From Indigenous Peoples in Brazil
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Direitos quilombolas
04/06/2024
Autor: Jose Mauricio Arruti e Juliana Sartori
Fonte: Nexo Políticas Públicas - pp.nexojornal.com.br
A Constituição Federal de 1988 reconheceu o direito quilombola à terra e à cultura, mas as décadas seguintes foram marcadas por um processo de ambiguidades e contradições para a sua efetivação. Mais recentemente, em 2023, as políticas quilombolas retomaram seu curso. Conheça marcos importantes desta história
A Constituição Federal de 1988 reconheceu o direito quilombola à terra e à cultura, mas as décadas seguintes seriam marcadas por um processo de ambiguidades e contradições, diante de resistências jurídicas e administrativas para a efetivação desse direito.
Os debates legislativos sobre a regulamentação do artigo constitucional, de meados dos anos 1990, foram interrompidos por um Decreto Presidencial em 2001. A sua efetiva regulamentação só ocorreu no ano de 2003, com o Decreto Presidencial 4778, que criou a primeira política pública federal para as comunidades quilombolas. Já no ano seguinte, entretanto, esse decreto teria sua validade questionada através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, gerando insegurança jurídica durante 14 anos até que fosse finalmente julgada. Ainda assim, as políticas públicas para quilombolas passaram a ser elaboradas e executadas, em especial nos campos da educação e do desenvolvimento social, além da regularização fundiária.
A ruptura política de 2016, no entanto, abre um período de retrocessos, com o desmantelamento das políticas já estabelecidas e o estrangulamento orçamentário, levando à suspensão de processos de titulação territorial (2016-2018). Esse retrocesso atingiu as comunidades quilombolas também indiretamente, com a desestruturação dos órgãos responsáveis pelas políticas ambientais e de reforma agrária, além da adoção de uma retórica pública agressiva e radicalmente contrária aos movimentos sociais, ao ambientalismo e aos mecanismos de controle externo e participação social nas políticas governamentais.
Em 2023, as políticas quilombolas retomam seu curso, com a reestruturação das políticas públicas, o que se traduz na concentração de ações na nossa 'Linha do tempo' em apenas um ano.
Essa 'Linha do tempo' organiza os principais acontecimentos públicos, de natureza técnica e política, principalmente com origem ou diretamente voltados ao Estado brasileiro. Uma ênfase mais equilibrada sobre ações com origem no movimento quilombola e outras organizações da sociedade civil implicaria em um volume muitas vezes maior de eventos a considerar, e relações mais complexas entre eles, impossível de abordar no formato sintético e didático da 'Linha do tempo'.
1740
Legislação colonial define o quilombo como objeto de repressão
Quilombo é o aportuguesamento da palavra kilombo, com origem na língua umbundu, compartilhada pelos povos bantu. Originalmente ela designava "acampamento" ou local fortificado". A partir do século 17, em função de uma longa história de conflitos entre aqueles povos e seus vizinhos, a palavra passa a designar uma instituição guerreira transcultural, não mais restrita aos bantu.
Ao ser incorporado pela legislação colonial, o termo quilombo é definido como "toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles". Seu uso persiste estável ao ressurgir na legislação imperial. Com o fim do regime escravista, em 1888, o termo legal perde seu objeto, desaparecendo da legislação republicana até 1988.
1988
FCP (Fundação Cultural Palmares) (Lei no 7.668, de 22 de agosto de 1988)
Criação da FCP, vinculada ao Ministério da Cultura, com o objetivo promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.
Constituição Federal de 1988 (Art. 68, Atos das Disposições Constitucionais Transitórias)
A Constituição Federal de 1988 incorporou a perspectiva do Brasil como uma nação multicultural. Inovou no reconhecimento dos direitos indígenas (em capítulo próprio) e no reconhecimento das comunidades quilombolas como objeto de interesse cultural (Artigos 215 e 216) e como sujeito de direito: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos" (Art. 68 do ADCT)
1995
Marcha Zumbi dos Palmares e I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais
No ano em que se comemorava os 300 anos do líder quilombola Zumbi dos Palmares, o movimento negro nacional organizou uma grande marcha na capital federal, Brasília, durante a qual foi entregue ao então presidente FHC (Fernando Henrique Cardoso) um documento reivindicando a implantação de políticas de discriminação positiva para a população negra, resultando no Seminário Nacional sobre Ações Afirmativas, promovida pelo governo federal no ano seguinte.
A Marcha Zumbi dos Palmares também reuniu mais de 200 participantes de 26 comunidades negras rurais em Brasília, o que serviu como ponto de partida para a criação da Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas, que seria formalizada no ano seguinte, em um encontro realizado em São Luis (MA).
2001
Decreto presidencial regulamentando o Artigo 68 do ADCT (Decreto Presidencial no 3912, de 10 de setembro de 2001)
Quando o PL 3.207/97 já havia sido aprovado pelo Senado, o presidente da República, FHC, antecipou-se à sua promulgação, em 2001, emitindo o decreto presidencial no. 3912 que, acompanhado de um parecer da Casa Civil (no 1490/2001), estabelecia obstáculos importantes à aplicação do artigo 68 do ADCT. O decreto se opunha quase ponto por ponto ao Projeto de Lei do Congresso: (a) estabelecia aquele mesmo ano (2001) como prazo máximo para o encaminhamento de demandas por regularização fundiária quilombola, depois do que elas dependeriam de votação de lei especial; (b) restringia os critérios de reconhecimento, exigindo que as comunidades comprovassem uma história de cem anos de "posse pacífica" da terra, desde 13 de maio de 1888, até a data de promulgação da CF/1988 (aquilo que mais tarde ficou conhecido como "marco temporal"); (c) considerava que as terras de remanescentes de quilombos não podem ser desapropriadas, ou seja, só seria possível regulamentar territórios quilombolas que estivessem sobre terras públicas; (d) retirava as atribuições pela titulação quilombola do Incra em favor da FCP, buscando a se afastar do campo da reforma agrária; (e) definia que a titulação deveria ser na forma de terras individuais, recusando-se a reconhecer o regime das "terras de uso comum" na forma de territórios coletivos. Além disso, um parecer da Advocacia-Geral da União, editado junto com o decreto, declarou improcedente toda titulação de terras quilombola que não estivesse de acordo com a interpretação do decreto, o que paralisou todos os processos em curso também nos Institutos de Terras Estaduais.
