De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Questão florestal na Amazônia: entre cadeias de crimes e possibilidades de base comunitária

27/11/2025

Autor: Por Rogério Almeida

Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br



Em 2010 o professor e jornalista Felipe Milanez percorreu parte do rio Arapiuns, afluente do caudaloso Tapajós, no município de Santarém, no oeste paraense, onde predomina a presença do povo Borari. A missão residia em reportar, entre outros dramas, a extração ilegal de madeira em área denominada de Gleba Nova Olinda.

O território integra o PAE (Projeto de Assentamento Agroextrativista) Lago Grande. Apesar do reconhecimento do status territorial ter ocorrido em 2005, a titulação coletiva das terras ainda não foi efetivada.

A morosidade do processo fomenta toda ordem de problemas: grilagem de terras, extração ilegal de madeira e areia, animosidade entre os próprios moradores, construção ilegal de portos, atuação de políticos reacionários, ameaças de morte, assédio de mineradora Alcoa, assassinatos e tráfico de drogas.

Por conta da extração ilegal de madeira na comunidade, os moradores do Arapiuns, mobilizados a partir do movimento denominado de Movimento em Defesa da Vida e da Cultura do Rio Arapiuns atearam fogo em balsas carregadas de toras de árvores. As chamas arderam por três noites.

A matéria de Milanez esclarece que a motivação foi a indiferença do Estado com as pautas da comunidade. Em Arapiuns o medo e a tensão são constantes, como evidencia o caso do cacique Dadá.

O segundo cacique do povo borari Odair Jose Alves de Sousa, conhecido como Dadá, chegou a ser sequestrado e espancado. Ele integra o frágil programa de proteção à testemunha, registra Milanez. O caso de Dadá não é exceção, outros ativistas do PAE também fazem parte do programa, a exemplo de Edilson Figueira, que há mais de 10 meses vive sob escolta policial.

Assim como a presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), Ivete Bastos, que por longos 10 anos experimentou o que Figueira vivencia. Nos dias atuais, dados do STTR indicam que o PAE soma 20 pessoas ameaçadas de morte. .

O registro de Milanez publiciza algo que é recorrente em latitudes amazônicas. Até naturalizado. Ano após ano sucedem-se denúncias, operações e ações dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, Polícia Federal, Força Nacional de Segurança, entre outros agentes públicos.

As pautas recaem sobre grilagem de terras, desmatamento, ameaças e execuções de dirigentes, venda de terras públicas e outras modalidades de tramas de apropriação das riquezas locais.

Incluso neste caleidoscópio a apropriação do conhecimento tradicional em acordos precários realizados entre grandes corporações e as comunidades com vistas a realização do manejo florestal e suas equivalências, como a exploração do açaí e outras riquezas.

As imbricadas cadeias envolvem o poder público em várias instâncias, grileiros, desmatadores, cartórios, advogados, funcionários públicos desprovidos do espírito público, políticos e grandes corporações nacionais e internacionais de diferentes setores.

O ambiente é marcado por assimetrias, onde tem predominado a "lei" do mais forte. E, em certa medida, inibe os que operam conforme as normas, em particular no caso do plano de manejo florestal com certificação.

Os anos sucedem e a toada de crimes permanece e desnuda um novo maior grileiro e desmatador florestal na região. Como é o caso do grileiro Castanha, preso em 2015, no bojo da Operação Castanheira. Por uma destas sorrateiras ironias do destino, Castanha é o sobrenome do paulista Ezequiel, considerado o maior desmatador da Amazônia nos últimos anos naquele ano de 2015.

Fazendeiro e comerciante com negócios que se espraiam por terras do Pará e Mato Grosso, ele foi preso pela Polícia Federal no município de Itaituba, oeste paraense ou Baixo Amazonas.

O negociante que carrega no sobrenome o fruto da frondosa castanheira - produto de elevado valor de mercado e celebridade na alta culinária - é acusado de desmatar 5.621 hectares em unidades de conservação (UC) e em projetos de assentamento (PA) da reforma agrária em Novo Progresso, Altamira e Itaituba.

Os três municípios nos quais Castanha semeou a devastação fazem parte do eixo de integração dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso, quando a denominação da política era Avança Brasil, anos de 1990, onde a ordem do dia residia em tudo privatizar. As cidades em que Castanha operava cresceram à sombra da influência da BR 163, que liga a capital do Mato Grosso, Cuiabá à Santarém, cidade polo do oeste paraense.

E, ainda, a pressão da agricultura capitalista do centro oeste do país, marcado pelo monocultivo da soja, por obras de infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias e hidrelétricas) e pela exploração ilegal de madeireiros clandestinos em territórios já definidos como unidades de conservação, territórios indígenas, territórios quilombolas e as mais variadas modalidades de projetos de assentamentos rurais.

Nesta seara florestal, os municípios do Baixo Amazonas representam a última reserva de floresta primária do estado do Pará, em particular o mogno. A latitude é marcada por constantes tensões, e onde as instituições públicas relacionadas com o tema direta e indiretamente padecem de precariedade, falta de recurso, infraestrutura e quadro técnico insuficiente para cobrir uma extensa porção territorial.

Dados oficiais estimam em quinhentos milhões de reais o prejuízo ambiental provocado por Castanha e outras pessoas associadas a ele. A área desmatada equivale a 35 parques do Ibirapuera, em São Paulo. No período de 2006 a 2014, ele foi autuado 16 vezes pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e multado em 40 milhões de reais.

