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Rodovia BR-319: o novo "acordo" de licenciamento como porta de entrada para a destruição
21/07/2025
Autor: Philip Martin Fearnside
Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br
Em 15 de julho, o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA) e o Ministério dos Transportes chegaram a um "acordo" para licenciar o notório projeto de reconstrução da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) [1]. Uma empresa será contratada pelo Ministério dos Transportes para realizar uma "Avaliação Ambiental Estratégica" (AAE) durante oito meses para recomendar políticas para controlar o desmatamento, fortalecer as comunidades locais e "regularizar" a posse da terra em uma faixa de 50 km de largura ao longo de cada lado da rodovia. A implementação do plano será de responsabilidade da Casa Civil (não de um órgão ambiental). A licença ambiental para o projeto de reconstrução da rodovia ainda está pendente com o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o órgão do MMA responsável pelo licenciamento, e a equipe técnica do departamento de licenciamento do IBAMA tem questionado repetidamente a adequação do Estudo de Impacto Ambiental. Embora considerar 50 km seja melhor do que a estrutura de licenciamento atual [2], que basicamente considera apenas a beira da estrada, não chega perto de refletir o verdadeiro impacto do projeto de reconstrução da rodovia. O impacto desta rodovia federal se estenderá muito mais graças às cinco estradas planejadas pelo estado do Amazonas para se conectar à BR-319 (AM-356, AM-360, AM-464, AM-366 e AM-343) [3] (Figura 1). A AM-366 se estenderia 574 km a oeste da BR-319 [4], abrindo a vasta região Trans-Purus a oeste do Rio Purus para a entrada de desmatadores [5].
A área ao longo da planejada AM-366 e da AM-343 que dela se ramifica já foi reivindicada por grandes grileiros (Figura 2) por meio de registros autodeclarados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que se tornou uma importante ferramenta para grilagem de terras do governo [6-8]. Empreendedores do agronegócio na AMACRO (região ao redor das divisas dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia) estão planejando atingir exatamente a área a ser aberta pela AM-366 após terminarem o desmatamento da região da AMACRO [9]. Presumivelmente, eles comprariam as terras dos grileiros que estão antecipando a abertura da estrada.
A área a ser aberta pela AM-366 também abriga o enorme projeto proposto de petróleo e gás "Área Sedimentar do Solimões" [10, 11] (Figura 3). Os direitos de perfuração dos primeiros blocos, três dos quais atravessados pela rota da AM-366, já foram vendidos para a Rosneft [12], a gigante petrolífera russa que o Greenpeace Rússia acusa de causar mais de 10.000 derramamentos de petróleo ao redor do mundo [13]. Tanto a influência financeira quanto a política provavelmente resultarão em prioridade para a construção da AM-366, visto que é muito mais barato ter acesso rodoviário aos campos de petróleo e gás do que voar entre eles de helicóptero como se fossem plataformas no mar (o plano oficial) [14]. O governador do Amazonas, Wilson Lima, apoia os planos da Rosneft como um "empreendimento prioritário para o estado" [15]. Isso provavelmente facilitará o licenciamento do governo estadual para a AM-366 e levará o governo estadual a gastar o dinheiro de seus contribuintes na construção da estrada que beneficiaria a empresa.
Sendo rodovias estaduais, as seis estradas "AM" seriam licenciadas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), o órgão ambiental do governo estadual. Como em outros estados, o órgão ambiental no Amazonas não é independente do governador. Os órgãos ambientais estaduais são muito mais facilmente influenciados do que o órgão federal (IBAMA). Isso foi dramaticamente demonstrado em 2017, quando garimpeiros ilegais do Rio Madeira incendiaram os escritórios do IBAMA e do ICMBio (a agência do MMA responsável pelas áreas protegidas) em Humaitá [16] (Figura 4). O governador do Amazonas levou o chefe do IPAAM a Humaitá e anunciou que os garimpeiros receberiam licenças para continuar minerando [17]. Poucos dias depois, o IPAAM concedeu as licenças, premiando os garimpeiros por seus crimes.