2003
Decreto no 4.887 de 20 de novembro de 2003
O artigo 68 do ADCT só voltaria a produzir efeitos sociais efetivos com a publicação de um novo decreto presidencial, ao final do primeiro ano do governo Lula, que revogava o decreto de 2001 e incorporava os termos do PL 129/95. O Decreto de 2003 estabelece o Incra como o responsável pelo processo de regularização fundiária das comunidades quilombolas, incorporando o direito ao auto-reconhecimento, a possibilidade de desapropriações e estabelece que a titulação se efetue em nome da entidade representativa da comunidade, incorporando a perspectiva coletiva-comunitarista ao artigo constitucional, e substituindo a noção de "terra" por território, ou seja, não só a terra diretamente ocupada no momento específico da titulação, mas todos os espaços que fazem parte de seus usos, costumes e tradições e/ou que possuem os recursos ambientais necessários à sua manutenção e às reminiscências históricas que permitam perpetuar sua memória.
No plano das políticas públicas, o decreto também prevê a criação do Programa Brasil Quilombola, que contava com linhas de crédito e convênios entre os diferentes órgãos do Estado responsáveis pela preservação cultural e ambiental e pelo desenvolvimento de infraestrutura necessária ao desenvolvimento das comunidades. Finalmente, o decreto também instituiu as comunidades quilombolas como público de políticas diferenciadas e específicas e como parte legítima nos processos de participação que se multiplicaram no período, na forma dos conselhos estaduais e municipais de educação e de saúde.
2004
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades de Quilombos (Portaria no 6, de 1o de março de 2004, Fundação Cultural Palmares)
A Portaria cria e regulamenta o Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades de Quilombos, reconhecendo as localidades quilombolas como "Território Cultural Afro-Brasileiro".
Convenção 169, OIT (Organização Internacional do Trabalho) ratificada pelo Brasil (Decreto no 5.051, de 19 de abril de 2004)
O governo brasileiro ratificou a Convenção 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, que se tornou o dispositivo mais importante de apoio e reforço ao Decreto 4887/2003. O tratado da ONU reconhece plenamente os direitos ao território e aos bens naturais dos povos originários e tradicionais, reconhecendo de forma ampla as "condições sociais, culturais e econômicas" dos povos originários e tradicionais, determinando que os governos dos países signatários da Convenção assumam "a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade", consolidando do direito à consulta prévia e a autodeterminação.
Programa Brasil Quilombola
O Governo Federal lançou o Programa Brasil Quilombola, com ações incidentes nas comunidades quilombolas, a partir de quatro eixos: Acesso à terra; Infraestrutura e qualidade de vida; Inclusão produtiva e desenvolvimento local; e Direitos e cidadania. O primeiro desses eixos foi o mais importante, pois as ações previstas nos demais dependia da regularização fundiária dos territórios em que seriam desenvolvidas. O segundo e o terceiro eixos pouco implicaram, na prática, em termos de políticas específicas, mas o quarto eixo ganhou importância na medida em que contemplou o debate em torno da criação de uma educação diferenciada quilombola, que se tornou o segundo item em importância na pauta do movimento. O PBQ teria suas ações sistematizadas e articuladas interministerialmente por meio da Agenda Socials Quilombola (2007).
Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239, contra do Decreto presidencial 4887
Em junho de 2004, o PFL (Partido da Frente Liberal), atual DEM (Democratas), ajuíza a Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239, contra o Decreto 4.887/2003, apontando diversas inconstitucionalidades, entre elas o critério de autoatribuição fixado no decreto para identificar os remanescentes dos quilombos e a caracterização das terras a serem reconhecidas a essas comunidades. O julgamento do caso teve início em abril de 2012, quando o relator votou pela inconstitucionalidade do Decreto, mas foi interrompido em diferentes ocasiões. Essas sucessivas paralisações e pedidos de vista fizeram com que o julgamento da ADI fosse concluído apenas no ano de 2018.
Censo educacional do Inep inclui escolas em comunidades quilombolas
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, passa a contemplar a questão quilombola ao incluir no seu censo escolar anual a categoria "escolas em áreas remanescentes de quilombos".
2006
Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais inclui quilombolas (Lei 11.326, de 24 de julho de 2006)
Estabeleceu diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, determinando que entre os beneficiários da lei estão os integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais.
Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação inclui escolas quilombolas
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação passa a prever assistência financeira suplementar para municípios com a presença de escolas em áreas remanescentes de quilombos, destinados à formação de professores, à produção de materiais didáticos e à reformas e construção de equipamentos escolares.
2007
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto no 6.040, de 07 de fevereiro de 2007)
Cria a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, e define legalmente "povos e comunidades tradicionais", "territórios tradicionais" e "desenvolvimento sustentável", e diferentes diretrizes e objetivos para promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições.
Agenda Social Quilombola (Decreto no 6.261, de 20 de novembro de 2007)
A Agenda Social Quilombola organiza um conjunto de ações que tem em vista realizar os objetivos do Programa Brasil Quilombola, voltadas para a melhoria das condições de vida e ampliação do acesso a bens e serviços públicos das pessoas que vivem em comunidades de quilombos no Brasil. Essas ações são desenvolvidas de forma integrada pelos diversos órgãos do Governo Federal responsáveis pela execução dessas ações. Agenda Social Quilombola compreendeu ações organizadas nos seguintes eixos: Acesso a Terra; Infraestrutura e Qualidade de Vida; Inclusão Produtiva e Desenvolvimento Local e Direitos e Cidadania.
