De Povos Indígenas no Brasil
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Vozes indígenas na COP30: o que cada bioma exige e a urgência da demarcação
12/11/2025
Autor: Por Flávia Santos
Fonte: InfoAmazonia - https://infoamazonia.org
Mulheres da Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica apontam desafios e uma demanda comum: demarcar terras para enfrentar a crise climática.
Basta viajar para qualquer região do Brasil, um país continental diverso com mais de 200 milhões de habitantes, para perceber como sotaques, culturas e modos de vida mudam de um lugar pra outro. Com povos indígenas e tradicionais não é diferente: são mais de 391 etnias, povos ou grupos e 295 línguas indígenas em circulação, segundo o Censo de 2022.
Sendo assim, reduzir diferentes demandas em uma "pauta indígena", como se ela fosse universal, é uma estratégia política que ignora territórios, vivências e contextos importantes para essa população.
Diante dessa diversidade, a reportagem d'AzMina conversou com mulheres indígenas de diferentes biomas brasileiros. A ideia é mapear se e como a Conferência do Clima reconhece as especificidades de cada território - sem perder de vista aquilo que as une.
A desertificação na Caatinga
A indígena Karina Conceição de Carvalho, da Aldeia Tumbalálá, no município de Curuça (Bahia), defende que "a Amazônia é o coração do Brasil, mas todos os biomas estão interligados. Não dá para falar de Amazônia sem falar de Caatinga". Bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga segue às margens das pautas centrais, ainda que esteja enfrentando um processo acelerado de desertificação, como aponta o relatório "Encruzilhada Climática: Um Retrato das Desigualdades Brasileiras" da Oxfam.
Em 2024, 5.700 km² da região do Sertão do São Francisco, divisa entre Pernambuco e Bahia, tiveram o status alterado de semiárido para árido. Isso quer dizer que, hoje, a região é a mais seca do Brasil. E há forte tendência a se tornar o primeiro deserto do país, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), responsáveis pela reclassificação.
Uma das preocupações citadas por Karine é a extinção das plantas nativas da Caatinga, um dos sinais mais claros da desertificação no semiárido, clima onde o bioma está inserido. Isso significa redução de disponibilidade de água, menos produtividade agrícola, além de reforçar deslocamentos, afetando inclusive comunidades rurais, indígenas e quilombolas.
O Instituto Nacional do Semiárido aponta que, embora o clima e as condições naturais da região tenham papel importante na desertificação, o uso inadequado da terra e a pressão humana são os principais fatores que aceleram esse processo. "As atividades de agricultura intensiva, pecuária extensiva, e o desmatamento, quando feitas sem práticas sustentáveis, têm efeitos diretos na degradação do solo", reforça o Instituto.
Esse processo atinge os mais vulneráveis: 47% dos agricultores familiares e 68% da população quilombola do país (PNAD Contínua 2023), estão no Nordeste, onde o clima semiárido prepondera. Além disso, essa região apresenta índices alarmantes de pobreza (47%) e extrema pobreza (9%), conforme dados do IBGE (2024) citados pela Oxfam.
Amazônia: mulheres na linha de frente
Para Puyr Tembé, liderança indígena do povo Tembé, do Alto Rio Guamá (Pará) as demandas se intensificam quando fazemos o recorte de gênero.
Nós somos as mais impactadas com todos os problemas climáticos que o planeta está vivendo, as afetadas diretamente são as mulheres, as crianças e os nossos anciões."
Puyr Tembé, liderança indígena do povo Tembé
Na Amazônia, por exemplo, território em que habita, a maior cobertura florestal (78%), contrasta com os maiores volumes de desmatamento entre 2013 e 2023, segundo o relatório da Oxfam. Em resumo: mesmo com variações anuais, a pressão por converter floresta em área agrícola continua alta e a agricultura já toma 16% do bioma.
Segundo Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós, no Pará, o governo brasileiro, no todo, vai na contramão da própria meta do Brasil.
