From Indigenous Peoples in Brazil
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Turismo espiritual
20/10/2014
Fonte: O Globo, Sociedade, p. 21
Turismo espiritual
Yawanawás descobrem na própria cultura uma boa fonte de renda
Índios cobram R$ 2 mil por uma visita curta e US$ 5 mil por uma dieta de três meses
Mariana Sanches
TARAUACÁ - Na década de 1970, os Yawanawá (que na língua indígena significa "povo da queixada") eram candidatos à extinção assim como a arara azul e a onça pintada, com quem dividiam o território na floresta amazônica acreana. Espremidos entre os seringalistas - que ainda tentavam extrair lucros das árvores seringueiras depois do fim do ciclo da borracha - e missionários evangélicos americanos que, com o aval da ditadura militar, passaram décadas catequizando e aculturando indígenas na região, os cerca de 200 remanescentes da etnia sofriam com conflitos por terra, trabalho análogo à escravidão e epidemia de alcoolismo.
- Fomos proibidos de falar nossa língua, nossos rituais eram considerados diabólicos, dependíamos dos fazendeiros para comer, dependíamos dos missionários para ter remédios - afirma o cacique Biracy Yawanawá, de 50 anos, que na infância havia sido educado para ser missionário e que, 40 anos mais tarde, é reconhecido pelos integrantes da tribo como o principal responsável pela mudança no destino da aldeia. Hoje, os Yawanawá já somam cerca de mil pessoas.
- Há 20 anos, a gente tinha vergonha de ser índio. Se você viesse aqui, veria um grupo de Yawanawá tomando cachaça e dançando forró ou outro pregando com a Bíblia embaixo do braço - afirma Julia Yawanawá, prima de Biracy.
MUDANÇA A PARTIR DA DEMARCAÇÃO
Segundo a história oral recente do povo, a sorte dos Yawanawá começou a mudar quando, em 1983, tiveram demarcado seu território - 220 mil hectares de terra às margens do Rio Gregório. No mesmo período, Biracy saiu da aldeia para estudar. Em Rio Branco, militou ao lado de Chico Mendes e Marina Silva e participou da fundação do PT. Viajou para congressos de direitos indígenas pelo Brasil e na América do Sul. Longe de suas terras, recuperou a identidade indígena e ganhou força política.
Em 1992, voltou para a tribo disposto a abreviar o enredo de alcoolismo e genocídio, frequente também entre outras etnias, como os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Contrariou os mais velhos, que já eram evangélicos, tomou o poder e expulsou os missionários das terras indígenas. Queimou todas as Bíblias que sobraram na aldeia.
- Disseram que eu era subversivo, louco e que queria plantar maconha em nossas terras. Foi o período mais difícil da minha vida - relembra Biracy.
Como forma de retomada da cultura, Biracy instituiu escolas indígenas que ensinassem o português e o Yawanawá. Proibiu qualquer bebida alcoólica nas aldeias e, tempos depois, liberou o uso da ayahuasca para mulheres e jovens. Tradicionalmente, a bebida era exclusiva dos homens adultos. Reabilitou os pajés (a primeira mulher pajé, Rucharlo Yawanawá, é um dos líderes espirituais) e a medicina tradicional. Atualmente, a tribo cultiva uma horta com as ervas curativas que conhece.
Ao mesmo tempo, o cacique passou a costurar acordos diretamente com organizações internacionais e a procurar formas de tornar o modo de vida tradicional dos índios sustentável. Ele negociou pessoalmente com empresas americanas a exportação de urucum produzido pelos Yawanawá.
- A gente aprendeu a falar, não é? Então é melhor que a gente mesmo fale por nós do que ter gente pra traduzir as nossas vontades, como tem acontecido com tantas tribos - diz Biracy, que nutre o desejo de lançar um candidato a vereador pela etnia nas próximas eleições em Tarauacá.
Nos cálculos do cacique, a quantidade de eleitores da tribo já é quase suficiente para eleger um representante no legislativo municipal. Estrategista, ele também tem espalhados seus filhos pelo mundo para que eles estudem áreas de interesse para a tribo: o filho mais velho é administrador, uma das meninas estuda medicina em Cuba e deve voltar para ajudar a pesquisar as ervas amazônicas, um outro estuda administração agrícola no Havaí, outra, economia, na França. Todos com bolsas de entidades internacionais parceiras da etnia.