Campanha anti-quilombola impacta procedimentos internos da FCP para a certificação das Comunidades quilombolas (Portaria FCP n.o 98, de 26 de novembro de 2007)
O avanço da política de regularização fundiária para comunidades quilombolas encontrou forte reação das classes proprietárias, vocalizada pela grande imprensa, que passou a publicar matérias "denunciando" a falsificação dos quilombos contemporâneos. O impacto político dessa campanha sobre a FCP leva à redefinição dos procedimentos para a emissão das certidões de autodefinição quilombola, que constam no Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos.
2009
Normatização do processo de regularização fundiária dos territórios quilombolas (Instrução Normativa no 57, de 20 de outubro de 2009, Incra)
Tendo assumido a atribuição de regularizar os território quilombolas, o Incra dá início à edição de novas IN (Instruções Normativas) que deveriam estabelecer os conceitos, regras e rotinas necessárias à nova atribuição. Isso era necessário porque os Territórios Quilombolas não poderiam ser estabelecidos apenas por meio do cálculo objetivo da relação entre número de moradores e qualidade da terra, tendo em vista a produção agrícola.
Assim, a IN 16 de 24.03.2004 estabeleceu uma abordagem interdisciplinar, levando em conta aspectos históricos, étnicos e socioambientais. A novidade enfrentou, porém, múltiplas resistências políticas, que foram internalizadas pelo órgão por meio da edição de novas INs - a IN 20 de 19.09.2005 e a IN 57 de 20.10.2009 - cada uma delas estendendo e complexificando progressivamente o processo de regularização fundiária quilombola.
2011
Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (Lei no 12.519, de 10 de novembro de 2011)
Cria o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, que passa a ser comemorado no dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares. O dia somente seria reconhecido como feriado nacional no ano de 2023.
2012
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (Parecer CNE/CEB no 16 de 5 de junho de 2012)
Com relatoria de Nilma Lino Gomes, o parecer aprova DCN para a Educação Escolar Quilombola, seguindo as orientações das DCN Gerais para a Educação Básica e o acúmulo de debates de 3 audiências públicas, realizadas ao longo do ano de 2011, nas regiões Norte, Nordeste e no Distrito Federal, que tomaram por base o "Texto-Referência para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola".
2013
Programa de Bolsa Permanência (Portaria no 389 de 09 de maio de 2013, Ministério da Educação)
Programa destinado à concessão de bolsas a estudantes de graduação de instituições federais de ensino superior, com o objetivo de viabilizar a permanência, em cursos de graduação, de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, em especial os indígenas e quilombolas.
2016
Estrangulamento Orçamentário (Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016)
Sob o argumento de respeitar o Teto de Gastos, o Governo Federal inicia sucessivos e crescentes cortes nos gastos destinados às políticas sociais, em especial àquelas relativas aos assentamentos de Reforma Agrária, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas. Essa redução é tão intensa que, em 2020, a proposta orçamentária enviada pelo governo Federal ao Congresso Nacional para o ano de 2021 reduziu praticamente a zero a verba de algumas das principais ações destinadas ao Incra e à Funai.
Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto no 8750, de 9 de maio de 2016)
Instituiu o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais como órgão colegiado de caráter consultivo, com competência para promover o desenvolvimento sustentável, visando reconhecer, fortalecer e garantir os direitos desses povos e comunidades, em especial os de natureza territorial, socioambiental, econômica, cultural, seus usos, costumes, conhecimentos tradicionais e ancestrais, saberes, fazeres e suas formas de organização, através de participação social na implementação de políticas públicas. O decreto estabelece a lista de 19 ministérios e órgãos oficiais que compõe o Conselho e determina a disponibilidade de vagas para representantes de 29 "segmentos" considerados pela política para Povos e Comunidades Tradicionais, incluindo os quilombolas.
2018
Julgamento da ADI 3239 (Inteiro teor do Acórdão, Plenário, Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239. ATA No 1/2019. DJE no 19, de 31/01/2019)
A Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239 é julgada integralmente improcedente. Apesar de a conclusão do julgamento em Plenário ter ocorrido no ano de 2018, apenas no ano de 2021 a decisão tornou-se definitiva.
Normatização do processo de licenciamento ambiental em áreas quilombolas por parte da FCP (Instrução Normativa no 1 de 31 de outubro de 2018, FCP)
Estabelece procedimentos administrativos a serem observados pela FCP nos processos de licenciamento ambiental de obras, atividades ou empreendimentos que impactem comunidades quilombolas.
2019
Reforma Ministerial
No primeiro dia de sua gestão, Bolsonaro editou a Medida Provisória 870, reorganizando os órgãos da presidência, os ministérios e suas atribuições. Reduziu o número de ministérios de 29 para 16, transferiu para o Ministério da Agricultura, sede política do agronegócio, a competência de demarcação de terras indígenas e quilombolas e o Serviço Florestal Brasileiro (antes no Ministério do Meio Ambiente); extinguiu o Ministério do Trabalho , distribuindo suas atribuições entre as pastas de Economia, Justiça e Cidadania; e rebaixou o status do Ministério da Cultura para Secretaria Especial da Cultura (SEC), que passou a estar subordinada ao recém criado Ministério da Cidadania, que absorveu também a estrutura do Ministério do Esporte e do Ministério do Desenvolvimento Social.
Poucos meses depois a SEC foi transferida para o Ministério do Turismo. O primeiro secretário nomeado para a SEC foi demitido depois da comoção pública causada por um vídeo em que ele anunciava seus planos aproximando-os do nazismo. O fato se repetiu no caso da FCP: o nome indicado para sua presidência foi embargada por ações judiciais em função de declarações nas quais negava a existência de racismo no Brasil, defendia o fim do Dia da Consciência Negra, atacava o movimento negro e chamava Zumbi dos Palmares de "falso herói".
2020
Diretrizes Nacionais Operacionais para a garantia da Qualidade das Escolas Quilombolas (Parecer CNE/CEB no 8)
Visando a garantia da qualidade das escolas quilombolas, o parecer objetivou abordar as reais condições de oferta dessa modalidade de ensino para discutir procedimentos operacionais que enfrentem legislações não cumpridas ou interpretadas de modo equivocado, para combater o descrédito nas políticas públicas.
