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Gerente de banco como fiscal do desmatamento? Caminhos para zerar a destruição da Amazônia

03/07/2025

Fonte: OESP - https://www.estadao.com.br/



Gerente de banco como fiscal do desmatamento? Caminhos para zerar a destruição da Amazônia
País prevê eliminar desmate em todos os biomas até 2030, mas floresta vê tendência de alta; governo diz reforçar prevenção e fiscalização

03/07/2025

Juliana Domingos de Lima, Cindy Damasceno, Lucas Thaynan, Bruno Ponceano e Glauco Lara

Frear o desmatamento, sobretudo na Amazônia, é prioridade do Brasil na luta climática global. O trabalho dos fiscais em campo é importante, mas especialistas defendem sufocar o problema na origem: cortar o dinheiro que financia o desmatador, com restrição de crédito rural e cobrar altas indenizações nos tribunais. Para isso, o esforço conjunto deve mobilizar outros agentes, como bancos, promotores e juízes.

A cada ano, a vegetação nativa que vira pasto e lavoura representa quase metade das emissões nacionais de gases de efeito estufa. O desafio é fazer com que o avanço da agropecuária, um dos motores da economia brasileira, esteja baseado em práticas sustentáveis e na recuperação de áreas degradadas.

O Brasil prevê zerar o desmatamento ilegal em todos os biomas até 2030, conforme a meta do governo federal pelo Acordo de Paris, pacto global contra o aquecimento do planeta. Nos últimos meses, as taxas de destruição da Amazônia apresentaram tendência de alta.

Em novembro, Belém sedia a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), em meio a dificuldades para obter consenso entre os países na agenda ambiental.

Histórico de emissões totais do Brasil
Mudança de uso de terra e floresta corresponde ao desmate e queima de resíduos florestais e é responsável pela maior parte das emissões do Brasil

O que significa desmatamento zero?

● Eliminar o desmatamento ilegal, que é a remoção de vegetação nativa sem autorização, em desacordo com o Código Florestal ou com processos de licenciamento

● Limitar e compensar o desmatamento legal e as emissões geradas por ele, por exemplo, por meio da restauração florestal.

Segundo o secretário extraordinário de controle de desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, o governo está na fase de "acertar o controle do ilegal" e "separar o que é legal e ilegal".

Essa distinção é um desafio principalmente no Cerrado, onde predominam terras privadas e não há controle centralizado das autorizações de desmate dadas pelos governos locais.

Isso gera volume expressivo de desmatamentos com aparente legalidade, mas que são, na verdade, ilegais. Por exemplo: quando se desmata área maior do que a autorizada, ou em local diferente.

A meta climática do Brasil cita a necessidade "de incentivos econômicos positivos" para preservar as florestas "em propriedades rurais privadas".

Um próximo passo, segundo Lima, é estimular mecanismos como linhas de crédito mais atrativas para produtores rurais que conservem acima do que é exigido por lei em suas propriedades, projetos de crédito de carbono e outros.

O Ministério do Meio Ambiente diz atuar na fiscalização direta, principalmente por meio de embargos, e na articulação com os governos locais.

"O controle do desmatamento é o fator mais decisivo para que o Brasil cumpra sua NDC (meta climática)"

Natalie Unterstell

Presidente do Instituto Talanoa

Novas normas miram ainda tornar mais rigorosa a concessão dessas autorizações, exigindo que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) esteja regularizado, e obrigam seu lançamento no sistema federal, o Sinaflor.

Para Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é crucial que a agenda sustentável não se limite ao Ministério do Meio Ambiente, mas inclua outras alas do governo, como a pasta da Agricultura. "Está subsidiando a transformação de pasto em soja, não só na Amazônia, como no Cerrado", diz.

O Ministério da Agricultura e Pecuária, em nota, afirma que a concessão do crédito está subordinada ao cumprimento de exigências legais, inclusive ambientais e não subsidia práticas ilegais.

No Plano Safra, lançado esta semana, o ministério incluiu incentivos financeiros para produtores que usam bioinsumo, conservem o solo, entre outras boas práticas.