O pulo do gato do cacique, no entanto, foi entender que a maior fonte de renda do grupo não viria da terra, mas da própria cultura. Ele criou o que chama de "turismo espiritual". Em troca de dinheiro, permite que visitantes não índios participem dos sofisticados rituais da tribo, que incluem o chá alucinógeno ayahuasca, o rapé e incensos feitos de resina de árvore, além das comidas típicas.
- A aldeia hoje vive disso. Cobramos R$ 2 mil por uma visita curta e US$ 5 mil para que a pessoa fique conosco para uma dieta de três meses - explica Biracy.
Quando O GLOBO chegou a uma das aldeias, havia cinco russos em isolamento, fazendo uma dieta Yawanawá. Um deles, alto e loiro, ostentava um filhote de macaco pendurado em seu braço direito. Todos se recusaram a falar com a reportagem, alegando que o contato com o mundo exterior poderia perturbar o ritual, que já durava sete meses. A relação deles com o pajé é parecida com a que teriam com um psicanalista. É o pajé quem interpreta os significados dos sonhos e alucinações que o uso da ayahuasca provoca nos visitantes.
ATÉ JOAQUIN PHOENIX NA ALDEIA
Anualmente, os índios promovem, sempre em outubro, o Festival Yawá. São cinco dias de festa, com comidas típicas, muitos rituais com ervas, música e contato com a natureza - uma proposta mais leve do que a dieta de meses a que se submetiam os russos. Para participar, é preciso pagar entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, além de passagem aérea até Rio Branco. O alto custo e o exotismo da proposta não afugentam. Os índios afirmam que entre os frequentadores estão expoentes da moda, como os executivos da Lacoste e da Cavalera, o arquiteto Marcelo Rosembaum e até o astro hollywoodiano Joaquin Phoenix, que protagonizou o filme "Ela", lançado em 2013.
- Por festival recebemos cerca de 250 pessoas, além dos que visitam fora da temporada. E a cada ano temos mais procura - afirmou Biracy.
Além de trazer o sustento, a presença de visitantes ilustres na aldeia ajuda a espalhar a fama internacional dos índios. No ano passado, Rosembaum levou uma luminária Yawanawá para a Semana de Design, em Milão. O mundo dos Yawanawá é cada vez maior do que as terras amazônicas às margens do Rio Gregório.
O Globo, 20/10/2014, Sociedade, p. 21
http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/meio-ambiente/yawanawas-descobrem-na-propria-cultura-uma-boa-fonte-de-renda-14298366
Yawanawás descobrem na própria cultura uma boa fonte de renda
Índios cobram R$ 2 mil por uma visita curta e US$ 5 mil por uma dieta de três meses
Mariana Sanches
TARAUACÁ - Na década de 1970, os Yawanawá (que na língua indígena significa "povo da queixada") eram candidatos à extinção assim como a arara azul e a onça pintada, com quem dividiam o território na floresta amazônica acreana. Espremidos entre os seringalistas - que ainda tentavam extrair lucros das árvores seringueiras depois do fim do ciclo da borracha - e missionários evangélicos americanos que, com o aval da ditadura militar, passaram décadas catequizando e aculturando indígenas na região, os cerca de 200 remanescentes da etnia sofriam com conflitos por terra, trabalho análogo à escravidão e epidemia de alcoolismo.
- Fomos proibidos de falar nossa língua, nossos rituais eram considerados diabólicos, dependíamos dos fazendeiros para comer, dependíamos dos missionários para ter remédios - afirma o cacique Biracy Yawanawá, de 50 anos, que na infância havia sido educado para ser missionário e que, 40 anos mais tarde, é reconhecido pelos integrantes da tribo como o principal responsável pela mudança no destino da aldeia. Hoje, os Yawanawá já somam cerca de mil pessoas.
- Há 20 anos, a gente tinha vergonha de ser índio. Se você viesse aqui, veria um grupo de Yawanawá tomando cachaça e dançando forró ou outro pregando com a Bíblia embaixo do braço - afirma Julia Yawanawá, prima de Biracy.
MUDANÇA A PARTIR DA DEMARCAÇÃO
Segundo a história oral recente do povo, a sorte dos Yawanawá começou a mudar quando, em 1983, tiveram demarcado seu território - 220 mil hectares de terra às margens do Rio Gregório. No mesmo período, Biracy saiu da aldeia para estudar. Em Rio Branco, militou ao lado de Chico Mendes e Marina Silva e participou da fundação do PT. Viajou para congressos de direitos indígenas pelo Brasil e na América do Sul. Longe de suas terras, recuperou a identidade indígena e ganhou força política.