(esse Parecer foi reexaminado pelo Parecer CNE/CBE 3/2021).
2022
Alterações no Cadastro Geral da Fundação Cultural Palmares e na Normatização do processo de regularização Fundiária do Incra (Portaria no 57 de 31 de março de 2022, FCP )
Instrução Normativa 128/2022, Incra)
O governo Bolsonaro promove alterações nas normativas e procedimentos de certificação das comunidades e regularização dos territórios quilombolas. A Portaria no 57 de 31.03.2022 alterou o Cadastro Geral de Remanescentes dos Quilombos, estabelecendo novos procedimentos mais restritivos para expedição da certidão de autodefinição. E a Instrução normativa 128 de 2022 do Incra impôs novos entraves ao trabalho do Incra, incidindo sobre largo espectro de procedimentos: sobre a edição da Portaria de Reconhecimento e do decreto declaratório de interesse social, sobre a avaliação de imóveis incidentes nos territórios quilombolas, entre outros.
Regulamentação para Certidão de Bolsa Permanência (Portaria no 151, de 18 de Julho de 2022, FCP)
Estabelece os procedimentos para a emissão da Certidão individual que permite o acesso à Bolsa Permanência para estudantes quilombolas de graduação das instituições federais de ensino superior a ser expedida pela Fundação Cultural Palmares.
2023
Programa Aquilomba Brasil (Decreto no 11.447, de 21 de Março de 2023)
Instituiu o Programa Aquilomba Brasil e o seu Comitê Gestor, no âmbito da administração pública federal, com a finalidade de promover medidas intersetoriais para a garantia dos direitos da população quilombola no país, a partir de quatro eixos: acesso à terra e ao território, infraestrutura e qualidade de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento local e direitos e cidadania. Trata-se praticamente da reedição do Programa Brasil Quilombola.
Restauração dos procedimentos do Cadastro Geral da Fundação Cultural Palmares e na Normatização do processo de regularização Fundiária do Incra (Portaria FCP no 75, de 5 de abril de 2023, IN 130/2023)
O governo Lula promove alterações nas normativas e procedimentos de certificação das comunidades e regularização dos territórios quilombolas. A Portaria 75 de 05.04.2023 da FCP revogou a Portaria no 57/2022 para restaurar a Portaria no 98, de 26 de novembro de 2007, sobre o Cadastro Geral de Remanescente das Comunidades dos Quilombos. E a instrução normativa 130 de 11.05.2023 restaurou os critérios e procedimentos administrativos para a regularização fundiária quilombola, afastando os entraves criados pela IN no 128/2022.
Censo Demográfico Nacional 2022
Pela primeira vez na história do país, as comunidades quilombolas são incluídas no Censo Demográfico Nacional decenal. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considerou os territórios quilombolas delimitados pelo INCRA e pelos institutos estaduais de terra e também os agrupamentos quilombolas identificados e outras localidades não definidas em setores censitários. Somadas todas as fontes, o Instituto chegou a 5.972 localidades quilombolas e 1,3 milhões de pessoas autodeclaradas quilombolas no país, distribuídas por 25 estados.
Denúncia na ONU sobre o assassinato de líder quilombola
O assassinato de Mãe Bernadete, liderança política e espiritual da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, município de Simões Filho, estado da Bahia, é denunciada no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Mãe Bernadete já vinha sendo ameaçada e estava sob proteção do Estado, por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. O caso serviu para nacionalizar e internacionalizar a denúncia das violências sofridas por líderes quilombolas e pedir que o Estado brasileiro se responsabilize adotando medidas concretas para a investigação e resolução do caso.
Renovação da lei sobre Política Nacional de Ações Afirmativas no Ensino Superior (Lei no 14.723, de 13 de novembro de 2023)
Visando a manutenção de uma das políticas públicas mais importantes do país no campo da educação, a Lei alterou a Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, renovando-a e dispondo sobre o programa especial para o acesso às instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio de estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental em escola pública.
Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (Decreto no 11.786, de 20 de novembro de 2023)
É instituída a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, com o objetivo de apoiar e promover as práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas. A política tem o objetivo de fomentar a conservação e o uso sustentável da sociobiodiversidade, proteger o patrimônio cultural material e imaterial, favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada, tendo em vista as atuais e futuras gerações das comunidades quilombolas.
Programa Quilombos das Américas
Durante a COP28 (Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas de 2023), o Ministério da Igualdade Racial anuncia a retomada do programa Quilombos das Américas, cujo documento síntese foi publicado pelo governo em 2012. A ação visa a internacionalização da pauta quilombola, a partir do debate sobre a preservação ambiental e do etnodesenvolvimento.
BIBLIOGRAFIA
Arruti, José Maurício. Quilombos. In: Osmundo Pinho; Lívio Sansone. (Org.). Raça, Novas Perspectivas Antropológicas. 1ed.Salvador: EDUFBA, 2008, v. 1.
Arruti J.M. Posfácio; In ARRUTI, José Maurício (Org). Panorama Quilombola. 1. ed. Campinas: Coleção Jurema, 2022. v. 1. 243p . Panorama Quilombola. 1. ed. CAMPINAS: Coleção Jurema (UNICAMP), 2022. v. 1. 243p.
CONAQ (Comunidades Negras Rurais Quilombolas), Coordenação Nacional de Articulação. Carta Política do I Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas (2014). InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais, Brasília, v. 1, n. 2, p. 527-537, 2016. DOI: 10.26512/insurgncia.v1i2.18938. Disponível aqui. Acesso em: 15 mar. 2024.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo Demográfico 2022 Quilombolas Primeiros resultados do universo. Disponível aqui. Acesso em 10/04/2024.
