De Pueblos Indígenas en Brasil
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A força do coletivo: povos da Amazônia lutam para defender a vida e a floresta

30/09/2025

Fonte: MPF - https://www.mpf.mp.br



Não são apenas as árvores que mantêm a Amazônia de pé. A floresta e seus rios são o lar de povos cuja existência se entrelaça com a natureza, em um modo de vida que defende o coletivo acima do individual. Para esses povos, a terra não é apenas um pedaço de solo a ser explorado, mas um território que abriga a vida em sua plenitude.

Andirobeiros, extrativistas e caboclos compartilham uma visão de mundo onde o conhecimento ancestral e a sabedoria da oralidade são o alicerce de sua cultura. Para apresentar a luta e vida desses povos, o Ministério Público Federal (MPF) tem produzido e divulgado ao longo do ano uma série de matérias especiais sobre as comunidades tradicionais brasileiras. Em setembro falaremos dos povos da Amazônia.

Andirobeiras. Assim se autodefinem as mulheres cujo trabalho de coleta e beneficiamento da andiroba (de origem tupi, "óleo amargo") é o cerne das tradições comunitárias. É nas mãos dessas mulheres, com um conhecimento transmitido de geração em geração, que o fruto da andiroba se transforma em um óleo com múltiplas aplicações: repelente, combustível para lamparinas e fins medicinais, especialmente contra a artrite e infecções de garganta.

No Baixo Tapajós, no oeste do Pará, a voz de Sheila Cristina Bernardes dos Santos, filha e neta de andirobeiros, ecoa com a sabedoria ancestral. Ela é guardiã de um conhecimento milenar, um saber que não está nos livros, mas nas mãos e na memória de sua comunidade. O aproveitamento da Carapa guianensis, nome científico da árvore, que é da mesma família do mogno, é um trabalho artesanal transmitido entre gerações, com forte protagonismo e liderança feminina. A extração do óleo de andiroba é um ritual demorado e minucioso, que Sheila aprendeu com sua avó.

Aos 51 anos, a moradora da comunidade de Alter do Chão é coordenadora do Instituto EcoVida Pará e trabalha com outras comunidades tradicionais de andirobeiras, como a comunidade da Ilha do Macaco, localizada em Ponta de Pedra. "Meu objetivo é garantir os costumes tradicionais na extração do óleo de andiroba", afirma.

O processo começa com a colheita dos frutos que caem no chão.Eles são cozidos em grandes tachos e, após um tempo de descanso, as sementes são socadas para extrair a pasta. O óleo, então, é coado por fios de algodão em um cocho inclinado. "Minha avó fazia uns fios de algodão que o óleo, quando ia saindo, ia escorrendo, e deixava uma cuia embaixo para esperar essa andiroba", recorda, com um sorriso na voz.

Para os andirobeiros, o óleo é um verdadeiro tesouro medicinal. "Ele é cicatrizante, anti-inflamatório, e é altamente produtivo para a questão da saúde", diz Sheila. Durante a pandemia de covid-19, o óleo foi essencial para salvar vidas em sua comunidade. A polpa que sobra da extração também é aproveitada para fazer repelente natural e velas, mostrando que, para essas comunidades, a natureza é uma fonte de vida completa, onde nada se perde.

Apesar de sua importância cultural e medicinal, os andirobeiros enfrentam sérias dificuldades. A falta de valorização do seu trabalho, a ausência de políticas públicas eficazes e a exploração por grandes empresas que lucram com o óleo sem beneficiar a comunidade local são alguns dos desafios. O clima também se tornou um inimigo, afetando a época de frutificação da andiroba e tornando a colheita cada vez mais escassa.

Historicamente, o termo "caboclo" designa a mistura de brancos e indígenas, frequentemente englobando também a miscigenação com negros. Ser caboclo significa reconhecer uma origem indígena e um modo de ser, estar e interagir com o mundo em profunda harmonia com a natureza. Distribuídos principalmente na Amazônia, são pequenos produtores familiares que vivem em coletividades, dedicando-se à pluriatividade rural - pesca, extrativismo e agricultura - em um ciclo de domínio dos conhecimentos tradicionais.

Joaquim Belo, caboclo nascido e criado em um assentamento extrativista no Amapá, conta a sua história com a convicção de quem vive e respira a luta pela Amazônia.

Para Joaquim, sua trajetória é inseparável da história de resistência de seu povo. Em 1993, ele entrou para a "Escola da Luta", o Conselho Nacional dos Seringueiros, fundado nos anos 80 por Chico Mendes. Esse movimento foi pioneiro na defesa de um novo modo de vida na Amazônia, uma visão que se opunha à ideia de que a terra é apenas um bem a ser apropriado e especulado. A luta, segundo ele, não era por um pedaço de terra individual, mas por um espaço territorial que coubesse o modo de vida coletivo de comunidades extrativistas e ribeirinhas.

Para as comunidades tradicionais, a floresta não é apenas um lugar, é um ser vivo que forma as pessoas e a sua cultura. A economia local gira em torno dos produtos da sociobiodiversidade, como o açaí, o peixe, o camarão, a castanha e o mel de abelha nativa. "A maior ameaça para uma comunidade tradicional é a destruição da natureza", conta Joaquim.

A vida dessas comunidades, que se dedicam à preservação da floresta e à produção sustentável, está sob constante ameaça. Além da luta histórica contra a grilagem de terras, o avanço do agronegócio e a falta de apoio governamental, a mudança climática, assim como para os andirobeiros, é um inimigo que tem impactado diretamente a sobrevivência do povo extrativista. A principal mensagem que Joaquim deixa é sobre a urgente necessidade de reconectar o mundo urbano com a vida rural.

