From Indigenous Peoples in Brazil
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Concessão de Belo Monte desafia governo
21/05/2008
Fonte: Valor Econômico
Concessão de Belo Monte desafia governo
Daniela Chiaretti
21/05/2008
A agilidade em analisar processos de licenciamento ambiental do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, terá uma prova difícil pela frente: a polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Trata-se de obra prioritária prevista no Programa de Aceleração do Crescimento, orçada em R$ 7 bilhões, com capacidade de produção de 11.181 MW e longo histórico de resistência. Vencer a oposição a esta hidrelétrica é uma tarefa que, seguramente, irá extrapolar os domínios da área ambiental do governo.
Ontem, dois fatos confirmaram o quanto o processo desta usina é complicado. Em Brasília, o Tribunal Regional Federal da 1 Região suspendeu uma liminar concedida em abril pela Vara Única de Altamira e permitiu a retomada dos estudos de impacto ambiental da hidrelétrica. Foi uma vitória do Ministério das Minas e Energia e da Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobrás) que pretendem acelerar o processo e fazer com que o leilão de Belo Monte ocorra em outubro de 2009. Enquanto isso, em Altamira, o engenheiro Paulo Fernando Rezende, coordenador dos estudos de Belo Monte, foi ferido à tarde por cerca de dez índios kayapós, num episódio que demonstra a animosidade que existe em torno a esta obra.
Rezende sofreu um corte de 15 centímetros no braço, segundo a assessoria de imprensa da Eletrobrás. Ele estava em Altamira a convite dos organizadores do encontro Xingu Vivo para Sempre, que reúne na região, desde segunda, cerca de mil indígenas, ribeirinhos, ambientalistas, pequenos agricultores e representantes de movimentos sociais para discutir os projetos do plano energético do governo no Rio Xingu.
A cena reviveu, com mais violência, um fato histórico que ronda o mesmo empreendimento. Em 1989, durante o 1 Encontro de Povos Indígenas, também realizado em Altamira, a kayapó Tuíra encostou a lâmina de um facão no rosto do presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes, num gesto de advertência contra o então projeto do governo de inundar 1,7 milhão de hectares com a construção de cinco barragens no Xingu.
À época, a usina se chamava Kararaô, um brado de guerra na língua kayapó. A foto correu mundo e a pressão internacional fez com que o Banco Mundial desistisse do empréstimo. Muniz Lopes é hoje o presidente da Eletrobrás. Recentemente, comentando a disputa que ocorreu pela hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, Lopes mostrou seus planos para os rios amazônicos: "Com esses grandes empreendimentos quebra-se o paradigma de que construir usina na Amazônia é um absurdo". Prosseguiu: "A Amazônia tem um potencial da ordem de 40 mil MW em hidrelétricas. Temos a matriz energética mais limpa do mundo."
Kararaô foi esquecida e o projeto ressurgiu com Belo Monte como estrela principal. A engenharia foi repaginada. Prevê-se, agora, uma só barragem num trecho do rio conhecido como Volta Grande do Xingu, no município de Altamira.
Mas os ambientalistas desconfiam disso. O Xingu é um rio muito sensível aos períodos de seca na Amazônia, lembra Glenn Switkes, da ONG International Rivers, que destaca o impacto que o novo projeto, com dois desvios para o Xingu, poderia ter em áreas indígenas próximas. "Um trecho do rio ficará com muito menos água, impactando no número de peixes e na vida dos povos indígenas de lá", diz ele. "Além disso, a própria Eletrobrás reconhece que a vazão do rio cairá muito durante vários meses, diminuindo a capacidade de produção de Belo Monte", continua. "Assim, ela se torna antieconômica, e a única maneira de viabilizá-la será com mais dois reservatórios a montante".
Nos dados oficiais da Eletrobrás, a previsão é de apenas um reservatório. Mas uma antiga reivindicação da área ambiental do governo - a criação da Reserva Extrativista do Médio Xingu (Resex), fechando um mosaico de unidades de conservação e áreas indígenas na região - foi barrada no último dia da gestão Marina Silva. O processo de criação da Resex, que está há meses parado na Casa Civil, foi entendido pelos ambientalistas como um mau presságio. "É a mesma coisa das usinas do Rio Madeira", diz Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra -Amazônia Brasileira. "Estamos falando de um projeto que, sozinho não anda. É antieconômico. E o grande equívoco é que se está discutindo um conjunto de obras na bacia do Xingu", desconfia Smeraldi.