Santos, P. T. DOS. A CPI da Funai e do Incra e os ataques aos direitos constitucionais de povos tradicionais. Antropolítica - Revista Contemporânea de Antropologia, v. 54, n. 1, 1 abr. 2022. Acesso em 19/02/2024.
Treccani, Girolamo Domenico. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de titulação / Girolamo Domenico Treccani - Belém: Secretaria Executiva de Justiça. Programa Raízes, 2006, 354 p.
https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2024/06/04/direitos-quilombolas
A Constituição Federal de 1988 reconheceu o direito quilombola à terra e à cultura, mas as décadas seguintes seriam marcadas por um processo de ambiguidades e contradições, diante de resistências jurídicas e administrativas para a efetivação desse direito.
Os debates legislativos sobre a regulamentação do artigo constitucional, de meados dos anos 1990, foram interrompidos por um Decreto Presidencial em 2001. A sua efetiva regulamentação só ocorreu no ano de 2003, com o Decreto Presidencial 4778, que criou a primeira política pública federal para as comunidades quilombolas. Já no ano seguinte, entretanto, esse decreto teria sua validade questionada através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, gerando insegurança jurídica durante 14 anos até que fosse finalmente julgada. Ainda assim, as políticas públicas para quilombolas passaram a ser elaboradas e executadas, em especial nos campos da educação e do desenvolvimento social, além da regularização fundiária.
A ruptura política de 2016, no entanto, abre um período de retrocessos, com o desmantelamento das políticas já estabelecidas e o estrangulamento orçamentário, levando à suspensão de processos de titulação territorial (2016-2018). Esse retrocesso atingiu as comunidades quilombolas também indiretamente, com a desestruturação dos órgãos responsáveis pelas políticas ambientais e de reforma agrária, além da adoção de uma retórica pública agressiva e radicalmente contrária aos movimentos sociais, ao ambientalismo e aos mecanismos de controle externo e participação social nas políticas governamentais.
Em 2023, as políticas quilombolas retomam seu curso, com a reestruturação das políticas públicas, o que se traduz na concentração de ações na nossa 'Linha do tempo' em apenas um ano.
Essa 'Linha do tempo' organiza os principais acontecimentos públicos, de natureza técnica e política, principalmente com origem ou diretamente voltados ao Estado brasileiro. Uma ênfase mais equilibrada sobre ações com origem no movimento quilombola e outras organizações da sociedade civil implicaria em um volume muitas vezes maior de eventos a considerar, e relações mais complexas entre eles, impossível de abordar no formato sintético e didático da 'Linha do tempo'.
1740
Legislação colonial define o quilombo como objeto de repressão
Quilombo é o aportuguesamento da palavra kilombo, com origem na língua umbundu, compartilhada pelos povos bantu. Originalmente ela designava "acampamento" ou local fortificado". A partir do século 17, em função de uma longa história de conflitos entre aqueles povos e seus vizinhos, a palavra passa a designar uma instituição guerreira transcultural, não mais restrita aos bantu.
Ao ser incorporado pela legislação colonial, o termo quilombo é definido como "toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles". Seu uso persiste estável ao ressurgir na legislação imperial. Com o fim do regime escravista, em 1888, o termo legal perde seu objeto, desaparecendo da legislação republicana até 1988.
1988
FCP (Fundação Cultural Palmares) (Lei no 7.668, de 22 de agosto de 1988)
Criação da FCP, vinculada ao Ministério da Cultura, com o objetivo promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.
Constituição Federal de 1988 (Art. 68, Atos das Disposições Constitucionais Transitórias)
A Constituição Federal de 1988 incorporou a perspectiva do Brasil como uma nação multicultural. Inovou no reconhecimento dos direitos indígenas (em capítulo próprio) e no reconhecimento das comunidades quilombolas como objeto de interesse cultural (Artigos 215 e 216) e como sujeito de direito: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos" (Art. 68 do ADCT)
1995
Marcha Zumbi dos Palmares e I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais
No ano em que se comemorava os 300 anos do líder quilombola Zumbi dos Palmares, o movimento negro nacional organizou uma grande marcha na capital federal, Brasília, durante a qual foi entregue ao então presidente FHC (Fernando Henrique Cardoso) um documento reivindicando a implantação de políticas de discriminação positiva para a população negra, resultando no Seminário Nacional sobre Ações Afirmativas, promovida pelo governo federal no ano seguinte.
A Marcha Zumbi dos Palmares também reuniu mais de 200 participantes de 26 comunidades negras rurais em Brasília, o que serviu como ponto de partida para a criação da Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas, que seria formalizada no ano seguinte, em um encontro realizado em São Luis (MA).
2001
Decreto presidencial regulamentando o Artigo 68 do ADCT (Decreto Presidencial no 3912, de 10 de setembro de 2001)
Quando o PL 3.207/97 já havia sido aprovado pelo Senado, o presidente da República, FHC, antecipou-se à sua promulgação, em 2001, emitindo o decreto presidencial no. 3912 que, acompanhado de um parecer da Casa Civil (no 1490/2001), estabelecia obstáculos importantes à aplicação do artigo 68 do ADCT. O decreto se opunha quase ponto por ponto ao Projeto de Lei do Congresso: (a) estabelecia aquele mesmo ano (2001) como prazo máximo para o encaminhamento de demandas por regularização fundiária quilombola, depois do que elas dependeriam de votação de lei especial; (b) restringia os critérios de reconhecimento, exigindo que as comunidades comprovassem uma história de cem anos de "posse pacífica" da terra, desde 13 de maio de 1888, até a data de promulgação da CF/1988 (aquilo que mais tarde ficou conhecido como "marco temporal"); (c) considerava que as terras de remanescentes de quilombos não podem ser desapropriadas, ou seja, só seria possível regulamentar territórios quilombolas que estivessem sobre terras públicas; (d) retirava as atribuições pela titulação quilombola do Incra em favor da FCP, buscando a se afastar do campo da reforma agrária; (e) definia que a titulação deveria ser na forma de terras individuais, recusando-se a reconhecer o regime das "terras de uso comum" na forma de territórios coletivos. Além disso, um parecer da Advocacia-Geral da União, editado junto com o decreto, declarou improcedente toda titulação de terras quilombola que não estivesse de acordo com a interpretação do decreto, o que paralisou todos os processos em curso também nos Institutos de Terras Estaduais.