Matéria assinada por Estevão Bertoni, publicada na Folha de São Paulo em março de 2015, revela que ele é acusado de comandar uma quadrilha que grila e desmata terras da União na Amazônia, e as negocia no Sul e Sudeste do país. A matéria traz ainda informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que apontam que Castanha possui oito propriedades em nome de filhos no estado do Mato Grosso.

Operação Gênesis

O caso "Castanha" é um dos muitos crimes no mercado ilegal de terra, madeira e fraudes em planos de manejo e crédito florestais registrados no Pará no primeiro semestre dentro da Operação Gênesis. No fim de julho de 2015, o Ibama autuou cinco fazendas por desmatamento nos municípios de Paragominas e Ulianópolis. As cidades fazem parte do festejado Programa Municípios Verdes (PMV), que a partir de um pacto entre instituições públicas de diferentes esferas (municipal, estadual e federal), ONGs e a sociedade busca a redução do desmatamento na região.

No mesmo período, a empresa que controlava o maior projeto de madeira certificada (selo FSC) do mundo, a madeireira Jari Florestal S.A, localizada em Almeirim, oeste do Pará, foi multada em R$5.989 milhões e foi impedida de expedir guias florestais no sistema. A acusação sobre a madeireira é de comércio ilegal de créditos florestais.

O selo verde, como é conhecida a sigla FSC - Forest Stewardship Council - (Conselho de Manejo Florestal em português) é a certificação ambiental mais conhecida do mundo, com presença em 75 países. Representa um elemento agregador de valor a quem opera dentro da legislação.

Para viabilizar a fraude, a Jari fez parceria com a empresa fantasma com sede em Tailândia- nordeste paraense, a Madeireira Capelli. Além da lavagem de créditos, o Grupo Jari mantinha um porto numa área de preservação permanente (APP) sem licença, segundo investigações do Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a Justiça Federal. No total, a empresa que fez parte do espólio do multimilionário estadunidense Daniel Ludwig foi enquadrada por quatro crimes.

Créditos florestais representam o volume de madeira aprovado pela Autorização de Exploração (Autex). Conforme o território, o documento pode ser expedido pelo Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio) ou pelas secretarias de meio ambiente do estado.

A artimanha da Jari consistia em adquirir um plano de manejo florestal no município de Almeirim (PA), -onde mantém o projeto desde os anos de 1960-, e em seu inventário registrar espécies e formatos de madeira que não faziam parte do plano florestal. E em seguida repassar à Capelli. Na cadeia da exploração madeireira, este recurso integra o portfólio para driblar a legislação e auferir vantagens.

O papel da Capelli, para evitar o rastreamento da origem da madeira era partilhar o produto com empresas menores e pulverizar os créditos. Já para construção do porto clandestino, a Jari desmatou 3,5 mil metros quadrados.

Ribeirinhos sob a área de influência da empresa nos estados do Pará e Amapá denunciam há anos as ações da empresa em diferentes órgãos públicos, a exemplo dos moradores da Comunidade de Pilões, no Pará, que realizaram um empate em dezembro de 2014, contra a tentativa de extração de madeira em seu território.

Apesar da autuação, a empresa continuou a cometer ilegalidades na região, ladeada pelo Grupo Rosa, segundo denunciam moradores à superintendência do Ibama, em Belém, no dia 18 de agosto daquele ano. Em documento assinado por várias associações, os moradores acusam as empresas por danos ao ambiente no entorno da área de proteção ambiental Estação Ecológica do Jari. No dia 17 de setembro moradores ocuparam a ferrovia do projeto.

Sobre as acusações do Ibama, a assessoria da Jari esclareceu que não ocorreu lavagem de crédito florestal e que a empresa apresentou documentação em tempo hábil para o Instituto de Meio Ambiente. E que a responsabilidade do plano de manejo seria do senhor de nome Jovino Vilhena, que foi autuado pelo IBAMA pelo mesmo motivo e admitiu que tal transação foi de responsabilidade dele. A Jari alega que nunca manteve qualquer relação comercial com a empresa Capelli.

Contradizendo a assessoria da Jari, Paulo Maués, chefe da Divisão Técnica Ambiental do Ibama em Belém à época, esclareceu que a madeireira adquiriu o plano de manejo do senhor Vilhena, localizado na fronteira de Santarém com Juruti, e que no momento da autuação técnicos da madeireira apresentaram o contrato. Contatamos o senhor Jovino via redes sociais. O mesmo não respondeu. Numa delas, o fazendeiro mineiro radicado no Pará, celebra personalidades da ala conservadora do país.

Em 2019 a Jari perdeu a certificação FSC. Recentemente áreas consideradas como griladas, a exemplo da gleba de Santo Antônio da Cachoeira, de 965 mil hectares e a Fazenda Saracura, de 386 mil hectares foram restituídas ao estado a partir da ação do Ministério Público do Estado do Pará.

No último dia 17, na agenda da COP30, representantes da comunidade de Pilões receberam documento do poder público que reconhece a demanda para a criação de um assentamento na modalidade agroextrativista. Será o tema do próximo artigo.

https://amazoniareal.com.br/questao-florestal-na-amazonia-entre-cadeias-de-crimes-e-possibilidades-de-base-comunitaria/
 

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