From Indigenous Peoples in Brazil
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Áreas de quilombolas estão no meio de disputa fundiária

27/02/2005

Fonte: A Crítica, Cidades, p. C7



Áreas de quilombolas estão no meio de disputa fundiária
Terras pretendidas por 31 comunidades quilombolas da Amazônia são objeto de estudo da madeireira Cikel

Jonas Santos
Da equipe de A Crítica

As terras pretendidas por 31 comunidades quilombolas, algumas das últimas dos remanescentes de quilombos na Amazônia, localizadas às margens dos rios Trombetas, Erepecuru, Acapu e Cuminã, no Município de Oriximiná (Oeste do Pará), próximo à divisa do território amazonense, são objeto de um estudo encomendado pela madeireira Cikel Brasil Verde S.A., com sede em Curitiba (PR). A empresa ocupou a propriedade rural e está requerendo o imóvel ao Instituto de Terras do Pará (Interpa) para exploração de madeira e dos recursos minerais existentes na área.
Foi o que revelou o chefe do posto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovais (Ibama), em Parintins, José Ramos.
A madeireira é suspeita de estar promovendo grilagem em uma área de 2,367 milhões de hectares, propriedade entre os Municípios de Oriximiná e Faro, no Estado do Pará, e Nhamundá, no Amazonas. No levantamento topográfico, a Cikel já havia invadido 80 mil hectares reclamados pelos índios hiscariana, das reservas Mapuera (PA) e Kassaw/Nhamundá (AM), situadas no limite territorial dos dois Estados, à Fundação Nacional do índio (Furai), no decurso de seis anos.
A localidade aparece no Sistema de Posicionamento Geográfico (GPS) do Ibama como gleba Cumarú, uma das cinco unidades setoriais demarcadas pela empresa que tem filiais no Nordeste do Pará. A Floresta Nacional Saracá Taquera e a Reserva Biológica do Rio Trombetas também estão incluídas no perímetro da demarcação. Na cidade de Faro, os agentes do órgão encontraram uma picada de 64 quilômetros, na margem da foz do rio Nhamundá. "Os rios Nhamundá e Trombetas seriam usados para o escoamento da produção da madeireira", destacou José Ramos. Segundo ele, o projeto de ocupação orçado pelos grileiros é da ordem de R$ 151 milhões. Somente para a construção de estradas e portos seriam destinados R$ 10,9 milhões e R$ 6,2 milhões estavam previstos para despesas de legalização fundiária. A Cikel gastaria ainda, segundo esse estudo encomendado pela própria companhia, o equivalente a R$ 27 milhões na área de construção civil e outras edificações. Em Nhamundá, a assessoria do prefeito Mário Paulain informou que o Poder Público está acionando o lbama e outros órgãos ambientais para resolveras invasões de madeireiros no Norte do município.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a área ocupada pela madeireira equivale a três vezes o tamanho do limite territorial do Haiti (27.750 quilômetros quadrados), na América Central; duas vezes toda a extensão da Dinamarca (43.069 km2), na Europa; e o tamanho de uma Bélgica, também na Europa (30.513 km2). Comparando a demarcação topográfica da madeireira à extensão do Município de Barcelos, o maior do Estado do Amazonas e um dos maiores em extensão do mundo, a propriedade é quase duas vezes o tamanho. A cidade dos peixes ornamentais tem uma área de 122.007 quilômetros quadrados.

Destaque
Os quilombolas de Oriximiná estão organizados em 31 comunidades rurais distribuídas por sete territórios: Água Fria; Trombetas; Erepecuru; Boa Vista; Moura; Jamari (último quilombo Erepecu) e Alto Trombetas.

Imóveis rurais viram terra sem lei e ameaça de conflito é eminente
Holofotes dos grileiros se voltam para as regiões Sul e Leste do Estado, na fronteira com o Pará
Os focos de violência registrados no Pará são comandados por fazendeiros, madeireiros e jagunços que transformam imóveis rurais em terras sem lei. 0 assassinato da missionária americana Doroty Stang, em Anapu, é um dos exemplos. Os holofotes dos grileiros agora se voltam para as regiões Sul e Leste do Amazonas, que estão na fronteira com o território paraense. A ameaça iminente que cerca a comunidade de quilombos é avaliada com preocupação por grupos que trabalham na preservação da identidade e da cultura negra: "Não é de hoje que a comunidade dos quilombos faz protestos contra os grileiros que aparecem em nossa região", diz o secretário de Cultura de Oriximiná, Cleonis Batista. "Madeireiros e sojicultores contratam pessoas da própria cidade para realizar o desmatamento. Já ocorreu até morte e desaparecimento de trabalhadores."
Os quilombolas estão agrupados em sete territórios, que somam 665 mil hectares de floresta ainda em preservação. Vivem da agricultura, da pesca e da coleta de castanha-do-Pará. As comunidades rurais do Abuí e Serrinha são as localidades mais próximas da sede de 0riximiná, onde habitam os descendentes dos escravos, e que estão geograficamente distantes quatro horas de viagem de barco uma da outra.
A Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município (Arqmo), criada em 1989, é pioneira na luta pela titulação de terras de quilombo e na história de resistência dos ancestrais negros. 0 primeiro registro de documento definitivo de propriedade conquistado no Brasil data de 1995, com a titulação da comunidade de Boa Vista, na cidade paraense. 0 artigo 68, da Constituição Federal, prevê o reconhecimento aos remanescentes de quilombos o direito à propriedade por eles ocupada.
A Argmo tomou conhecimento da invasão da madeireira por meio de uma reportagem de A Crítica. Por telefone, o coordenador da associação, Silvano Silva, disse que em Oriximiná corriam apenas boatos sobre a existência de grileiros na região.