2003
Decreto no 4.887 de 20 de novembro de 2003
O artigo 68 do ADCT só voltaria a produzir efeitos sociais efetivos com a publicação de um novo decreto presidencial, ao final do primeiro ano do governo Lula, que revogava o decreto de 2001 e incorporava os termos do PL 129/95. O Decreto de 2003 estabelece o Incra como o responsável pelo processo de regularização fundiária das comunidades quilombolas, incorporando o direito ao auto-reconhecimento, a possibilidade de desapropriações e estabelece que a titulação se efetue em nome da entidade representativa da comunidade, incorporando a perspectiva coletiva-comunitarista ao artigo constitucional, e substituindo a noção de "terra" por território, ou seja, não só a terra diretamente ocupada no momento específico da titulação, mas todos os espaços que fazem parte de seus usos, costumes e tradições e/ou que possuem os recursos ambientais necessários à sua manutenção e às reminiscências históricas que permitam perpetuar sua memória.
No plano das políticas públicas, o decreto também prevê a criação do Programa Brasil Quilombola, que contava com linhas de crédito e convênios entre os diferentes órgãos do Estado responsáveis pela preservação cultural e ambiental e pelo desenvolvimento de infraestrutura necessária ao desenvolvimento das comunidades. Finalmente, o decreto também instituiu as comunidades quilombolas como público de políticas diferenciadas e específicas e como parte legítima nos processos de participação que se multiplicaram no período, na forma dos conselhos estaduais e municipais de educação e de saúde.
2004
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades de Quilombos (Portaria no 6, de 1o de março de 2004, Fundação Cultural Palmares)
A Portaria cria e regulamenta o Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades de Quilombos, reconhecendo as localidades quilombolas como "Território Cultural Afro-Brasileiro".
Convenção 169, OIT (Organização Internacional do Trabalho) ratificada pelo Brasil (Decreto no 5.051, de 19 de abril de 2004)
O governo brasileiro ratificou a Convenção 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, que se tornou o dispositivo mais importante de apoio e reforço ao Decreto 4887/2003. O tratado da ONU reconhece plenamente os direitos ao território e aos bens naturais dos povos originários e tradicionais, reconhecendo de forma ampla as "condições sociais, culturais e econômicas" dos povos originários e tradicionais, determinando que os governos dos países signatários da Convenção assumam "a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade", consolidando do direito à consulta prévia e a autodeterminação.
Programa Brasil Quilombola
O Governo Federal lançou o Programa Brasil Quilombola, com ações incidentes nas comunidades quilombolas, a partir de quatro eixos: Acesso à terra; Infraestrutura e qualidade de vida; Inclusão produtiva e desenvolvimento local; e Direitos e cidadania. O primeiro desses eixos foi o mais importante, pois as ações previstas nos demais dependia da regularização fundiária dos territórios em que seriam desenvolvidas. O segundo e o terceiro eixos pouco implicaram, na prática, em termos de políticas específicas, mas o quarto eixo ganhou importância na medida em que contemplou o debate em torno da criação de uma educação diferenciada quilombola, que se tornou o segundo item em importância na pauta do movimento. O PBQ teria suas ações sistematizadas e articuladas interministerialmente por meio da Agenda Socials Quilombola (2007).
Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239, contra do Decreto presidencial 4887
Em junho de 2004, o PFL (Partido da Frente Liberal), atual DEM (Democratas), ajuíza a Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239, contra o Decreto 4.887/2003, apontando diversas inconstitucionalidades, entre elas o critério de autoatribuição fixado no decreto para identificar os remanescentes dos quilombos e a caracterização das terras a serem reconhecidas a essas comunidades. O julgamento do caso teve início em abril de 2012, quando o relator votou pela inconstitucionalidade do Decreto, mas foi interrompido em diferentes ocasiões. Essas sucessivas paralisações e pedidos de vista fizeram com que o julgamento da ADI fosse concluído apenas no ano de 2018.
Censo educacional do Inep inclui escolas em comunidades quilombolas
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, passa a contemplar a questão quilombola ao incluir no seu censo escolar anual a categoria "escolas em áreas remanescentes de quilombos".
2006
Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais inclui quilombolas (Lei 11.326, de 24 de julho de 2006)
Estabeleceu diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, determinando que entre os beneficiários da lei estão os integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais.
Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação inclui escolas quilombolas
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação passa a prever assistência financeira suplementar para municípios com a presença de escolas em áreas remanescentes de quilombos, destinados à formação de professores, à produção de materiais didáticos e à reformas e construção de equipamentos escolares.
2007
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto no 6.040, de 07 de fevereiro de 2007)
Cria a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, e define legalmente "povos e comunidades tradicionais", "territórios tradicionais" e "desenvolvimento sustentável", e diferentes diretrizes e objetivos para promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições.
Agenda Social Quilombola (Decreto no 6.261, de 20 de novembro de 2007)
A Agenda Social Quilombola organiza um conjunto de ações que tem em vista realizar os objetivos do Programa Brasil Quilombola, voltadas para a melhoria das condições de vida e ampliação do acesso a bens e serviços públicos das pessoas que vivem em comunidades de quilombos no Brasil. Essas ações são desenvolvidas de forma integrada pelos diversos órgãos do Governo Federal responsáveis pela execução dessas ações. Agenda Social Quilombola compreendeu ações organizadas nos seguintes eixos: Acesso a Terra; Infraestrutura e Qualidade de Vida; Inclusão Produtiva e Desenvolvimento Local e Direitos e Cidadania.
