estamos adaptando mais e melhor o mundo ou não.
Hoje em dia, não conseguimos saber isso sem esses indicadores. Também será discutido sobre os meios de implementação em relação à adaptação, que são os recursos destinados para adaptação. Esses são alguns pontos que podem trazer resultados.
Outro ponto importante é em relação a quais são os legados que ficam para o Brasil, após receber esse encontro. Os legados de infraestrutura para a cidade que recebe a COP parecem inequívocos, mas acho que o principal legado é de ter trazido, ao longo deste ano, o debate sobre mudança climática, a compreensão de como isso é uma coisa que está impactando diretamente a vida de todos nós e não só das pessoas mais vulnerabilizadas ou das comunidades mais vulnerabilizadas.
A importância das cidades e dos estados debaterem e desenvolverem políticas também ganhou mais centralidade no debate. Então, eu creio que houve um aumento de consciência mais geral, e isso pode ser frutífero para conseguirmos pressionar os governos nacionais, subnacionais e locais para que eles avancem nas políticas sobre mudanças climáticas.
A nossa democracia tem como uma das coisas principais o voto, e esse tema pode se tornar um dos fatores decisivos para as pessoas escolherem em quem elas vão votar, para continuarmos seguindo aqueles políticos que têm compromisso em combater as mudanças climáticas. Ou seja, esperamos que haja legados no âmbito global, mas também legados para o Brasil.
https://www.brasildefato.com.br/podcast/bem-viver/2025/11/06/busca-por-consensos-e-lideranca-contraditoria-do-brasil-devem-marcar-cop30-avalia-especialista/
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