From Indigenous Peoples in Brazil
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News
Aty Guasu
28/10/2009
Autor: Marina Silva
Fonte: Terra Magazine - http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4066873-EI11691,00-Aty+Guasu.html
No dia 15 de outubro estive no Mato Grosso do Sul para participar da grande reunião anual dos guarani-kaiowá, Aty Guasu, quando eles fazem seus rituais de orações e discutem seus problemas.
Já compartilhei aqui no Terra Magazine sobre a tragédia desse povo, que luta no limite de suas forças para recuperar seu lugar no mundo. Dos 33 mil guaranis que vivem na região, poucos conseguiram a demarcação de suas terras, e mesmo assim em territórios pequenos, que estão abarrotados de gente.
Boa parte dessa população, cerca de 12 mil, são crianças, vivendo em condições muito precárias, sem atendimento médico, sem acesso à escola, com problema de desnutrição. Para alimentá-los, são distribuídas cestas básicas.
Centenas amontoam-se em 23 acampamentos na beira das estradas que cortam o estado. São barracas improvisadas com galhos secos e lonas de plástico, sem acesso à agua, em situação de degradação social extrema.
Vivem acuados, em conflito com os fazendeiros, que se escudam no erro histórico cometido pelo estado brasileiro na década de 1950, quando doou as terras dos índios para estimular a ocupação econômica do território.
A realidade em que vivem é precária: sem lugar social, cultural, econômico, num verdadeiro apartheid dentro do país. Há muitos anos se conhece a alta taxa de suicídio entre os jovens kaiowá, e mesmo assim, nada de substantivo foi feito até agora.
Lá ouvi relatos de que os técnicos da Funai são proibidos até mesmo de entrar nas áreas que são objeto de estudos para demarcação. Os índios estranham que os órgãos do governo que cuidam dos fazendeiros sejam tão fortes e o que cuida dos índios, tão fraco. Não é tudo governo federal, perguntam?
Durante as rezas, observei um menino de cerca de 12 anos, de presença marcante, com um cajado no qual ele recortou parte da casca, fazendo um desenho lindo e expressivo. Pensei que aquele cajado poderia ser o cetro de um futuro cacique, de um guerreiro, de um líder, mas naquele momento o barulho de suas batidas no chão era só um pedido de socorro.
Na reunião, um dos participantes me disse: "vou falar de um jeito que a nossa dor entre dentro da senhora, pra falar com o presidente da República e com os senadores." A dor e a angústia deles de fato me comoveram. O que fazer? Talvez os índios estejam nesse limite porque a sociedade brasileira não se sente resolvendo um dilema seu, quando olha para a situação deles. No máximo, tem pena. Não sente necessidade de dar um passo adiante como nação, enfrentando o desafio de devolver aos guaranis o lugar de dignidade que lhes foi tirado.
O que resolve é dar-lhes o acesso à terra, para que ali vivam em plenitude. Algumas já foram demarcadas. E além desse resgate histórico, são necessários mais gestos generosos, que dissipem o ódio: muitas vezes, as falas são feitas no sentido de desconstruí-los, de achar que são preguiçosos, de achar que são feios, de achar que são ignorantes.
Muitos estão dispostos a ajudar. Como o Exército brasileiro, cuja solidariedade foi fundamental para eu conseguir chegar até eles, a 500 km de Campo Grande, em local de dificílimo acesso. Mas é preciso que aqueles a quem os índios chamam de "pessoas importantes" apareçam por lá, para sentir também a sua dor e, talvez então, ter a vontade que falta para encontrar uma saída.
Estive lá para ser solidária, para fazer parte da diplomacia que vai trabalhar para tentar resolver um problema complexo. Não acredito que atitudes violentas tragam soluções. Acredito, sim, no princípio ético de que não devemos ter um apartheid social em pleno século 21. Ainda mais num país que tem mais de oito milhões de quilômetros quadrados de área.
É preciso que haja uma união de forças, um diálogo entre os diferentes segmentos e interesses. Uma nova Aty guasu, com a presença da Justiça, do Ministério Público, dos governos estadual, municipal e federal, da Funai, para, juntamente com os próprios índios, encontrarem uma solução definitiva. Eles não tem mais tempo para esperar.
