De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

COP30: Protagonismo das comunidades tradicionais e críticas a modelos atuais marcam 1o dia do estande do MPF

11/11/2025

Fonte: MPF - https://www.mpf.mp.br



O primeiro dia de atividades do estande do Ministério Público Federal (MPF) na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), nesta segunda-feira (10) em Belém (PA), foi palco de um intenso balanço crítico sobre os rumos do debate climático. Em uma série de quatro eventos, a instituição abriu espaço para vozes da linha de frente da crise ambiental (lideranças indígenas e de comunidades tradicionais, especialistas em segurança pública e ativistas) que apresentaram um diagnóstico comum: as soluções predominantes são insuficientes, e a verdadeira resposta está na garantia dos direitos territoriais e no protagonismo de quem vive e protege os biomas.

Dos apelos por demarcação de terras como a política climática mais eficaz à denúncia do mercado de carbono como um "colonialismo verde", passando pela complexa teia do crime organizado que asfixia a Amazônia e pela articulação entre justiça climática e justiça racial, os eventos traçaram um panorama das urgências que desafiam o Brasil e o mundo.

Confira, a seguir, um resumo dos principais debates e propostas que marcaram o dia. Todos os eventos do estande da instituição (veja a programação completa) na Zona Verde da COP30 são transmitidos ao vivo e ficam disponíveis no Canal do MPF no YouTube.

A resposta somos nós - O primeiro evento do estande do MPF foi o debate "A resposta somos nós, participação dos povos na COP30: Iniciativas do território como propostas para a COP30". Lideranças indígenas defenderam que as soluções para a crise climática não virão de acordos distantes, mas dos próprios territórios. Sob o lema da campanha "A Resposta Somos Nós", eles reivindicaram um lugar central nas mesas de negociação da COP30, argumentando que os saberes ancestrais e a proteção das florestas são o único caminho viável para o equilíbrio do planeta.

A iniciativa, descrita como um chamado global dos povos da floresta, das águas, do campo e das cidades, posiciona-se como uma alternativa ao modelo de discussão predominante nas conferências climáticas, criticado por ser "eurocêntrico, sintético e do pensamento linear". As lideranças afirmaram que a crise climática é, fundamentalmente, uma crise de liderança e de valor, e que a ciência moderna apenas confirma o que seus povos sempre souberam: não há justiça climática sem justiça territorial, social e popular.

A principal e mais urgente demanda apresentada foi a demarcação, proteção e desintrusão integral dos territórios indígenas. Longe de ser apenas uma questão de direitos, a medida foi defendida como a mais eficaz política de ação climática existente. Para ilustrar a urgência, foram citados casos como a paralisação da desintrusão na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, e a luta contínua contra o garimpo no Território Yanomami.

Outro ponto central foi a crítica ao modelo de financiamento climático. Foi relatado que menos de 1% dos recursos globais chega diretamente às comunidades que estão na linha de frente da proteção ambiental. Em resposta, as lideranças pedem a criação de mecanismos para o financiamento direto, autônomo e desburocratizado para suas organizações de base, citando o Fundo Indígena do Rio Negro como um modelo de sucesso de gestão comunitária.

As lideranças propuseram ainda que, para o Brasil liderar de fato uma transição energética justa, a Amazônia deveria ser declarada uma zona livre de exploração de combustíveis fósseis. Outro ponto considerado crítico foi a escalada da violência e a impunidade nos assassinatos de defensores ambientais.

Representaram o MPF no evento os procuradores da República Felipe Palha e Rafael Martins. Palha, que é o procurador-chefe do MPF no Pará, descreveu a Amazônia como um território em disputa por dois modelos inconciliáveis: o modelo do colonizador, que olha para o território como um recurso e se relaciona com ele de maneira a explorá-lo economicamente, e o outro modelo, que sofreu a invasão e se relaciona de forma totalmente diferente com o território.

Crime e Amazônia - Uma complexa crise de segurança, alimentada pela convergência de crimes ambientais, narcotráfico e redes criminosas tradicionais, exige uma mudança de paradigma nas estratégias de combate na Amazônia. Foi a conclusão do painel "Segurança pública, justiça climática e crime organizado na Amazônia", realizado em parceria com o instituto Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (Laclima).

