From Indigenous Peoples in Brazil
News
O primeiro povo indígena anistiado
22/09/2014
Autor: SURUÍ, Ywynuhu
Fonte: FSP, Tendências/Debates, p. A3
O primeiro povo indígena anistiado
Por mais que haja reparação, nunca sairão da memória dos Aikewara as cenas de terror presenciadas na repressão à guerrilha do Araguaia
Ywynuhu Suruí
Nós, Aikewara, povo tupi-guarani conhecido como "Suruí do Pará", escrevemos este artigo para que todos saibam por que na sexta-feira, 19 de setembro, nós nos tornamos o primeiro grupo de indígenas considerado anistiado político e por que esse dia é histórico para nós e para os povos indígenas deste país.
Esperamos 40 anos para que o Estado brasileiro reconhecesse a violência sofrida por nós, dentro e fora de casa, sem saber o porquê da presença daqueles homens fardados na aldeia para "caçar" pessoas --pergunta que eles próprios, nossos pais e avós, se faziam: por que os "marehai" (forma como chamamos os militares na nossa língua) estavam matando aquelas pessoas no Araguaia?
Durante três anos, de 1971 a 1973, os Aikewara viveram assustados quando ouviam qualquer barulho de carro ou avião. Logo pensavam que seriam mortos. Muitos tinham insônia, não conseguiam dormir tranquilos porque o tempo todo eram ameaçados por soldados do Exército brasileiro.
As mulheres ficavam apavoradas ao ouvir a tradução de quem sabia falar um pouquinho de português, de que os soldados estavam ordenando que as crianças se calassem e, que se fizessem qualquer barulho, eles matariam todos. E todos os homens adultos da aldeia foram levados para servir de guias para os "marehai" na mata --que conhecemos bem porque é a nossa terra.
Sem comer direito, andando por dias e dias, obrigados a levar cargas pesadas nas costas, aos empurrões, gritos e ameaças, dormindo ao relento na mata e adoecendo.
Por mais que seja feita uma reparação, nunca sairão da memória do povo Aikewara as cenas de terror e tortura que todos na aldeia presenciaram e sofreram no período da repressão à guerrilha do Araguaia, sendo prisioneiros em suas próprias casas, mantidos em cárcere privado, sem direito de buscar o seu próprio alimento. Crianças, idosos e mulheres passavam fome porque lhes fora tirado o direito de ir e vir em nossa própria terra.
Por muitos e muitos anos ouvimos essa história contada pelos nossos avós desde que éramos pequenos. Hoje somos pais e alguns já são avôs ou avós. Agora entendemos por que eles nos contavam e por que temos que continuar contando por meio de narrativas, maneira como são repassados os ensinamentos, as histórias do povo Aikewara para nossos filhos e netos.
Em meio a tantas lindas histórias que aprendemos ouvindo para poder repassar adiante de geração em geração --para que nunca acabem--, não era dessa maneira que nós gostaríamos de fazer parte da história do nosso país.
É triste saber que para viver na democracia foi preciso lutar e perder tantas vidas. Para ter liberdade foram perdidas vidas de verdadeiros heróis que não podem jamais ser esquecidos --e cujas lutas foram interrompidas com violência e mortes. Graças a essas corajosas pessoas é que podemos nos manifestar para fazer valer nossos direitos à saúde, à educação, à moradia e ao transporte de qualidade, garantidos na Constituição Federal.
Agora reconhecidos como anistiados políticos pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, ainda esperamos a principal reparação que existe, e que é coletiva: a regularização e desintrusão da terra indígena Tuwa Apekuokawera, parte do nosso território, excluída há 40 anos. É só com a devolução e proteção do nosso território que poderemos voltar a viver mais tranquilamente depois de tudo o que nossos pais e avós sofreram.