Vários pesquisadores e instituições vêm questionando a viabilidade técnica e econômica da usina, que teria potencial para gerar até 11,1 mil MW, mas que, durante a maior parte do ano, seria capaz de gerar no máximo 4,6 mil MW, pelas contas dos ambientalistas. O argumento do empreendedor tem sido que, quando Belo Monte produzir menos, em função da seca na Amazônia, as usinas do Sul e Sudeste estarão a pleno vapor. No tal sistema integrado, uma região compensaria a outra.
No histórico do processo no Ibama, Belo Monte tem área de influência direta em cinco municípios - Vitória do Xingu, Altamira, Senador José Porfírio, Anapu e Brasil Novo. O empreendimento também prevê a utilização de turbinas bulbo e reservatório com operação a fio d ? água, desenho que ficou famoso na discussão das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia.
A batalha judicial recente em torno a Belo Monte tem mais de sete anos de idas e vindas. No fim de 2007, o Ibama emitiu um termo de referência orientando o empreendedor a como proceder nos seus estudos de impacto ambiental. A Eletrobrás assinou um convênio de cooperação técnica com as construtoras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez que estão conduzindo os estudos de impacto ambiental.
Na trajetória de Belo Monte, no Ibama, estão os sinais da complexidade da obra. O levantamento inicial da população diretamente atingida pelo reservatório, e que precisará ser remanejada, indica 2 mil famílias na área urbana de Altamira, 813 na área rural de Vitória do Xingu e 400 ribeirinhas. Tudo isso, e mais a grande questão de sempre: o Xingu é sagrado para as nações indígenas que vivem ali. "Pequenas centrais elétricas de produtores privados estão sendo planejadas desordenadamente ao longo do rio, e isso terá impacto", lembra Raul Telles do Valle, do Instituto SócioAmbiental.
Valor Econômico, 21/05/2008
Daniela Chiaretti
21/05/2008
A agilidade em analisar processos de licenciamento ambiental do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, terá uma prova difícil pela frente: a polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Trata-se de obra prioritária prevista no Programa de Aceleração do Crescimento, orçada em R$ 7 bilhões, com capacidade de produção de 11.181 MW e longo histórico de resistência. Vencer a oposição a esta hidrelétrica é uma tarefa que, seguramente, irá extrapolar os domínios da área ambiental do governo.
Ontem, dois fatos confirmaram o quanto o processo desta usina é complicado. Em Brasília, o Tribunal Regional Federal da 1 Região suspendeu uma liminar concedida em abril pela Vara Única de Altamira e permitiu a retomada dos estudos de impacto ambiental da hidrelétrica. Foi uma vitória do Ministério das Minas e Energia e da Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobrás) que pretendem acelerar o processo e fazer com que o leilão de Belo Monte ocorra em outubro de 2009. Enquanto isso, em Altamira, o engenheiro Paulo Fernando Rezende, coordenador dos estudos de Belo Monte, foi ferido à tarde por cerca de dez índios kayapós, num episódio que demonstra a animosidade que existe em torno a esta obra.
Rezende sofreu um corte de 15 centímetros no braço, segundo a assessoria de imprensa da Eletrobrás. Ele estava em Altamira a convite dos organizadores do encontro Xingu Vivo para Sempre, que reúne na região, desde segunda, cerca de mil indígenas, ribeirinhos, ambientalistas, pequenos agricultores e representantes de movimentos sociais para discutir os projetos do plano energético do governo no Rio Xingu.
A cena reviveu, com mais violência, um fato histórico que ronda o mesmo empreendimento. Em 1989, durante o 1 Encontro de Povos Indígenas, também realizado em Altamira, a kayapó Tuíra encostou a lâmina de um facão no rosto do presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes, num gesto de advertência contra o então projeto do governo de inundar 1,7 milhão de hectares com a construção de cinco barragens no Xingu.