Não tem como fazer transição energética ao mesmo tempo em que explora o rio Amazonas e tantos outros projetos de destruição e morte que estão afetando diretamente o meio ambiente e os territórios indígenas."
Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós
Arapiun relembra a aprovação do PL da devastação, termo dado ao Projeto de Lei no 2159 de 2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil, reduz a fiscalização e, consequentemente, gera mais desmatamento. E também cita o Marco Temporal, sancionado como Lei 14.701/2023, que estabelece que a demarcação de terras indígenas se limita às terras que eram ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Para ela, essas aprovações, enquanto se discute a mineração em terras indígenas, não faz sentido.
A presença de Auricélia e de Puyr Tembé na COP tem objetivo claro. "A gente traz também para esse lugar a voz de quem sofre isso na pele, de quem sofre isso no cotidiano, de quem sofre isso na vida", defende.
A urgência de recompor florestas
Com apenas 28% de cobertura nativa e 65% de sua área dominada pela agricultura, segundo relatório da Oxfam, o bioma Mata Atlântica foca em recompor florestas, conter a pressão urbana e proteger a pesca tradicional. É o que explica Ju Kerexu, cacica da Aldeia Tekoa Takuaty, na Terra indígena Ilha da Cotinga, em Paranaguá (Paraná).
A cacica conta que existem mecanismos tradicionais que são utilizados há milênios para proteger e cuidar da Mata Atlântica, que é um exemplo de recuperação porque está, geralmente, em territórios indígenas. "Tem aldeias que têm conseguido recuperar uma área totalmente degradada. E quando a gente fala desses exemplos, falamos de luta, de resistência e como queremos mostrar que temos sofrido bem antes dessa percepção de emergências climáticas."
Embora o desmatamento tenha caído para menos de 1.000 km² nos últimos anos na Mata Atlântica (Inpe 2025), qualquer fragmentação adicional tem grande impacto ecológico, dada a degradação do bioma.
Ju, que também tem parte de seu território abrangido no bioma Pampa - com apenas 12% de vegetação nativa, segundo a Oxfam -, vê a história se repetindo. A principal luta é cuidar do que resta e tentar reverter os impactos no que ficou.
Demarcação como ponto de acordo
A defensora Val Eloy Terena, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), explica que "o Mato Grosso do Sul é um estado totalmente agro, que tem avançado com os agrotóxicos dentro dos territórios indígenas". Ela diz que essa é uma das pautas levadas à COP sobre o bioma Pantanal. Val pertence ao povo Terena, da Terra Indígena Taunay-Ipegue, município de Aquidauana.
Para ela, não existe equilíbrio climático sem justiça para os povos da floresta. "Nós mulheres estamos no coração dessa luta. Somos as guardiãs, as sementes, lideranças e articuladoras políticas. Estamos na linha de frente da defesa ambiental e por muitas vezes o mundo não nos vê", defende.
Reivindicamos ter voz e poder decisório iguais aos chefes e líderes de Estado dentro da COP30 em processo de decisão sobre o clima, território e finanças climáticas."
Val Eloy Terena, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga)
Ela destaca que já é um avanço que na COP sediada no Brasil, haja uma maior participação de povos indígenas nesse espaço, "onde tratam das nossas vidas e dos nossos territórios".
Paisagem dividida ao meio
No Cerrado, a paisagem está quase dividida ao meio: 43,8% de vegetação nativa e 47,2% de agricultura. O histórico de conversão de florestas e matas nativas em áreas agrícolas e de pecuária, mantém o desmatamento alto - cerca de 11 mil km² em 2023, acima dos 8 mil km² da Amazônia - e as taxas voltaram a subir em 2022 e 2023, indicando uma intensificação recente.