Em 1992, voltou para a tribo disposto a abreviar o enredo de alcoolismo e genocídio, frequente também entre outras etnias, como os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Contrariou os mais velhos, que já eram evangélicos, tomou o poder e expulsou os missionários das terras indígenas. Queimou todas as Bíblias que sobraram na aldeia.
- Disseram que eu era subversivo, louco e que queria plantar maconha em nossas terras. Foi o período mais difícil da minha vida - relembra Biracy.
Como forma de retomada da cultura, Biracy instituiu escolas indígenas que ensinassem o português e o Yawanawá. Proibiu qualquer bebida alcoólica nas aldeias e, tempos depois, liberou o uso da ayahuasca para mulheres e jovens. Tradicionalmente, a bebida era exclusiva dos homens adultos. Reabilitou os pajés (a primeira mulher pajé, Rucharlo Yawanawá, é um dos líderes espirituais) e a medicina tradicional. Atualmente, a tribo cultiva uma horta com as ervas curativas que conhece.
Ao mesmo tempo, o cacique passou a costurar acordos diretamente com organizações internacionais e a procurar formas de tornar o modo de vida tradicional dos índios sustentável. Ele negociou pessoalmente com empresas americanas a exportação de urucum produzido pelos Yawanawá.
- A gente aprendeu a falar, não é? Então é melhor que a gente mesmo fale por nós do que ter gente pra traduzir as nossas vontades, como tem acontecido com tantas tribos - diz Biracy, que nutre o desejo de lançar um candidato a vereador pela etnia nas próximas eleições em Tarauacá.
Nos cálculos do cacique, a quantidade de eleitores da tribo já é quase suficiente para eleger um representante no legislativo municipal. Estrategista, ele também tem espalhados seus filhos pelo mundo para que eles estudem áreas de interesse para a tribo: o filho mais velho é administrador, uma das meninas estuda medicina em Cuba e deve voltar para ajudar a pesquisar as ervas amazônicas, um outro estuda administração agrícola no Havaí, outra, economia, na França. Todos com bolsas de entidades internacionais parceiras da etnia.
O pulo do gato do cacique, no entanto, foi entender que a maior fonte de renda do grupo não viria da terra, mas da própria cultura. Ele criou o que chama de "turismo espiritual". Em troca de dinheiro, permite que visitantes não índios participem dos sofisticados rituais da tribo, que incluem o chá alucinógeno ayahuasca, o rapé e incensos feitos de resina de árvore, além das comidas típicas.
- A aldeia hoje vive disso. Cobramos R$ 2 mil por uma visita curta e US$ 5 mil para que a pessoa fique conosco para uma dieta de três meses - explica Biracy.
Quando O GLOBO chegou a uma das aldeias, havia cinco russos em isolamento, fazendo uma dieta Yawanawá. Um deles, alto e loiro, ostentava um filhote de macaco pendurado em seu braço direito. Todos se recusaram a falar com a reportagem, alegando que o contato com o mundo exterior poderia perturbar o ritual, que já durava sete meses. A relação deles com o pajé é parecida com a que teriam com um psicanalista. É o pajé quem interpreta os significados dos sonhos e alucinações que o uso da ayahuasca provoca nos visitantes.
ATÉ JOAQUIN PHOENIX NA ALDEIA
Anualmente, os índios promovem, sempre em outubro, o Festival Yawá. São cinco dias de festa, com comidas típicas, muitos rituais com ervas, música e contato com a natureza - uma proposta mais leve do que a dieta de meses a que se submetiam os russos. Para participar, é preciso pagar entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, além de passagem aérea até Rio Branco. O alto custo e o exotismo da proposta não afugentam. Os índios afirmam que entre os frequentadores estão expoentes da moda, como os executivos da Lacoste e da Cavalera, o arquiteto Marcelo Rosembaum e até o astro hollywoodiano Joaquin Phoenix, que protagonizou o filme "Ela", lançado em 2013.
- Por festival recebemos cerca de 250 pessoas, além dos que visitam fora da temporada. E a cada ano temos mais procura - afirmou Biracy.
Além de trazer o sustento, a presença de visitantes ilustres na aldeia ajuda a espalhar a fama internacional dos índios. No ano passado, Rosembaum levou uma luminária Yawanawá para a Semana de Design, em Milão. O mundo dos Yawanawá é cada vez maior do que as terras amazônicas às margens do Rio Gregório.
O Globo, 20/10/2014, Sociedade, p. 21
http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/meio-ambiente/yawanawas-descobrem-na-propria-cultura-uma-boa-fonte-de-renda-14298366
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