YWYNUHU SURUÍ, 30, é integrante do povo Aikewara e diretor da Escola Indígena Moroneikó, na Terra Indígena Sororó, sudeste do Pará
FSP, 22/09/2014, Tendências/Debates, p. A3
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/186868-o-primeiro-povo-indigena-anistiado.shtml
Por mais que haja reparação, nunca sairão da memória dos Aikewara as cenas de terror presenciadas na repressão à guerrilha do Araguaia
Ywynuhu Suruí
Nós, Aikewara, povo tupi-guarani conhecido como "Suruí do Pará", escrevemos este artigo para que todos saibam por que na sexta-feira, 19 de setembro, nós nos tornamos o primeiro grupo de indígenas considerado anistiado político e por que esse dia é histórico para nós e para os povos indígenas deste país.
Esperamos 40 anos para que o Estado brasileiro reconhecesse a violência sofrida por nós, dentro e fora de casa, sem saber o porquê da presença daqueles homens fardados na aldeia para "caçar" pessoas --pergunta que eles próprios, nossos pais e avós, se faziam: por que os "marehai" (forma como chamamos os militares na nossa língua) estavam matando aquelas pessoas no Araguaia?
Durante três anos, de 1971 a 1973, os Aikewara viveram assustados quando ouviam qualquer barulho de carro ou avião. Logo pensavam que seriam mortos. Muitos tinham insônia, não conseguiam dormir tranquilos porque o tempo todo eram ameaçados por soldados do Exército brasileiro.
As mulheres ficavam apavoradas ao ouvir a tradução de quem sabia falar um pouquinho de português, de que os soldados estavam ordenando que as crianças se calassem e, que se fizessem qualquer barulho, eles matariam todos. E todos os homens adultos da aldeia foram levados para servir de guias para os "marehai" na mata --que conhecemos bem porque é a nossa terra.
Sem comer direito, andando por dias e dias, obrigados a levar cargas pesadas nas costas, aos empurrões, gritos e ameaças, dormindo ao relento na mata e adoecendo.
Por mais que seja feita uma reparação, nunca sairão da memória do povo Aikewara as cenas de terror e tortura que todos na aldeia presenciaram e sofreram no período da repressão à guerrilha do Araguaia, sendo prisioneiros em suas próprias casas, mantidos em cárcere privado, sem direito de buscar o seu próprio alimento. Crianças, idosos e mulheres passavam fome porque lhes fora tirado o direito de ir e vir em nossa própria terra.
Por muitos e muitos anos ouvimos essa história contada pelos nossos avós desde que éramos pequenos. Hoje somos pais e alguns já são avôs ou avós. Agora entendemos por que eles nos contavam e por que temos que continuar contando por meio de narrativas, maneira como são repassados os ensinamentos, as histórias do povo Aikewara para nossos filhos e netos.
Em meio a tantas lindas histórias que aprendemos ouvindo para poder repassar adiante de geração em geração --para que nunca acabem--, não era dessa maneira que nós gostaríamos de fazer parte da história do nosso país.
É triste saber que para viver na democracia foi preciso lutar e perder tantas vidas. Para ter liberdade foram perdidas vidas de verdadeiros heróis que não podem jamais ser esquecidos --e cujas lutas foram interrompidas com violência e mortes. Graças a essas corajosas pessoas é que podemos nos manifestar para fazer valer nossos direitos à saúde, à educação, à moradia e ao transporte de qualidade, garantidos na Constituição Federal.
Agora reconhecidos como anistiados políticos pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, ainda esperamos a principal reparação que existe, e que é coletiva: a regularização e desintrusão da terra indígena Tuwa Apekuokawera, parte do nosso território, excluída há 40 anos. É só com a devolução e proteção do nosso território que poderemos voltar a viver mais tranquilamente depois de tudo o que nossos pais e avós sofreram.
YWYNUHU SURUÍ, 30, é integrante do povo Aikewara e diretor da Escola Indígena Moroneikó, na Terra Indígena Sororó, sudeste do Pará
FSP, 22/09/2014, Tendências/Debates, p. A3
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/186868-o-primeiro-povo-indigena-anistiado.shtml
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