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Comissão Guarani Yvyrupa denuncia ecogenocídio causado por agrotóxicos e monocultura de soja nas terras indígenas do Oeste do Paraná

04/12/2025

Fonte: yvyrupa - https://www.yvyrupa.org.br



Denúncia apresentada no Tribunal dos Povos revela contaminação e devastação territorial no Oeste do Paraná, apontando crimes de ecogenocídio, etnocídio e racismo ambiental contra o povo Avá-Guarani.

O povo Avá-Guarani do Oeste do Paraná vive uma tragédia silenciosa: mais de 5 mil pessoas em 39 aldeias respiram agrotóxicos 24 horas por dia, bebem água contaminada e veem suas roças morrerem envenenadas. Cercadas por plantações de soja transgênica, as comunidades das Terras Indígenas Tekoha Guasu Guavirá e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga enfrentam um processo sistemático de destruição de seus territórios e modo de vida.

Mais de 60% da Terra Indígena Guasu Guavirá está invadida por monocultura de soja e milho, segundo relatório da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). O avanço do agronegócio empurrou as comunidades para áreas cada vez menores próximas aos rios, onde convivem com a pulverização constante de venenos. Crianças, adolescentes e adultos apresentam feridas na pele, diarreia, vômitos e dores de cabeça crônicas causadas pela exposição aos agrotóxicos.

"Desde que eu nasci, minha mãe sempre dizia que nossa aldeia iria aumentar, que um dia não passaríamos mais por tanto sofrimento. Hoje eu já tenho mais de 40 anos e continuo esperando", relatou Bonifácia, liderança Avá-Guarani. Ela descreve como a terra onde plantavam milho e mandioca não produz mais nada e como as famílias perderam sua soberania alimentar. "A nossa roça está morrendo, e nós estamos deixando de plantar."

A contaminação atinge toda a vida no território. Estudos realizados pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná identificaram a presença de glifosato e AMPA nas aldeias Y'Hovy, Pohã Renda e Ocoy. Análises posteriores do Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas detectaram também atrazina e imidacloprido na água e no solo, comprovando que o envenenamento é múltiplo e constante. Os mesmos agrotóxicos proibidos na Europa são despejados sobre aldeias Avá-Guarani - inclusive por pulverização deliberada - configurando o uso de substâncias tóxicas como arma química contra povos originários.

Além da contaminação química, as comunidades sofrem com a destruição de nascentes, o desmatamento de áreas sagradas e a impossibilidade de realizar práticas espirituais e tradicionais. A situação se agrava pela omissão do Estado brasileiro em concluir os processos de demarcação dos territórios, deixando as terras indígenas vulneráveis ao avanço da exploração agrícola predatória. "Eu nasci vivendo assim e, às vezes, penso que talvez vá morrer do mesmo jeito: pedindo melhoria para a nossa aldeia, quando não merecíamos viver dessa forma", desabafou Bonifácia. "O que pedimos é tão pouco: apenas poder viver na nossa terra, ver o mato crescer, viver longe do veneno. Queremos apenas dignidade."

"Não há justiça climática sem justiça indígena"
Diante dessa realidade alarmante, a Comissão Guarani Yvyrupa levou a denúncia ao Tribunal Autônomo e Permanente dos Povos contra o Ecogenocídio, realizado durante a COP30 em Belém nos dias 13 e 14 de novembro. A acusação apontou a responsabilidade direta da Bayer/Monsanto no fornecimento de sementes transgênicas e pesticidas, além das cooperativas agroindustriais C.Vale, Lar, Copagril e Integrada que operam como agentes locais dessa engrenagem destrutiva.

A denúncia caracterizou as violações como crimes de ecogenocídio, etnocídio e racismo ambiental. "Cada hectare de soja exportada do Oeste do Paraná carrega o preço de uma aldeia adoecida. E cada litro de agrotóxico aplicado sobre o Tekoha Guasu Guavirá e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga é um ataque direto à vida, à espiritualidade e à continuidade de uma nação indígena milenar", afirmou Clara Gallo, assessora jurídica da CGY. A denúncia também destacou o papel histórico da Itaipu Binacional no deslocamento forçado das comunidades e do INCRA na titulação irregular de terras tradicionalmente ocupadas pelos Avá-Guarani.