Marina Silva é professora de ensino médio, senadora (PV-AC) e ex-ministra do Meio Ambiente.
Fale com Marina Silva: marina.silva08@terra.com.br
Opiniões expressas aqui são de exclusiva responsabilidade do autor e não necessariamente estão de acordo com os parâmetros editoriais de Terra Magazine.
Já compartilhei aqui no Terra Magazine sobre a tragédia desse povo, que luta no limite de suas forças para recuperar seu lugar no mundo. Dos 33 mil guaranis que vivem na região, poucos conseguiram a demarcação de suas terras, e mesmo assim em territórios pequenos, que estão abarrotados de gente.
Boa parte dessa população, cerca de 12 mil, são crianças, vivendo em condições muito precárias, sem atendimento médico, sem acesso à escola, com problema de desnutrição. Para alimentá-los, são distribuídas cestas básicas.
Centenas amontoam-se em 23 acampamentos na beira das estradas que cortam o estado. São barracas improvisadas com galhos secos e lonas de plástico, sem acesso à agua, em situação de degradação social extrema.
Vivem acuados, em conflito com os fazendeiros, que se escudam no erro histórico cometido pelo estado brasileiro na década de 1950, quando doou as terras dos índios para estimular a ocupação econômica do território.
A realidade em que vivem é precária: sem lugar social, cultural, econômico, num verdadeiro apartheid dentro do país. Há muitos anos se conhece a alta taxa de suicídio entre os jovens kaiowá, e mesmo assim, nada de substantivo foi feito até agora.
Lá ouvi relatos de que os técnicos da Funai são proibidos até mesmo de entrar nas áreas que são objeto de estudos para demarcação. Os índios estranham que os órgãos do governo que cuidam dos fazendeiros sejam tão fortes e o que cuida dos índios, tão fraco. Não é tudo governo federal, perguntam?
Durante as rezas, observei um menino de cerca de 12 anos, de presença marcante, com um cajado no qual ele recortou parte da casca, fazendo um desenho lindo e expressivo. Pensei que aquele cajado poderia ser o cetro de um futuro cacique, de um guerreiro, de um líder, mas naquele momento o barulho de suas batidas no chão era só um pedido de socorro.
Na reunião, um dos participantes me disse: "vou falar de um jeito que a nossa dor entre dentro da senhora, pra falar com o presidente da República e com os senadores." A dor e a angústia deles de fato me comoveram. O que fazer? Talvez os índios estejam nesse limite porque a sociedade brasileira não se sente resolvendo um dilema seu, quando olha para a situação deles. No máximo, tem pena. Não sente necessidade de dar um passo adiante como nação, enfrentando o desafio de devolver aos guaranis o lugar de dignidade que lhes foi tirado.
O que resolve é dar-lhes o acesso à terra, para que ali vivam em plenitude. Algumas já foram demarcadas. E além desse resgate histórico, são necessários mais gestos generosos, que dissipem o ódio: muitas vezes, as falas são feitas no sentido de desconstruí-los, de achar que são preguiçosos, de achar que são feios, de achar que são ignorantes.
Muitos estão dispostos a ajudar. Como o Exército brasileiro, cuja solidariedade foi fundamental para eu conseguir chegar até eles, a 500 km de Campo Grande, em local de dificílimo acesso. Mas é preciso que aqueles a quem os índios chamam de "pessoas importantes" apareçam por lá, para sentir também a sua dor e, talvez então, ter a vontade que falta para encontrar uma saída.
Estive lá para ser solidária, para fazer parte da diplomacia que vai trabalhar para tentar resolver um problema complexo. Não acredito que atitudes violentas tragam soluções. Acredito, sim, no princípio ético de que não devemos ter um apartheid social em pleno século 21. Ainda mais num país que tem mais de oito milhões de quilômetros quadrados de área.
É preciso que haja uma união de forças, um diálogo entre os diferentes segmentos e interesses. Uma nova Aty guasu, com a presença da Justiça, do Ministério Público, dos governos estadual, municipal e federal, da Funai, para, juntamente com os próprios índios, encontrarem uma solução definitiva. Eles não tem mais tempo para esperar.
Marina Silva é professora de ensino médio, senadora (PV-AC) e ex-ministra do Meio Ambiente.
Fale com Marina Silva: marina.silva08@terra.com.br
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