O debate apontou a insuficiência do modelo de repressão isolada e defendeu uma abordagem multifacetada, focada na desarticulação econômica das organizações e no fortalecimento de atores locais.

Durante o painel, Melina Risso, do Instituto Igarapé, destacou que crimes ambientais como grilagem, mineração e extração ilegal de madeira, embora extremamente lucrativos, ainda são percebidos como de "terceira categoria". Ela ressaltou que, diferentemente do tráfico, essas atividades buscam uma aparência de legalidade por meio de fraude e corrupção para inserir seus produtos na economia formal, em operações de larga escala que exigem alto investimento, muitas vezes financiado por elites locais e políticos.

A dimensão do problema foi ilustrada pelo procurador da República Daniel Azeredo, que informou que os 50 mil focos de desmatamento anuais tornam a punição individual via processo penal tradicional logisticamente impossível. A essa dinâmica se soma a expansão de facções do narcotráfico, que utilizam a região como rota internacional de cocaína.

Lincon Aguiar, do Coletivo Maparajuba, acrescentou que o garimpo de ouro se tornou um mecanismo fundamental para a lavagem de dinheiro. Lembrou ainda que o crime organizado não é novidade, com estruturas envolvendo oligarquias e políticos operando há décadas, e que a ineficácia estatal muitas vezes se deve a uma "presença associada às organizações criminosas", com a cooptação de agentes públicos.

O jornalista investigativo Hyury Potter complementou, citando que a repressão sem alternativas apenas desloca o problema, como ocorreu com garimpeiros que migraram da Terra Indígena Yanomami para as terras do povo Munduruku após operações de desintrusão.

Como alternativa central, o procurador da República Daniel Azeredo defendeu a "asfixia financeira" do crime através da retomada patrimonial. Ele criticou a inação do Brasil em reaver terras públicas apropriadas ilegalmente e citou o exemplo do Chile, que aprovou uma lei de confisco de bens sem necessidade de condenação penal final.

Mercado de carbono - O terceiro evento do dia, que teve os procuradores da República Felipe Palha, Rafael Martins e Oswaldo Poll como anfitriões pelo MPF, foi um debate sobre o mercado de carbono. O debate reuniu lideranças de povos e comunidades tradicionais, membros do sistema de justiça, pesquisadores e jornalistas.

O mercado de carbono, em suas modalidades privada e jurisdicional, foi duramente criticado e classificado como uma "falsa solução" para a crise climática. A análise, focada na implementação do mecanismo na Amazônia paraense (o sistema jurisdicional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, ou REDD+), apontou que, em vez de promover uma descarbonização real, o sistema funciona como uma licença para grandes corporações continuarem a poluir, ao mesmo tempo em que mercantiliza territórios e gera um novo ciclo de violações de direitos.

A crítica central, apresentada pela promotora de justiça Eliane Moreira, questiona a lógica fundamental do mecanismo. Ela descreveu a ideia de neutralização como uma manobra contábil que não altera o balanço de gases de efeito estufa. A promotora da Justiça também destacou a contradição da legislação brasileira, que isenta a agropecuária - responsável, junto com o desmatamento, por 75% das emissões do país - da obrigação de neutralizar, embora permita que o setor possa lucrar com a venda de créditos.

A implementação desses projetos no campo é marcada por um padrão de violações sistemáticas, começando pela ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Lideranças denunciaram que os processos são excludentes, com termos técnicos de difícil compreensão usados "exatamente para enrolar os parentes", nas palavras da liderança indígena Auricélia Arapiun.

As comunidades relataram um "modus operandi" de assédio e cooptação de lideranças, além da imposição de contratos de longo prazo, de 30 a 50 anos, com cláusulas abusivas e sigilosas. "Como hoje o povo que vive aí pode decidir pelas crianças que estão nascendo que daqui a 50 anos o carbono que está nessa floresta pertence a uma empresa americana?", questionou Verena Glass.

A estrutura governamental do REDD+ Jurisdicional no Pará também foi alvo de críticas. A criação da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (Caapp), uma sociedade de economia mista, gerou grande preocupação. Em relação à empresa, a promotora de Justiça Eliane Moreira destacou a falta de estrutura, transparência e controle social, e apontou-a como um veículo para favorecer o capital privado.