Campanha anti-quilombola impacta procedimentos internos da FCP para a certificação das Comunidades quilombolas (Portaria FCP n.o 98, de 26 de novembro de 2007)
O avanço da política de regularização fundiária para comunidades quilombolas encontrou forte reação das classes proprietárias, vocalizada pela grande imprensa, que passou a publicar matérias "denunciando" a falsificação dos quilombos contemporâneos. O impacto político dessa campanha sobre a FCP leva à redefinição dos procedimentos para a emissão das certidões de autodefinição quilombola, que constam no Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos.
2009
Normatização do processo de regularização fundiária dos territórios quilombolas (Instrução Normativa no 57, de 20 de outubro de 2009, Incra)
Tendo assumido a atribuição de regularizar os território quilombolas, o Incra dá início à edição de novas IN (Instruções Normativas) que deveriam estabelecer os conceitos, regras e rotinas necessárias à nova atribuição. Isso era necessário porque os Territórios Quilombolas não poderiam ser estabelecidos apenas por meio do cálculo objetivo da relação entre número de moradores e qualidade da terra, tendo em vista a produção agrícola.
Assim, a IN 16 de 24.03.2004 estabeleceu uma abordagem interdisciplinar, levando em conta aspectos históricos, étnicos e socioambientais. A novidade enfrentou, porém, múltiplas resistências políticas, que foram internalizadas pelo órgão por meio da edição de novas INs - a IN 20 de 19.09.2005 e a IN 57 de 20.10.2009 - cada uma delas estendendo e complexificando progressivamente o processo de regularização fundiária quilombola.
2011
Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (Lei no 12.519, de 10 de novembro de 2011)
Cria o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, que passa a ser comemorado no dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares. O dia somente seria reconhecido como feriado nacional no ano de 2023.
2012
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (Parecer CNE/CEB no 16 de 5 de junho de 2012)
Com relatoria de Nilma Lino Gomes, o parecer aprova DCN para a Educação Escolar Quilombola, seguindo as orientações das DCN Gerais para a Educação Básica e o acúmulo de debates de 3 audiências públicas, realizadas ao longo do ano de 2011, nas regiões Norte, Nordeste e no Distrito Federal, que tomaram por base o "Texto-Referência para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola".
2013
Programa de Bolsa Permanência (Portaria no 389 de 09 de maio de 2013, Ministério da Educação)
Programa destinado à concessão de bolsas a estudantes de graduação de instituições federais de ensino superior, com o objetivo de viabilizar a permanência, em cursos de graduação, de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, em especial os indígenas e quilombolas.
2016
Estrangulamento Orçamentário (Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016)
Sob o argumento de respeitar o Teto de Gastos, o Governo Federal inicia sucessivos e crescentes cortes nos gastos destinados às políticas sociais, em especial àquelas relativas aos assentamentos de Reforma Agrária, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas. Essa redução é tão intensa que, em 2020, a proposta orçamentária enviada pelo governo Federal ao Congresso Nacional para o ano de 2021 reduziu praticamente a zero a verba de algumas das principais ações destinadas ao Incra e à Funai.
Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto no 8750, de 9 de maio de 2016)
Instituiu o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais como órgão colegiado de caráter consultivo, com competência para promover o desenvolvimento sustentável, visando reconhecer, fortalecer e garantir os direitos desses povos e comunidades, em especial os de natureza territorial, socioambiental, econômica, cultural, seus usos, costumes, conhecimentos tradicionais e ancestrais, saberes, fazeres e suas formas de organização, através de participação social na implementação de políticas públicas. O decreto estabelece a lista de 19 ministérios e órgãos oficiais que compõe o Conselho e determina a disponibilidade de vagas para representantes de 29 "segmentos" considerados pela política para Povos e Comunidades Tradicionais, incluindo os quilombolas.
2018
Julgamento da ADI 3239 (Inteiro teor do Acórdão, Plenário, Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239. ATA No 1/2019. DJE no 19, de 31/01/2019)
A Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3239 é julgada integralmente improcedente. Apesar de a conclusão do julgamento em Plenário ter ocorrido no ano de 2018, apenas no ano de 2021 a decisão tornou-se definitiva.
Normatização do processo de licenciamento ambiental em áreas quilombolas por parte da FCP (Instrução Normativa no 1 de 31 de outubro de 2018, FCP)
Estabelece procedimentos administrativos a serem observados pela FCP nos processos de licenciamento ambiental de obras, atividades ou empreendimentos que impactem comunidades quilombolas.
2019
Reforma Ministerial
No primeiro dia de sua gestão, Bolsonaro editou a Medida Provisória 870, reorganizando os órgãos da presidência, os ministérios e suas atribuições. Reduziu o número de ministérios de 29 para 16, transferiu para o Ministério da Agricultura, sede política do agronegócio, a competência de demarcação de terras indígenas e quilombolas e o Serviço Florestal Brasileiro (antes no Ministério do Meio Ambiente); extinguiu o Ministério do Trabalho , distribuindo suas atribuições entre as pastas de Economia, Justiça e Cidadania; e rebaixou o status do Ministério da Cultura para Secretaria Especial da Cultura (SEC), que passou a estar subordinada ao recém criado Ministério da Cidadania, que absorveu também a estrutura do Ministério do Esporte e do Ministério do Desenvolvimento Social.
Poucos meses depois a SEC foi transferida para o Ministério do Turismo. O primeiro secretário nomeado para a SEC foi demitido depois da comoção pública causada por um vídeo em que ele anunciava seus planos aproximando-os do nazismo. O fato se repetiu no caso da FCP: o nome indicado para sua presidência foi embargada por ações judiciais em função de declarações nas quais negava a existência de racismo no Brasil, defendia o fim do Dia da Consciência Negra, atacava o movimento negro e chamava Zumbi dos Palmares de "falso herói".
2020
Diretrizes Nacionais Operacionais para a garantia da Qualidade das Escolas Quilombolas (Parecer CNE/CEB no 8)
Visando a garantia da qualidade das escolas quilombolas, o parecer objetivou abordar as reais condições de oferta dessa modalidade de ensino para discutir procedimentos operacionais que enfrentem legislações não cumpridas ou interpretadas de modo equivocado, para combater o descrédito nas políticas públicas.
