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Fábrica de celulose com histórico de contaminação se instala em área prioritária para conservação do Cerrado

16/10/2025

Autor: Tainah Ramos

Fonte: Mongabay - https://brasil.mongabay.com/



Fábrica de celulose com histórico de contaminação se instala em área prioritária para conservação do Cerrado

A chilena Arauco já iniciou a construção de uma fábrica de celulose no Mato Grosso do Sul, em uma área considerada pelo governo federal como de importância biológica "extremamente alta".

O empreendimento avança sobre a área de Três Lagoas, ameaçando contaminar os rios, esgotar as fontes de água, aumentar o atropelamento de animais e transformar o Cerrado em um "deserto verde", como são chamadas as plantações da madeira que servem de matéria-prima à celulose.

Embora a Arauco prometa implantar medidas de monitoramento e mitigação dos impactos ambientais em seu novo projeto, sua atividade no Chile está associada a águas poluídas e à morte de peixes.

A multinacional chilena do setor de celulose Arauco anunciou oficialmente em abril deste ano o início das obras do Projeto Sucuriú. O empreendimento está localizado no município de Inocência, no Mato Grosso do Sul, próximo ao cruzamento da rodovia MS-377 com o Rio Sucuriú, e deve ocupar uma área de 3.500 hectares.

O investimento da Arauco é de US$ 4,6 bilhões - aproximadamente R$ 25 bilhões, o equivalente a quase 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do Mato Grosso do Sul em 2021, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em agosto deste ano, a empresa assinou um contrato para receber um financiamento de US$ 250 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e também US$ 600 milhões do International Finance Corporation (IFC).

Em maio de 2024, o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) emitiu a licença de instalação. O evento de entrega da licença reuniu o governador do estado, Eduardo Riedel, o prefeito de Inocência, Antônio Ângelo, e o CEO da Arauco no Brasil, Carlos Altimiras.

Na ocasião, Riedel afirmou que a indústria de celulose é uma das mais limpas do mundo e destacou o compromisso da Arauco com a sustentabilidade e a neutralidade de carbono. Apesar do discurso, a atividade é, na verdade, classificada como de alto potencial poluidor, conforme disposto na Lei no 10.165, de 27 de dezembro de 2000, que inclui as classificações à Política Nacional do Meio Ambiente.

Além do conflito direto com a determinação federal sobre poluição, o projeto representa uma ameaça para a biodiversidade e os recursos hídricos do Cerrado, sobretudo diante do histórico de impactos socioambientais da empresa em outros países da América Latina, o que inclui a contaminação do solo, da água e do ar por seus efluentes e resíduos e também conflitos com povos indígenas.

O investimento da Arauco vai além da fábrica e inclui uma infraestrutura logística para escoar a produção anual prevista de 3,5 milhões de toneladas de celulose. Segundo uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo, a empresa pretende investir até US$ 1 bilhão para ligar o trajeto de 1.050 quilômetros entre Inocência e o porto de Santos por ferrovia, que deve correr ao lado da rodovia MS-377.

A Arauco avalia também o uso de vários modais, com transporte rodoviário até o Rio Paraná, em Três Lagoas, uso da hidrovia Paraná-Tietê até Pederneiras (SP), e então, trens até o porto. Em Santos, a multinacional também pretende criar uma estrutura para receber a carga e colocá-la nos navios. Essa logística significa impactos socioambientais além dos enquadrados na construção da planta industrial.

Biodiversidade em risco
No Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) elaborado pela empresa para obter a permissão de construção da fábrica, é possível observar que o empreendimento está sobreposto à Área Prioritária para a Conservação da Biodiversidade de Três Lagoas.

Instituídas pelo Decreto no 5092, de 21 de maio de 2004, as Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade são um instrumento do governo federal para definir políticas públicas visando à conservação e recuperação de ecossistemas e espécies.

Entre as ações, estão a criação de unidades de conservação (UC), o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, a fiscalização, o fomento ao uso sustentável e a regularização ambiental.

A segunda atualização da lista de Áreas Prioritárias, finalizada em 2018, na qual está incluída Três Lagoas, expandiu e aprimorou os critérios para a definição das metas de conservação. As áreas foram classificadas por sua "importância biológica" - extremamente alta, muito alta, alta e insuficientemente conhecida - e pela "prioridade de ação" - extremamente alta, muito alta e alta. A situação de Três Lagoas foi apontada como "extremamente alta" em ambas as categorias.

A importância biológica das áreas foi medida pela quantidade de vezes com que ela aparecia como essencial para atingir as metas de conservação. O levantamento mostrou que algumas regiões são mais insubstituíveis do que outras na preservação da biodiversidade. A partir disso, as áreas foram classificadas para destacar quais merecem atenção prioritária. Nesse sentido, a prioridade de ação indica quais medidas devem ser aplicadas primeiro, levando em conta a relevância biológica da área e o nível de urgência identificado por técnicos durante as oficinas de trabalho.