As ordens do governador não são a única maneira de influenciar as agências estaduais. No escândalo atual conhecido como "Operação Greenwashing", o IPAAM aprovou planos ilegais de manejo florestal em terras públicas não destinadas como parte de um esquema que incluía 538.000 ha de grilagem de terras e R$ 180 milhões em créditos de carbono falsos [18]. Em dezembro de 2024 os chefes de três departamentos do IPAAM foram presos e o diretor-presidente do órgão foi exonerado [19-21].
É essencial reconhecer que as estradas do governo estadual e outros planos ligados à BR-319 são partes integrais do impacto da BR-319. Os tomadores de decisão e licenciadores do governo federal não podem fingir que apenas as bordas da rodovia federal são de sua preocupação. Essa visão burocrática, a raiz daquilo que a Hannah Arendt famosamente chamou de "banalidade do mal" [22], é uma fórmula para um desastre ambiental de uma magnitude com poucos rivais em qualquer lugar do mundo [23-26]. Os planos além da beira da própria estrada não existiriam se não fosse pelo projeto de reconstrução da BR-319.
O influente grupo de lobby "Amigos da BR-319" deixou claro que quer não apenas a BR-319, mas também a "Rodovia Transpurus", ou seja, a AM-366 [27]. Uma vez concluída a reconstrução da BR-319, a AM-366 e outros planos seguiriam essencialmente de forma automática. É preciso ser minimamente realista em relação ao atual governador do Amazonas (Figura 5); a chance de ele perceber que o impacto da AM-366 seria grande demais para ser permitido é zero. Da mesma forma, a chance do órgão ambiental do governo estadual se recusar a licenciar este projeto também é essencialmente zero.
O "acordo" de 15 de julho entre o MMA e o Ministério dos Transportes é comemorado pelo governador do Amazonas como garantia de uma aprovação rápida do projeto de reconstrução da BR-319 [29]. Após mais de duas décadas sendo constantemente inundada com desinformação sobre os impactos e benefícios da BR-319, não é surpresa que uma grande maioria da população de Manaus apoie o projeto de reconstrução. Opor-se ao projeto seria suicídio político para qualquer político local, e eles competem para levar o crédito pela obtenção da aprovação do projeto. Um círculo vicioso leva a uma retórica cada vez mais exagerada em apoio ao projeto e a um maior apoio a ele pelo eleitorado.
Na votação final de 17 de julho de 2025 na Câmara dos Deputados federal aprovando o "PL da Devastação" para desmantelar em grande parte o sistema federal de licenciamento [30, 31], apenas um dos oito deputados do Amazonas se opôs ao projeto, com as declarações dos que eram a favor (todos do bloco de votação "Centrão") invariavelmente citando o provável resultado do projeto de lei ser uma rápida aprovação da licença da BR-319 [32]. Particularmente atraentes foram as emendas inseridas no PL da Devastação pelo Senado que removeram qualquer exigência de licenciamento para uma estrada que havia sido pavimentada no passado (ou seja, a BR-319) e que criaram uma "Licença Ambiental Especial" que forçaria a aprovação de projetos "estratégicos" dentro de um ano, independentemente da magnitude de seus impactos. O novo acordo implica que o projeto de reconstrução da BR-319 será aprovado com base em um plano de governança na área dentro de 50 km da rodovia.