Bonifácia prestou seu testemunho emocionado diante do tribunal, contando a realidade que vive desde que nasceu. "Nós convivemos 24 horas respirando agrotóxico. Para completar, a nossa água foi contaminada. Sempre que procuramos o médico, ouvimos que é 'virose'. Mas nós sabemos a verdade. Temos certeza de que é por causa do veneno", relatou. Ela também falou da esperança de finalmente ser ouvida e da importância de ter um espaço para denunciar o que seu povo enfrenta diariamente.

"Não há justiça climática sem justiça indígena", enfatizou Clara Gallo em sua acusação. "Enquanto corporações seguem acumulando lucros, os povos da floresta e do campo carregam em seus corpos as marcas do veneno e da injustiça. O que está em julgamento aqui não é apenas um modelo de produção, mas a própria escolha entre a vida e a morte coletiva."

Em nome da Comissão Guarani Yvyrupa e das comunidades afetadas, foram apresentadas ao Tribunal Popular as seguintes demandas: reconhecimento e declaração da responsabilidade da Bayer/Monsanto, das cooperativas agroindustriais e do Estado brasileiro pelos crimes de ecogenocídio, etnocídio e racismo ambiental; reparação integral e finalização da demarcação imediata das Terras Indígenas Tekoha Guasu Guavirá e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga; proibição do uso e da pulverização de agrotóxicos ao redor de Terras Indígenas; e encaminhamento da sentença final a organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, para responsabilização ética e diplomática dos agentes envolvidos.

A luta por direitos
No dia 14 de novembro, o Tribunal dos Povos divulgou a sentença condenando o Estado brasileiro e mais de 800 empresas, incluindo Cargill, Bunge, Amaggi, JBS e a própria Bayer/Monsanto. A decisão exigiu a demarcação imediata das terras indígenas Avá-Guarani, a proibição do uso de agrotóxicos em áreas indígenas, reforma agrária ampla e a investigação criminal das violações cometidas.

A sentença, assinada por lideranças indígenas, quilombolas, pesquisadores e juristas, será encaminhada a relatores especiais da ONU, ao Ministério Público Federal e a outras instituições nacionais e internacionais. Para a Comissão Guarani Yvyrupa, o reconhecimento público dessas violações durante a COP30 representa um passo fundamental na luta por justiça territorial e climática.

"Eu me senti emocionada ao falar da nossa realidade aqui. Depois, vendo tanta gente que passa quase pela mesma coisa que a gente, eu me senti mais segura para falar e contar. Nós temos medo, mas estando juntos, dá mais segurança. Foi muito importante sermos ouvidos", contou Bonifácia sobre sua experiência no tribunal. "Eu nem acreditei quando saiu o resultado. Eu queria chorar, mas me segurei. Me senti para cima. Acreditei mais em mim mesma, porque isso tudo é muito importante para nós", celebra.

Para Clara Gallo, a vitória vai além do resultado imediato. "A grande vitória e contribuição desses espaços, como foi o Tribunal dos Povos Contra o Ecogenocídio, está justamente em desafiar uma instituição e um formato de resolução de conflitos que, historicamente, exclui os povos indígenas. Nesse momento, os povos indígenas, as comunidades tradicionais e os outros movimentos sociais presentes tomam de assalto um formato que foi feito para excluí-los sistematicamente. Isso, para mim, é muito importante do ponto de vista político."

A denúncia dos Avá-Guarani expõe a face mais cruel do modelo agroexportador brasileiro, onde territórios indígenas são sacrificados para a produção de commodities destinadas ao mercado internacional. O caso representa não apenas a luta de um povo por seus direitos, mas um chamado urgente para que se reconheça que não existe justiça climática sem justiça indígena.

https://www.yvyrupa.org.br/2025/12/04/comissao-guarani-yvyrupa-denuncia-ecogenocidio-causado-por-agrotoxicos-e-monocultura-de-soja-nas-terras-indigenas-do-oeste-do-parana/
 

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