Cikel nega grilagem, mas quer propriedade
0 gerente de Meio Ambiente da Cikel Brasil Verde, Leonardo Sobral, negou que a madeireira esteja realizando grilagem de terras nas regiões Oeste do Pará e Leste do Amazonas. De acordo com ele, a empresa florestal limitou-se a fazer um estudo detalhado sobre as potencialidades para uso dos recursos florestais na região - fronteira do Pará e Amazonas -, consultando o Instituto de Terras paraense sobre a disponibilidade da área. "Solicitamos do Iterpa informações sobre como dispor, legalmente, da área, obviamente por meio de instrumentos jurídicos que a legislação fundiária em vigor prevêem, como é o caso de alienação ou concessão. Tudo legal. Os que conhecem a trajetória da Cikel sabem que ela nunca esteve envolvida em grilagem, uma apropriação ilícita de terras por meio de expulsão e legalização fraudulenta", argumentou. "Os técnicos que o lbama encontrou em Faro estavam realizando exatamente esse estudo."
O gerente confirmou que o interesse da Cikel pela propriedade superiora 2 milhões de hectares de terra ocorre desde 17 de julho de 2003, conforme documento protocolado no Iterpa sob o número 20030000179030. "Não houve negativa de pedido. 0 processo ainda está em tramitação no departamento jurídico, segundo consulta feita ao site do instituto", explicou Sobral. 0 técnico também disseque a Cikel possui certificação de 248 mil hectares de floresta nativa na Amazônia, credenciamento emitido pelo Forest Stewardship Council (FSC), um conselho internacional que fornece o selo verde, sinônimo de que a madeira retirada da floresta é resultado de projetos ambientalmente corretos, socialmente justos e economicamente viáveis.

Destaque
A Cikel tem escritórios em Belém e Curitiba, serrarias, laminadoras e fábricas de compensados, além dos projetos de exploração sustentável em três fazendas. A Cikel Brasil Verde mantém há anos parcerias com diferentes instituições de pesquisa, ONGs, universidades e empresas particulares.

Busca rapida
Fuga no século 19
As comunidades remanescentes de quilombos dos nos Trombetas, Erepecuru e Cuminã (Oriximinal, localizadas na região do Baixo Amazonas, são constituídas pelos descendentes de escravos que, no século 19, fugiram dos cacoais, das fazendas de propriedades dos senhores de Óbidos, Santarém, Alenquer e mesmo de Belém, no Pará. Oriximiná tem população estimada em 48.332 habitantes, segundo o Censo do IBGE 2000. Dezenove mil pessoas moram na Zona Rural. A população de negros, descendentes de escravos que habitam as comunidades rurais, é estimada em 6 mil moradores.

Messias Cursino
Sec. Ambiente, Cultura e Turismo de Parintins

Funcionário licenciado do Ibama e biólogo, Messias Cursino faz um alerta afirmando que o Leste do Amazonas, onde estão situados os Municípios de Parintins e Nhamundá, está ocupado há muito tempo por madeireiros e sojicultores. "Mesmo com as multas aplicadas pelo Ibama, esses grileiros retornam e são, muitas vezes, amparados pelos comunitários. Com a ocupação das terras eles dão parabólicas para os caboclos, constroem escolas para os filhos deles e oferecem trabalho, aproveitando a ausência do Estado e a falta de uma política pública dos governos. É preciso uma força-tarefa: dos Governos Federal e Estadual, com a participação da Polícia Federal e do Exército. Se não houver uma prevenção eficaz, os conflitos de terra entre fazendeiros, madeireiros, agricultores rurais e sindicalistas; comuns no Sul do Pará; poderão ocorrer com maior freqüência na região Oeste do Pará, na fronteira com o Amazonas.
Ou seja, a dois passos do quintal das nossas casas. E quem discorda dessas ações está sujeito a pagar com a vida." Cursino, esteve participando da última megaoperação do Ibama, desencadeada no Sul do Estado do Pará, no ano passado.

A Crítica, 27/02/2005, Cidades, p. C7
 

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