O novo acordo implica que o projeto de reconstrução da BR-319 será aprovado com base em um plano de governança na área dentro de 50 km da rodovia. Este "plano" mal toca o impacto da rodovia, mesmo que a governança prometida fosse 100% bem-sucedida. Primeiro, deve-se notar que um plano não é o mesmo que realmente ter governança. O exemplo relevante é o Plano BR-163 Sustentável, que serviu de base para aprovar a reconstrução da rodovia Santarém-Cuiabá em 2005. Em vez de se tornar o prometido "corredor de desenvolvimento sustentável", esta rodovia se tornou um grande foco de desmatamento ilegal, exploração madeireira, mineração de ouro, invasão de áreas indígenas e grilagem de terras, e foram os fazendeiros de lá que organizaram o "dia do fogo" em 2019 para mostrar apoio às políticas antiambientais do então presidente Jair Bolsonaro [33, 34]. Ironicamente, a BR-163 é apresentada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) [35] como um modelo de governança para a BR-319 [36]. Mais básico do que o realismo dos planos de governança, que são claramente desejáveis por si só, é que esses planos têm o papel irônico de servir como desculpa para aprovar um projeto cujos impactos excedem, em muito, quaisquer ganhos das próprias medidas de governança, resultando em um saldo líquido fortemente negativo [37].
https://amazoniareal.com.br/rodovia-br-319-o-novo-acordo-de-licenciamento-como-porta-de-entrada-para-a-destruicao/
A área ao longo da planejada AM-366 e da AM-343 que dela se ramifica já foi reivindicada por grandes grileiros (Figura 2) por meio de registros autodeclarados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que se tornou uma importante ferramenta para grilagem de terras do governo [6-8]. Empreendedores do agronegócio na AMACRO (região ao redor das divisas dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia) estão planejando atingir exatamente a área a ser aberta pela AM-366 após terminarem o desmatamento da região da AMACRO [9]. Presumivelmente, eles comprariam as terras dos grileiros que estão antecipando a abertura da estrada.
A área a ser aberta pela AM-366 também abriga o enorme projeto proposto de petróleo e gás "Área Sedimentar do Solimões" [10, 11] (Figura 3). Os direitos de perfuração dos primeiros blocos, três dos quais atravessados pela rota da AM-366, já foram vendidos para a Rosneft [12], a gigante petrolífera russa que o Greenpeace Rússia acusa de causar mais de 10.000 derramamentos de petróleo ao redor do mundo [13]. Tanto a influência financeira quanto a política provavelmente resultarão em prioridade para a construção da AM-366, visto que é muito mais barato ter acesso rodoviário aos campos de petróleo e gás do que voar entre eles de helicóptero como se fossem plataformas no mar (o plano oficial) [14]. O governador do Amazonas, Wilson Lima, apoia os planos da Rosneft como um "empreendimento prioritário para o estado" [15]. Isso provavelmente facilitará o licenciamento do governo estadual para a AM-366 e levará o governo estadual a gastar o dinheiro de seus contribuintes na construção da estrada que beneficiaria a empresa.
Sendo rodovias estaduais, as seis estradas "AM" seriam licenciadas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), o órgão ambiental do governo estadual. Como em outros estados, o órgão ambiental no Amazonas não é independente do governador. Os órgãos ambientais estaduais são muito mais facilmente influenciados do que o órgão federal (IBAMA). Isso foi dramaticamente demonstrado em 2017, quando garimpeiros ilegais do Rio Madeira incendiaram os escritórios do IBAMA e do ICMBio (a agência do MMA responsável pelas áreas protegidas) em Humaitá [16] (Figura 4). O governador do Amazonas levou o chefe do IPAAM a Humaitá e anunciou que os garimpeiros receberiam licenças para continuar minerando [17]. Poucos dias depois, o IPAAM concedeu as licenças, premiando os garimpeiros por seus crimes.
As ordens do governador não são a única maneira de influenciar as agências estaduais. No escândalo atual conhecido como "Operação Greenwashing", o IPAAM aprovou planos ilegais de manejo florestal em terras públicas não destinadas como parte de um esquema que incluía 538.000 ha de grilagem de terras e R$ 180 milhões em créditos de carbono falsos [18]. Em dezembro de 2024 os chefes de três departamentos do IPAAM foram presos e o diretor-presidente do órgão foi exonerado [19-21].