À época, a usina se chamava Kararaô, um brado de guerra na língua kayapó. A foto correu mundo e a pressão internacional fez com que o Banco Mundial desistisse do empréstimo. Muniz Lopes é hoje o presidente da Eletrobrás. Recentemente, comentando a disputa que ocorreu pela hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, Lopes mostrou seus planos para os rios amazônicos: "Com esses grandes empreendimentos quebra-se o paradigma de que construir usina na Amazônia é um absurdo". Prosseguiu: "A Amazônia tem um potencial da ordem de 40 mil MW em hidrelétricas. Temos a matriz energética mais limpa do mundo."
Kararaô foi esquecida e o projeto ressurgiu com Belo Monte como estrela principal. A engenharia foi repaginada. Prevê-se, agora, uma só barragem num trecho do rio conhecido como Volta Grande do Xingu, no município de Altamira.
Mas os ambientalistas desconfiam disso. O Xingu é um rio muito sensível aos períodos de seca na Amazônia, lembra Glenn Switkes, da ONG International Rivers, que destaca o impacto que o novo projeto, com dois desvios para o Xingu, poderia ter em áreas indígenas próximas. "Um trecho do rio ficará com muito menos água, impactando no número de peixes e na vida dos povos indígenas de lá", diz ele. "Além disso, a própria Eletrobrás reconhece que a vazão do rio cairá muito durante vários meses, diminuindo a capacidade de produção de Belo Monte", continua. "Assim, ela se torna antieconômica, e a única maneira de viabilizá-la será com mais dois reservatórios a montante".
Nos dados oficiais da Eletrobrás, a previsão é de apenas um reservatório. Mas uma antiga reivindicação da área ambiental do governo - a criação da Reserva Extrativista do Médio Xingu (Resex), fechando um mosaico de unidades de conservação e áreas indígenas na região - foi barrada no último dia da gestão Marina Silva. O processo de criação da Resex, que está há meses parado na Casa Civil, foi entendido pelos ambientalistas como um mau presságio. "É a mesma coisa das usinas do Rio Madeira", diz Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra -Amazônia Brasileira. "Estamos falando de um projeto que, sozinho não anda. É antieconômico. E o grande equívoco é que se está discutindo um conjunto de obras na bacia do Xingu", desconfia Smeraldi.
Vários pesquisadores e instituições vêm questionando a viabilidade técnica e econômica da usina, que teria potencial para gerar até 11,1 mil MW, mas que, durante a maior parte do ano, seria capaz de gerar no máximo 4,6 mil MW, pelas contas dos ambientalistas. O argumento do empreendedor tem sido que, quando Belo Monte produzir menos, em função da seca na Amazônia, as usinas do Sul e Sudeste estarão a pleno vapor. No tal sistema integrado, uma região compensaria a outra.
No histórico do processo no Ibama, Belo Monte tem área de influência direta em cinco municípios - Vitória do Xingu, Altamira, Senador José Porfírio, Anapu e Brasil Novo. O empreendimento também prevê a utilização de turbinas bulbo e reservatório com operação a fio d ? água, desenho que ficou famoso na discussão das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia.
A batalha judicial recente em torno a Belo Monte tem mais de sete anos de idas e vindas. No fim de 2007, o Ibama emitiu um termo de referência orientando o empreendedor a como proceder nos seus estudos de impacto ambiental. A Eletrobrás assinou um convênio de cooperação técnica com as construtoras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez que estão conduzindo os estudos de impacto ambiental.
Na trajetória de Belo Monte, no Ibama, estão os sinais da complexidade da obra. O levantamento inicial da população diretamente atingida pelo reservatório, e que precisará ser remanejada, indica 2 mil famílias na área urbana de Altamira, 813 na área rural de Vitória do Xingu e 400 ribeirinhas. Tudo isso, e mais a grande questão de sempre: o Xingu é sagrado para as nações indígenas que vivem ali. "Pequenas centrais elétricas de produtores privados estão sendo planejadas desordenadamente ao longo do rio, e isso terá impacto", lembra Raul Telles do Valle, do Instituto SócioAmbiental.
Valor Econômico, 21/05/2008
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