Em vez do mercado, os participantes apontaram as soluções reais para a crise climática: a demarcação de terras indígenas e quilombolas, a titulação de territórios tradicionais, o fortalecimento de políticas públicas e o financiamento direto às comunidades para que possam fortalecer suas economias e práticas sustentáveis.

Vozes ancestrais - No evento de encerramento das atividades do dia, lideranças de povos e comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana articularam a luta por justiça climática à batalha por justiça racial. O painel "Vozes ancestrais, oitivas e diálogos sobre os impactos das mudanças climáticas" posicionou essas comunidades não como vítimas passivas da crise ambiental, mas como detentoras de saberes essenciais para um futuro sustentável, denunciando a invisibilidade e a violência sistêmica que enfrentam.

Um dos eixos centrais da discussão foi a necessidade de enquadrar corretamente a violência sofrida pelas comunidades, substituindo o termo "intolerância" pela categoria jurídica de racismo religioso. "Intolerância religiosa não é uma categoria jurídica. A categoria jurídica que nós precisamos tratar é racismo religioso, que nós não estamos falando de algo que fica no campo sociológico, mas no campo jurídico", afirmou o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Sadi Machado.

O debate foi contextualizado por um recente decreto federal que reconhece os povos de matriz africana como comunidades tradicionais, eliminando dúvidas sobre o dever constitucional do MPF de atuar em sua defesa.

Os participantes ressaltaram que a luta climática é inseparável de sua existência, pois são, em essência, povos da natureza. A frase "Sem folha não há orixá", repetida por Isadora Carvalho, conselheira estadual de Igualdade Racial, sintetizou a dependência vital da biodiversidade para a continuidade de suas tradições. A destruição de florestas e a poluição de rios foram apontadas como um ataque direto à sua espiritualidade e modo de vida.

O conceito de racismo ambiental foi ilustrado com exemplos concretos. Relatos sobre o município de Santa Bárbara do Pará (PA) denunciaram a poluição de igarapés sagrados por esgoto e serrarias, com o desaparecimento completo de uma nascente em um dos terreiros. A professora Marilu Campelo destacou a vulnerabilidade territorial, com muitas comunidades situadas em áreas de risco, enquanto a expansão urbana desordenada e a gentrificação forçam a remoção de terreiros para locais sem infraestrutura, como no caso de Mãe Bete, expulsa do bairro da Terra Firme, em Belém.

Como resultado do painel, o MPF assumiu uma série de compromissos. O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Sadi Machado, anunciou a instauração de um inquérito civil para acompanhar a implementação da política nacional para povos e comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana no Pará e se comprometeu a recomendar ao governo estadual a criação de uma política similar, com consulta prévia, livre e informada.

Além disso, o MPF irá fortalecer a cooperação com a sociedade civil por meio de um grupo de trabalho permanente e realizará uma escuta pública para apurar as denúncias de racismo ambiental e religioso.

Eventos pré-COP - Membros do MPF participaram ainda da abertura do 4o Encontro Internacional de Atingidos por Barragens e Crise Climática. Realizado na sexta-feira (7). O evento reuniu mais de 200 delegados de cinco continentes para celebrar a história de luta e a articulação coletiva das populações afetadas. A cerimônia foi marcada pelo anúncio da construção do Movimento Internacional de Atingidos por Barragens e Crise Climática. Pelo MPF, participaram os procuradores da República Felipe de Moura Palha e Sadi Machado e o procurador regional da República Felício Pontes Jr, que agradeceu a existência do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

"O MPF se encarrega de uma missão muito especial, que é fazer a defesa jurídica de povos e comunidades tradicionais, ou seja, nós fazemos a defesa jurídica de atingidos e atingidas por barragens e crise climática e não há possibilidade nenhuma de o MPF fazer essa missão sem a ajuda, sem o companheirismo, sem os estudos feitos pelo MAB". Felício Pontes Jr. citou lutas históricas nas quais o MPF e o MAB atuaram juntos, como a luta por indenizações em torno da represa de Tucuruí, a luta contra a hidrelétrica de Belo Monte, a vitória contra a hidrelétrica no Tapajós, e o desafio de derrotar o projeto de destruição do Pedral do Lourenção, no Rio Tocantins.

No domingo, o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Sadi Machado, visitou a Casa da COP do Povo e conversou com o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para defensores e defensoras ambientais no âmbito do acordo de Aarhus, Michel Forst.

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