Para quem vai o dinheiro?
O Conselho Monetário Nacional adota, desde 2024, normas para restringir acesso a crédito para quem derruba árvores ilegalmente. Antes válida para proprietários de áreas embargadas pelo Ibama na Amazônia, a restrição agora se estende aos embargos estaduais, em todos os biomas, como Cerrado e Mata Atlântica.

"Tem muito mais gerente de banco que opera crédito rural no Brasil do que fiscal do Ibama. Todos têm de perguntar: 'Tem desmatamento? Embargo? Se tem desmatamento, cadê a autorização?'", diz André Lima, do Ministério do Meio Ambiente.

Desde 2023, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) diz ter evitado que R$ 806,3 milhões de financiamento fossem para donos de propriedades rurais com indícios de desmate ilegal.

A restrição também é adotada pelos bancos privados, em que o crédito rural tem subsídios do governo. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz que o setor aplica as regras do Banco Central e também assume compromissos voluntários.

"O risco ambiental e climático é discutido há bastante tempo no setor bancário, porque se transforma em risco financeiro", afirma Amaury Oliva, diretor executivo de Sustentabilidade da entidade.


Na verificação do cadastro ambiental rural, o banco avalia "uma série de pré-requisitos" do solicitante de crédito:

● se há embargo de áreas desmatadas ilegalmente;
● sobreposição com unidades de conservação, terras indígenas e quilombos;
● e autuação por trabalho análogo à escravidão. "Se tem, a operação já nem vai adiante", diz Oliva.

A Febraban também destaca um protocolo especial para clientes da cadeia da carne, como matadouros e frigoríficos. É exigido que até o fim de 2025 haja garantia de que o gado não venha de áreas de desmate ilegal.

Segundo Oliva, esses compromissos são monitorados pela entidade e, se os bancos não cumprirem o prometido, estão sujeitos à investigação e sanções, como multas.

Quem paga pela destruição?
Além das negativas de crédito rural, uma estratégia é aplicar sanções mais duras para grandes desmatadores reincidentes, como o bloqueio de bens e multas milionárias em ações judiciais, que calculam dano climático resultante da destruição.

A estratégia, encabeçada desde 2023 pela Advocacia-Geral da União (AGU), busca não só desencorajar a derrubada, como financiar a restauração em larga escala de áreas devastadas por meio das indenizações.


Em parceria com Ibama e ICMBio (órgão federal que cuida das unidades de conservação), a AGU prioriza propor ações civis públicas contra os maiores infratores, em todos os biomas, escolhendo alvos específicos em vez de atuar de forma massiva.

"Percebemos que, com o bloqueio de bens, conseguimos de fato paralisar a atividade ilegal de maneira mais efetiva"

Mariana Cirne

Procuradora-chefe da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente

Há ao menos duas ações do tipo em andamento. A primeira mira o pecuarista Dirceu Kruger, acusado de desmate ilegal de cerca de 5,6 mil hectares de floresta, em uma área em Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas, de 2003 a 2016.

Segundo a estimativa contida na ação, a derrubada com uso de fogo emitiu 901,6 mil toneladas de carbono na atmosfera. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Kruger.

A Justiça Federal do Amazonas condenou o pecuarista em novembro de 2023 a reparar o dano estimado em R$ 292 milhões, e determinou bloqueio de seus bens nesse valor.

O cálculo foi feito com base no custo social do carbono, índice estipulado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que precifica o impacto coletivo de cada tonelada adicional de gás carbônico despejada na atmosfera.

Outra ação em curso mira a reparação de sucessivas infrações ambientais que resultaram na perda de 7.075 hectares de vegetação na Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, uma das unidades de conservação mais desmatadas do País. O nome do infrator não foi divulgado.

A quantidade de emissões provocada pela degradação na área foi estimada em 1.139.075 toneladas de carbono e os custos da reparação ambiental fixados em R$ 635 milhões. Foi a primeira ação por dano climático movida pelo ICMBio, sob representação da AGU.

Agora, o desafio da AGU é garantir a implementação das decisões, trabalhando para que o dinheiro coletado "seja transformado em árvores", como define a procuradora-chefe.

"Não adianta só entrar na Justiça", afirma Mariana. "A gente quer fechar o ciclo e implementar as medidas de restauração florestal."

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