A extração, conhecida como a atividade humana mais antiga, baseia-se na coleta de produtos naturais. No contexto da Amazônia, é exercida por povos que mantêm seus modos de vida em sintonia com o ecossistema, desenvolvendo tecnologias simples e de baixo impacto. Também chamados de "povos da floresta", se organizaram como movimento social em torno do extrativismo de seringa e hoje possuem o Conselho Nacional dos Extrativistas (CNS).

Diretamente do litoral do Pará, Célia Nunes, uma extrativista costeira e marinha, compartilha a profunda conexão de sua comunidade com o mar e o manguezal, ecossistemas que ela chama de "fábrica". Sua história se entrelaça com a tradição de um povo que vive em um dos maiores cinturões contínuos de manguezais da Amazônia.

O modo de vida extrativista de sua comunidade é ancestral, e o trabalho é sinalizado pelo tempo da maré. A vazante marca o início da jornada de trabalho, enquanto a preamar, a maré cheia, indica o momento de descanso.

"A vazante da maré, que é a sineta que diz, olha, começou o trabalho, e a maré, cada dia ela muda o seu horário", conta.

A pesca é o coração do sustento de sua comunidade, e a modalidade mais forte é a pesca de curral. Célia descreve a armadilha de forma poética: uma cerca feita de bambu e madeira, trançada com paciência, que forma um grande coração. A maré cheia guia os cardumes para dentro do curral, e a maré baixa permite que os pescadores coletem os peixes.

Além da pesca, a comunidade se dedica à mariscagem e ao manejo dos frutos da mata de transição. Célia compartilha um segredo de sua comunidade sobre o manejo da matéria-prima: "a madeira para o curral, se cortada com facão, brota novamente, mas se cortada com motosserra, queima e morre para sempre".

Célia relata que os extrativistas costeiros e marinhos enfrentam ameaças graves, como a exploração de petróleo e gás na foz do rio Amazonas. Para ela, é preciso que a sociedade entenda que o modo de vida tradicional é a base de um "bem viver" que deve ser respeitado. Apesar das dificuldades, Célia se orgulha da nova geração de sua comunidade que está acessando as universidades e se tornando médicos, engenheiros e fisioterapeutas, uma "melhor safra" para levar adiante a luta de seu povo.

Além da resistência diária e da sabedoria ancestral, os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) contam com um importante aliado institucional: o Ministério Público Federal.

O trabalho de proteção é centralizado na Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR). Seu objetivo é garantir que a pluralidade étnica e cultural do Brasil, prevista na Constituição, seja respeitada e promovida para grupos como andirobeiros, caboclos e extrativistas.

A atuação do MPF se concentra em áreas vitais, buscando assegurar a demarcação, titulação e posse das terras tradicionalmente ocupadas, além de garantir a saúde, a educação, o registro civil e a autossustentação dessas comunidades. O órgão se orienta por estudos antropológicos e pela regra constitucional da pluralidade de culturas.

Para isso, o MPF utiliza um conjunto de ferramentas jurídicas e extrajudiciais, como as ações judiciais, termos de ajustamento de conduta e recomendações, além do diálogo e da escuta.

O Ministério Público Federal tem reforçado a importância de garantir a escuta efetiva dos povos indígenas e tribais em decisões que impactam diretamente seus modos de vida, territórios e culturas. Essa defesa se fundamenta na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura o direito à consulta livre, prévia e informada, sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetar essas comunidades.

Para o MPF, ouvir as populações tradicionais não é apenas um gesto de inclusão, mas uma obrigação jurídica que garante a participação real desses povos na formulação de políticas públicas e na condução de projetos que incidem sobre seus direitos fundamentais.

Nesse sentido, a atuação do órgão busca coibir práticas de imposição de decisões sem diálogo, que historicamente têm levado à violação de direitos e ao agravamento de conflitos. Ao exigir o cumprimento da Convenção 169, o MPF sustenta que a consulta deve ser realizada de forma transparente, em linguagem acessível e respeitando os protocolos próprios de cada povo, de modo que a manifestação das comunidades seja efetivamente considerada nos processos decisórios.

O MPF também investe em projetos inovadores para dar visibilidade e fortalecer as comunidades. É o caso da Catrapovos Brasil, que visa transformar a alimentação nas escolas indígenas, ribeirinhas e quilombolas, oferecendo alimentos tradicionais produzidos pelas próprias comunidades. Outra iniciativa é a Plataforma de Territórios Tradicionais, que reúne informações sobre territórios autodeclarados para identificar necessidades e aumentar sua visibilidade na agenda pública.

Um dos principais expoentes em defesa da floresta foi Francisco Alves Mendes Filho, um seringueiro, sindicalista e ativista ambiental brasileiro, conhecido mundialmente por sua luta em defesa da Amazônia e dos direitos dos povos da floresta. Nascido em 1944 no Acre, Chico Mendes dedicou sua vida à preservação da floresta e à melhoria das condições de vida dos seringueiros.

Ele foi um dos fundadores do Conselho Nacional dos Seringueiros e promoveu a criação das Reservas Extrativistas (Resex), áreas protegidas onde as comunidades locais podem viver e trabalhar de forma sustentável. Sua atuação e seu legado chamaram a atenção internacional, mas também o colocaram sob ameaças. Em 1988, Chico Mendes foi assassinado.

O impacto da sua luta continua reverberando. O Brasil o incluiu na Lista de Heróis da Pátria Brasileira (Lei 10.952 de 2004) e o declarou Patrono do Meio Ambiente Brasileiro (Lei 12.892 de 2013). O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) busca manter seu legado vivo desde 2007.

https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2025/a-forca-do-coletivo-povos-da-amazonia-lutam-para-defender-a-vida-e-a-floresta
 

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