De Povos Indígenas no Brasil
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“Desde quando eu fazia faculdade, eu tive uma ideia: como eu poderia dar um retorno para a minha aldeia?”

A partir de 2017, o movimento indígena começou a contar com uma grande aliada dentro das redes sociais: a Mídia Índia. Lançada durante o 14º Acampamento Terra Livre, a iniciativa reuniu 57 indígenas com formação em comunicação. No Facebook, a Mídia Índia tem participação ativa, divulgando notícias e produzindo material audiovisual sobre a diversidade sociocultural dos povos indígenas, além de compartilhar notícias sobre o que ocorre nas terras indígenas das diversas regiões do país. Entrevistamos Erisvan Bone Guajajara, um dos idealizadores da Mídia Índia.

Erisvan Bone de Sousa Guajajara, da aldeia Lagoa Quieta, da Terra Indígena Arariboia (MA), durante o Acampamento Terra Livre de 2018, em Brasília (DF). Foto: Mario Brunoro/ISA, 2018.Erisvan Bone de Sousa Guajajara, da aldeia Lagoa Quieta, da Terra Indígena Arariboia (MA), durante o Acampamento Terra Livre de 2018, em Brasília (DF). Foto: Mario Brunoro/ISA, 2018.

Eu me chamo Erisvan, sou do povo Guajajara, da Terra Indígena Araribóia (MA). O meu nome indígena, que eu ganhei pelos caciques — as lideranças da minha aldeia — é Itainuã Xahã. Itainuã significa pedra preciosa e Xahã, grande pássaro noturno do pantanal. Foi o nome indígena que eu recebi pelo fato de estar na frente da liderança da juventude indígena e os caciques me deram esse nome pela grande evolução que eu tive dentro do movimento.


ISA: Você poderia contar como começou a Mídia Índia?

Então, a Mídia Índia foi um processo que, desde quando eu fazia faculdade, quando terminei minha faculdade, eu tive uma ideia: como eu poderia dar um retorno para a minha aldeia? Como eu poderia dar um retorno do que eu tive na cidade e levar para a aldeia?

A partir daí a gente escreveu o projeto “Coisa de índio, alma brasileira”. A partir dessa ideia, do “Coisa de índio”, a gente capacitou 12 indígenas guajajara, ensinando eles a usar a câmera, como se faz video, como que edita, como que produz curta, como que se faz longa. E a partir desse processo, os jovens ganharam empoderamento na área de comunicação. Então, a princípio, a gente, depois que fundamos esse projeto e capacitamos esses jovens para eles serem protagonistas da sua própria história, nós tivemos a ideia de dizer “acho que a gente pode ir além”. Por que não ir além? Então vamos procurar um meio de criar uma mídia que possa abranger todos os povos.

Foi aí que surgiu a ideia da Mídia Índia. Foi em uma reunião nossa, da Associação dos Caciques da TI Araribóia, lá na nossa região... E aí, a partir daí, a gente veio para o ATL no ano passado e a gente veio com o chamamento de reunir todos os comunicadores indígenas para discutir uma pauta que falasse sobre a comunicação e pudesse abranger todos os povos. A gente se encontrou ano passado, se reuniu com os comunicadores — tinha aqui presente 57 comunicadores indígenas — e a partir daí a gente lançou oficialmente a Mídia Índia, que foi no ATL no ano passado.

E a partir daí, a gente começou a trabalhar em conjunto, onde a gente busca informações de todos os povos para que todos os povos sejam vistos da maneira que tem ser. A gente fala: “nós falamos de indígenas para indígenas”. E a gente respeita cada especificidade de cada povo. Cada cultura. Embora [todos] sejamos indígenas, cada um tem sua especificidade, das suas tradições e seus costumes. A gente respeita muito isso. A partir daí, a gente começou a contar com colaboradores também, que fizeram parte da nossa rede. Podemos dizer, a gente sempre decide “ah, vamos fazer uma pauta sobre cultura”, aí a gente recebe pautas de cada povo que tem dentro da Mídia Índia.