A região abriga espécies endêmicas do Cerrado, como o soldadinho (Antilophia galeata), o chorozinho-de-bico-comprido (Herpsilochmus longirostris) e o papagaio-galego (Alipiopsitta xanthops). Este último está ameaçado de extinção, assim como o tatu-canastra (Priodontes maximus), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o macaco-prego-amarelo (Sapajus libidinosus), o tapiti (Sylvilagus brasiliensis), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), a anta (Tapirus terrestris) e a queixada (Tayassu pecari). Todas essas espécies estão na área diretamente afetada e na área de influência direta do empreendimento, segundo o próprio estudo de impacto ambiental da empresa.

Marine Dubos-Raoul, geógrafa, pesquisadora e professora visitante da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), aponta que a diminuição de áreas naturais reflete na biodiversidade da fauna, privada de seu habitat. "Os animais não conseguem se alimentar e transitam [em busca de comida]. Isso tem como consequência os atropelamentos e a invasão de lavouras de comunidades rurais."

O atropelamento da fauna é um dos principais problemas das estradas do Mato Grosso do Sul. Entre julho de 2020 e novembro de 2024, foram registradas 1.416 colisões de veículos com animais no estado, segundo os dados do Estrada Viva, programa da Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos de Mato Grosso do Sul, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística, que monitora os atropelamentos nas rodovias estaduais.

A construção de um polo industrial como o da Arauco já implica maior circulação de veículos na região, para o escoamento da produção e para o trânsito de trabalhadores. Embora não existam dados sobre a rodovia na qual o Projeto Sucuriú será implantado, a fábrica pode acentuar os atropelamentos de fauna.

"Deserto verde"
Além das transformações químicas usadas na transformação de madeira em celulose, as plantas industriais também produzem a matéria-prima a ser utilizada no processo: o eucalipto. Dubos-Raoul explica que o avanço da indústria florestal tem se intensificado na região nas últimas duas décadas, com uma série de impactos para o Cerrado. Em 2007, o governo estadual isentou essas empresas de licença ambiental, oferecendo "carta branca" para a instalação dos eucaliptais.

Desde 2024, com a sanção da Lei 14.876 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o plantio de pínus, eucalipto e mogno para fins comerciais foi excluído do rol de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais na esfera federal. Essa mudança dispensa a necessidade de declaração da silvicultura no Relatório de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais e a isenta do pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental.

Uma das justificativas da Arauco para a escolha de Inocência é a "existência próxima de um espaço para o desenvolvimento de um parque florestal capaz de suprir as necessidades de madeira para a indústria de celulose", conforme consta no Relatório de Impacto Ambiental do empreendimento. Para produzir as 3,5 milhões de toneladas anuais de celulose, a empresa prevê uma que serão necessários cerca de 10,5 milhões de toneladas de eucalipto por ano. A multinacional não diz explicitamente se produzirá sua própria matéria-prima. O site do projeto, no entanto, indica que uma área de 400 mil hectares deverá ser dedicada à plantação.

Ao contrário do discurso da indústria florestal e de celulose - incluindo o uso do termo "florestas plantadas" para a monocultura - de que o eucalipto "refloresta" áreas degradadas, a flora nativa também é afetada.

"Quando fazemos estudos para entender a evolução do uso e ocupação do solo, o eucalipto está avançando em áreas já degradadas por pastagens, mas também avança em áreas de vegetação nativa do Cerrado", afirma Dubos-Raoul. "É uma mudança na paisagem. Falamos muito de ser um 'deserto verde'", explica, sobre a ausência de biodiversidade e serviços ecossistêmicos dos eucaliptais. Segundo ela, esse verde das árvores não é normal do Cerrado em seu período seco. "Nessa época, as plantas perdem as folhas, têm aqueles troncos tortuosos. É essa vegetação que queima naturalmente e, com a chegada da chuva, consegue renascer das cinzas."

Escassez hídrica
O projeto da Arauco também está localizado na área do Aquífero Bauru-Caiuá. Isso é relevante justamente devido à necessidade do cultivo de pínus e eucaliptos para a produção de celulose. Essas monoculturas, segundo Dubos-Raoul, podem secar nascentes e lençóis freáticos.

"Tem uma construção narrativa que as empresas fazem de que, pelo fato do eucalipto não ter uma raiz profunda, não seca o aquífero", explica ela. "Realmente, não tem, mas o Cerrado tem um solo profundo e bem drenado, justamente para recarregar o lençol freático. As árvores do Cerrado têm raízes profundas para isso. Com a plantação de eucalipto, quando chove, a água é sugada já na superfície, sem permitir essa recarga."