É essencial reconhecer que as estradas do governo estadual e outros planos ligados à BR-319 são partes integrais do impacto da BR-319. Os tomadores de decisão e licenciadores do governo federal não podem fingir que apenas as bordas da rodovia federal são de sua preocupação. Essa visão burocrática, a raiz daquilo que a Hannah Arendt famosamente chamou de "banalidade do mal" [22], é uma fórmula para um desastre ambiental de uma magnitude com poucos rivais em qualquer lugar do mundo [23-26]. Os planos além da beira da própria estrada não existiriam se não fosse pelo projeto de reconstrução da BR-319.
O influente grupo de lobby "Amigos da BR-319" deixou claro que quer não apenas a BR-319, mas também a "Rodovia Transpurus", ou seja, a AM-366 [27]. Uma vez concluída a reconstrução da BR-319, a AM-366 e outros planos seguiriam essencialmente de forma automática. É preciso ser minimamente realista em relação ao atual governador do Amazonas (Figura 5); a chance de ele perceber que o impacto da AM-366 seria grande demais para ser permitido é zero. Da mesma forma, a chance do órgão ambiental do governo estadual se recusar a licenciar este projeto também é essencialmente zero.
O "acordo" de 15 de julho entre o MMA e o Ministério dos Transportes é comemorado pelo governador do Amazonas como garantia de uma aprovação rápida do projeto de reconstrução da BR-319 [29]. Após mais de duas décadas sendo constantemente inundada com desinformação sobre os impactos e benefícios da BR-319, não é surpresa que uma grande maioria da população de Manaus apoie o projeto de reconstrução. Opor-se ao projeto seria suicídio político para qualquer político local, e eles competem para levar o crédito pela obtenção da aprovação do projeto. Um círculo vicioso leva a uma retórica cada vez mais exagerada em apoio ao projeto e a um maior apoio a ele pelo eleitorado.
Na votação final de 17 de julho de 2025 na Câmara dos Deputados federal aprovando o "PL da Devastação" para desmantelar em grande parte o sistema federal de licenciamento [30, 31], apenas um dos oito deputados do Amazonas se opôs ao projeto, com as declarações dos que eram a favor (todos do bloco de votação "Centrão") invariavelmente citando o provável resultado do projeto de lei ser uma rápida aprovação da licença da BR-319 [32]. Particularmente atraentes foram as emendas inseridas no PL da Devastação pelo Senado que removeram qualquer exigência de licenciamento para uma estrada que havia sido pavimentada no passado (ou seja, a BR-319) e que criaram uma "Licença Ambiental Especial" que forçaria a aprovação de projetos "estratégicos" dentro de um ano, independentemente da magnitude de seus impactos. O novo acordo implica que o projeto de reconstrução da BR-319 será aprovado com base em um plano de governança na área dentro de 50 km da rodovia.
O novo acordo implica que o projeto de reconstrução da BR-319 será aprovado com base em um plano de governança na área dentro de 50 km da rodovia. Este "plano" mal toca o impacto da rodovia, mesmo que a governança prometida fosse 100% bem-sucedida. Primeiro, deve-se notar que um plano não é o mesmo que realmente ter governança. O exemplo relevante é o Plano BR-163 Sustentável, que serviu de base para aprovar a reconstrução da rodovia Santarém-Cuiabá em 2005. Em vez de se tornar o prometido "corredor de desenvolvimento sustentável", esta rodovia se tornou um grande foco de desmatamento ilegal, exploração madeireira, mineração de ouro, invasão de áreas indígenas e grilagem de terras, e foram os fazendeiros de lá que organizaram o "dia do fogo" em 2019 para mostrar apoio às políticas antiambientais do então presidente Jair Bolsonaro [33, 34]. Ironicamente, a BR-163 é apresentada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) [35] como um modelo de governança para a BR-319 [36]. Mais básico do que o realismo dos planos de governança, que são claramente desejáveis por si só, é que esses planos têm o papel irônico de servir como desculpa para aprovar um projeto cujos impactos excedem, em muito, quaisquer ganhos das próprias medidas de governança, resultando em um saldo líquido fortemente negativo [37].
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