A Mídia Índia hoje é composta oficialmente por 10 indígenas de regiões diferentes. Só que assim, além desses 10 indígenas, nós temos nossos colaboradores. E a gente tá produzindo material e estamos planejando um encontro ano que vem [2019] que é o primeiro encontro da Mídia Índia, de comunicação, onde nós queremos multiplicar esses 10. Que esses 10 se tornem 20, 30, 50, 1000. Que os jovens indígenas possam ganhar empoderamento e possam dar voz aos povos, às suas comunidades. E a gente tá reforçando, estamos correndo atrás de parceiros para realizar esse grande encontro e capacitar mais jovens.


ISA: Já existe uma data prevista para o encontro acontecer?

Ainda não temos data, porque ainda estamos atrás de parceiros para poder definir. Não seria no ATL, seria um encontro extra, talvez no meio do ano.

E, nesse encontro, a gente vai debater a comunicação. Ver como está a comunicação interna nas bases e também vamos ter capacitação, que a gente possa capacitar em pelo menos dois ou três dias de aula, para que os jovens saiam mais empoderados e possam se aprimorar no conhecimento, para a gente poder somar juntos na luta.


ISA: Qual é o principal meio de divulgação da Mídia Índia?

Então, hoje nós temos o Facebook, que é por onde usamos mais. Mas estamos pensando em uma reunião para que a gente possa criar o site, que foi uma demanda já mesmo dos outros membros da Mídia Índia, para que a gente possa criar uma marca bem bacana, e produzir um site. Para que a gente possa usar também esse site. E vamos também começar a alimentar o Instagram, que é uma rede social que está aí ganhando o mundo, que a gente vê que dá uma visibilidade bem maior. Por enquanto, a gente usa só o Facebook. Mas desse ATL a gente quer sair com outras redes, para que a gente possa multiplicar a comunicação da Mídia Índia.


ISA: Quais são as dificuldades para as informações chegarem nas terras indígenas em todo o Brasil?

Então, uma das dificuldades que nós temos é que nem todos os parentes, nem todas as bases têm acesso à internet, né? Mas foi uma demanda que a gente pensou também, quando começou a produzir a comunicação da Mídia Índia: como vamos fazer para chegar a informação na base que não tem internet, que não tem acesso à televisão, que não pode conhecer a nossa campanha, como a gente trabalha?

Foi a partir daí que surgiu a ideia da gente produzir o material — todo material que a gente produz: transmissões ao vivo, foto e tudo — a gente baixa e guarda num HD e sempre que tem evento nas bases a gente leva e mostra o que a gente produziu. Foi uma ideia sugerida por todos os membros para gente poder dar um retorno do que a gente tá fazendo.

Aí o povo fala: “mas como que vai ser?”, “ah, mas lá eles não entendem bem o português”. Então a gente sempre tem um membro, dentro da comunidade, que possa explicar para eles o que passou no vídeo, para que eles possam ter eles mesmos esse conhecimento da comunicação indígena.


ISA: Qual recado você daria para os não indígenas?

A gente sempre fala que, 518 anos depois, a gente tem hoje um grande número de indígenas ocupando grandes espaços de poder. É dizer para os não indígenas que a gente quer apenas ser respeitado. Não queremos ser taxados como vagabundos, como pessoas que apenas invadem ou ocupam espaço. Quando a gente ocupa um espaço, a gente tá ali para demandar e cobrar nossos direitos.

É dizer que, 518 anos depois, nós continuamos na linha de frente, e queremos apenas que vocês aceitem e respeitem o nosso direitos, porque nós somos os povos originários dessa terra. Nós queremos nossas terras demarcadas. E queremos que os não indígenas possam estudar um pouco mais a nossa história. Que vocês possam conhecer que por trás de tudo que essa TV burguesa mostra nós temos uma tradição e uma cultura muito linda que merece ser preservada, merece estar viva.

E que todos possam conhecer, e vir somar junto com a gente nessa grande luta em que estamos há 518 anos, na linha de resistência. E vamos lutar e continuar lutando até deixar de existir o último índio na face da terra.


A entrevista acima foi registrada em 2018 durante o 15º Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF), por Selma Gomes, Beatriz Murer, Mariana Furtado e Mario Brunoro.