A partir da Rede Integrada de Monitoramento das Águas Subterrâneas (Rimas), do Sistema Geológico Brasileiro (SGB), o engenheiro-geólogo Clyvihk Camacho, servidor do órgão, observou uma tendência de redução do Bauru-Caiuá nos últimos anos. O artigo publicado na revista científica Water Resources Research, em agosto de 2023, do qual Camacho é coautor, mostrou que o aquífero perdeu 6 km³ de volume de 2002 a 2021 devido a uma seca prolongada, com um uso de água maior do que o ciclo hidrológico foi capaz de repor.

Desse modo, o Projeto Sucuriú pode levar ao aumento da escassez de água na região. No Relatório de Impacto Ambiental do empreendimento, a Arauco pontua que deverá implantar e operar programas ambientais, entre eles o monitoramento da qualidade das águas superficiais e subterrâneas, passíveis de sofrer contaminação por vazamento de efluentes e substâncias químicas. Contudo, não há qualquer indício no relatório de monitoramento também do volume de água e de planos para recarregá-lo.

Camacho aponta a necessidade de garantir a recarga do aquífero. "Não pode ter um uso indiscriminado. Existem algumas formas [de fazer a recarga em áreas de monocultura], como a recarga artificial, em que se recolhe a água da chuva e reinjeta no aquífero. É uma saída muito inteligente, porque se a água está no subterrâneo, evapora muito menos", explica. "Se for feito da forma adequada, é possível que você consiga ter um grande uso de água e repô-la."

Histórico de violações e contaminações
Embora a Arauco se comprometa com o monitoramento e a mitigação de possíveis impactos ambientais no Projeto Sucuriú, o histórico da empresa revela uma série de violações e contaminações na prática.

Com origem no Chile, a multinacional acumula mais de duas décadas de conflitos com os indígenas Mapuche e a contaminação de águas fluviais e oceânicas. Os primeiros registros remontam a 2004 e 2005, quando a Planta Horcones, em Biobío, no sul do país, lançou 5 mil litros de trementina - um subproduto da fabricação de celulose - e 15 mil litros de água misturadas a essa substância no Golfo de Arauco. Os moradores da região tiveram intoxicações por respiração e contato com a pele.

Em Biobío, está localizado um dos maiores projetos da empresa no Chile, o Mapa - sigla para Modernização e Ampliação da Fábrica Arauco. É lá também que Juan Pablo Toledo, engenheiro em biotecnologia vegetal e ativista da Red por La Superación del Modelo Forestal, luta pelo fim da exploração dessa indústria devido aos impactos causados ao meio ambiente e à saúde humana.

"Passei metade da minha vida entre os portos e a fábrica de celulose Mapa, uma das maiores da América Latina. O tempo todo vejo trens carregados de ácido chegando às plantas industriais e, logo depois, a espuma se espalhando nas praias quando o ácido é descartado após o uso", relata.

Em 2020, a Arauco foi multada em mais de 4 bilhões de pesos chilenos (R$ 23.940.964, cotação do dia 10 de fevereiro de 2020, data da sentença) apenas por irregularidades ambientais nas instalações de Valdívia, na região de Los Ríos, desde 2014. Naquele ano, mais de 2 mil peixes apareceram mortos no Rio Cruces, o que colocou a planta da empresa, localizada a poucos metros e cujos dejetos eram lançados no curso d'água, no centro da investigação. A Superintendência de Meio Ambiente do Chile identificou 11 infrações, a maioria relacionada ao lançamento de resíduos industriais líquidos ao rio.

Já em novembro de 2022, na comuna de Constitución, na região de Maule, a autoridade sanitária local proibiu o funcionamento de uma fábrica da empresa depois de uma válvula liberar emissões de gases e líquidos. O caso foi denunciado pelos vizinhos do complexo industrial, que também relataram tontura e vômito por intoxicação.

Outro lado
A Mongabay entrou em contato com a Arauco para questionar a escolha de uma área considerada de importância "extremamente alta" para a conservação da biodiversidade, perguntando como a empresa pretende evitar que as violações e as contaminações se repitam na região de Três Lagoas e se há um planejamento para fazer a recarga do Aquífero Bauru-Caiuá. A assessoria de imprensa, no entanto, informou que a empresa optou por não responder aos questionamentos.

O Imasul também foi questionado sobre a liberação de um empreendimento localizado na Área Prioritária para a Conservação da Biodiversidade de Três Lagoas, sobre como pretende fiscalizar o cumprimento dos programas ambientais prometidos pela Arauco e se a empresa apresentou algum planejamento para fazer a recarga das águas subterrâneas. O órgão ambiental não respondeu até o fechamento da reportagem.

https://brasil.mongabay.com/2025/10/fabrica-de-celulose-com-historico-de-contaminacao-se-instala-em-area-prioritaria-para-conservacao-do-cerrado/
 

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