(esse Parecer foi reexaminado pelo Parecer CNE/CBE 3/2021).
2022
Alterações no Cadastro Geral da Fundação Cultural Palmares e na Normatização do processo de regularização Fundiária do Incra (Portaria no 57 de 31 de março de 2022, FCP )
Instrução Normativa 128/2022, Incra)
O governo Bolsonaro promove alterações nas normativas e procedimentos de certificação das comunidades e regularização dos territórios quilombolas. A Portaria no 57 de 31.03.2022 alterou o Cadastro Geral de Remanescentes dos Quilombos, estabelecendo novos procedimentos mais restritivos para expedição da certidão de autodefinição. E a Instrução normativa 128 de 2022 do Incra impôs novos entraves ao trabalho do Incra, incidindo sobre largo espectro de procedimentos: sobre a edição da Portaria de Reconhecimento e do decreto declaratório de interesse social, sobre a avaliação de imóveis incidentes nos territórios quilombolas, entre outros.
Regulamentação para Certidão de Bolsa Permanência (Portaria no 151, de 18 de Julho de 2022, FCP)
Estabelece os procedimentos para a emissão da Certidão individual que permite o acesso à Bolsa Permanência para estudantes quilombolas de graduação das instituições federais de ensino superior a ser expedida pela Fundação Cultural Palmares.
2023
Programa Aquilomba Brasil (Decreto no 11.447, de 21 de Março de 2023)
Instituiu o Programa Aquilomba Brasil e o seu Comitê Gestor, no âmbito da administração pública federal, com a finalidade de promover medidas intersetoriais para a garantia dos direitos da população quilombola no país, a partir de quatro eixos: acesso à terra e ao território, infraestrutura e qualidade de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento local e direitos e cidadania. Trata-se praticamente da reedição do Programa Brasil Quilombola.
Restauração dos procedimentos do Cadastro Geral da Fundação Cultural Palmares e na Normatização do processo de regularização Fundiária do Incra (Portaria FCP no 75, de 5 de abril de 2023, IN 130/2023)
O governo Lula promove alterações nas normativas e procedimentos de certificação das comunidades e regularização dos territórios quilombolas. A Portaria 75 de 05.04.2023 da FCP revogou a Portaria no 57/2022 para restaurar a Portaria no 98, de 26 de novembro de 2007, sobre o Cadastro Geral de Remanescente das Comunidades dos Quilombos. E a instrução normativa 130 de 11.05.2023 restaurou os critérios e procedimentos administrativos para a regularização fundiária quilombola, afastando os entraves criados pela IN no 128/2022.
Censo Demográfico Nacional 2022
Pela primeira vez na história do país, as comunidades quilombolas são incluídas no Censo Demográfico Nacional decenal. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considerou os territórios quilombolas delimitados pelo INCRA e pelos institutos estaduais de terra e também os agrupamentos quilombolas identificados e outras localidades não definidas em setores censitários. Somadas todas as fontes, o Instituto chegou a 5.972 localidades quilombolas e 1,3 milhões de pessoas autodeclaradas quilombolas no país, distribuídas por 25 estados.
Denúncia na ONU sobre o assassinato de líder quilombola
O assassinato de Mãe Bernadete, liderança política e espiritual da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, município de Simões Filho, estado da Bahia, é denunciada no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Mãe Bernadete já vinha sendo ameaçada e estava sob proteção do Estado, por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. O caso serviu para nacionalizar e internacionalizar a denúncia das violências sofridas por líderes quilombolas e pedir que o Estado brasileiro se responsabilize adotando medidas concretas para a investigação e resolução do caso.
Renovação da lei sobre Política Nacional de Ações Afirmativas no Ensino Superior (Lei no 14.723, de 13 de novembro de 2023)
Visando a manutenção de uma das políticas públicas mais importantes do país no campo da educação, a Lei alterou a Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, renovando-a e dispondo sobre o programa especial para o acesso às instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio de estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental em escola pública.
Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (Decreto no 11.786, de 20 de novembro de 2023)
É instituída a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, com o objetivo de apoiar e promover as práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas. A política tem o objetivo de fomentar a conservação e o uso sustentável da sociobiodiversidade, proteger o patrimônio cultural material e imaterial, favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada, tendo em vista as atuais e futuras gerações das comunidades quilombolas.
Programa Quilombos das Américas
Durante a COP28 (Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas de 2023), o Ministério da Igualdade Racial anuncia a retomada do programa Quilombos das Américas, cujo documento síntese foi publicado pelo governo em 2012. A ação visa a internacionalização da pauta quilombola, a partir do debate sobre a preservação ambiental e do etnodesenvolvimento.
BIBLIOGRAFIA
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Arruti J.M. Posfácio; In ARRUTI, José Maurício (Org). Panorama Quilombola. 1. ed. Campinas: Coleção Jurema, 2022. v. 1. 243p . Panorama Quilombola. 1. ed. CAMPINAS: Coleção Jurema (UNICAMP), 2022. v. 1. 243p.
CONAQ (Comunidades Negras Rurais Quilombolas), Coordenação Nacional de Articulação. Carta Política do I Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas (2014). InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais, Brasília, v. 1, n. 2, p. 527-537, 2016. DOI: 10.26512/insurgncia.v1i2.18938. Disponível aqui. Acesso em: 15 mar. 2024.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo Demográfico 2022 Quilombolas Primeiros resultados do universo. Disponível aqui. Acesso em 10/04/2024.
Santos, P. T. DOS. A CPI da Funai e do Incra e os ataques aos direitos constitucionais de povos tradicionais. Antropolítica - Revista Contemporânea de Antropologia, v. 54, n. 1, 1 abr. 2022. Acesso em 19/02/2024.
Treccani, Girolamo Domenico. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de titulação / Girolamo Domenico Treccani - Belém: Secretaria Executiva de Justiça. Programa Raízes, 2006, 354 p.
https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2024/06/04/direitos-quilombolas
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