Lideranças indígenas relatam dificuldades de representação e riscos crescentes com incêndios e exploração madeireira no bioma. "Nossa maior preocupação é a madeira e o REDD+. Tem gente entrando pra cortar e vender, e não sabemos como esse dinheiro vai chegar na aldeia", resume a Vanessa Xerente, liderança em Tocantínia (Tocantins). Ela teme que se ficar na mão do governo, o montante não chegue pra quem protege o território.
O REDD+ significa a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal, conservação, manejo sustentável das florestas e aumento de estoques de carbono. Na prática: governos, comunidades e projetos evitam desmatamento ou restauram, gerem florestas; então o carbono "poupado" é medido, verificado e pode gerar pagamentos por resultado (às vezes créditos de carbono).
Vanessa conta que não conseguiu participar da COP. Foram distribuídas 50 vagas para 8 povos indígenas do Tocantins, quase 5.200 pessoas. Na Aldeia dela, 8 pessoas conseguiram ir para Belém, dentre elas, 2 mulheres.
Ponto de convergência
Ju Kexeru afirma que a principal proposta para a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é a demarcação das terras indígenas. "A luta pela demarcação de terras é o centro. Ela é a base estrutural que mantém a luta de pé".
A demarcação de terras indígenas é o procedimento administrativo pelo qual o Estado brasileiro reconhece e oficializa os territórios tradicionalmente ocupados pelos povos originários, conforme garantido pela Constituição. O processo estabelece limites precisos para essas áreas, tornando-as propriedade da União e de usufruto exclusivo das comunidades indígenas, protegendo-as juridicamente contra invasões e exploração ilegal.
Val Terena reforça que a demarcação e proteção dos territórios é a principal bandeira dos povos indígenas na COP. "Acreditamos que a demarcação de terras indígenas deve figurar como legado nesta COP30 aqui no Brasil e que o reconhecimento do papel desses territórios seja visto como parte essencial da mitigação das mudanças climáticas."
O que está em jogo na COP30
Sem a presença qualificada de quem protege e produz conhecimento sobre esses territórios, a conferência perde substância. Nas palavras de Auricélia, "se a nossa voz não for ouvida, se nós não formos reconhecidos como aqueles que protegem, como aqueles que têm a resposta para tudo que é discutido dentro das mesas de negociações, a COP não tem muito sentido."
"As aldeias têm sido amortecedoras das crises climáticas. Há solução e está dentro dos territórios e das aldeias", diz Ju Kerexu. Essa opinião é compartilhada por Puyr Tembé, que defende "o debate que a gente traz, todo o nosso conhecimento tradicional, ancestral precisa adentrar esse tempo."
O relatório "Justiça Climática Feminista", da ONU Mulheres reconhece que a atuação de mulheres indígenas é crucial na preservação ambiental e na transmissão de saberes ancestrais. E que são elas as que enfrentam mais desafios por causa das desigualdades de gênero e da sobrecarga de trabalho não remunerado.
O documento diz que "juntamente com o conhecimento científico, as políticas precisam levar em conta o conhecimento e a experiência das mulheres, inclusive das mulheres indígenas, rurais e jovens, para apoiar ações climáticas eficazes".
"Nós queremos proteger a defesa do território, queremos proteger a nossa cultura, mas também, sobretudo, garantir o futuro das nossas gerações", reforça Puyr. No fim, o recado que chega a Belém é simples: garantir território dá base para que tudo o mais funcione, do cuidado com a água e a floresta às estratégias de adaptação. Colocar a demarcação no centro é um começo possível para políticas climáticas que façam sentido no dia a dia das comunidades.
https://infoamazonia.org/2025/11/12/vozes-indigenas-na-cop30-o-que-cada-bioma-exige-e-a-urgencia-da-demarcacao/
Basta viajar para qualquer região do Brasil, um país continental diverso com mais de 200 milhões de habitantes, para perceber como sotaques, culturas e modos de vida mudam de um lugar pra outro. Com povos indígenas e tradicionais não é diferente: são mais de 391 etnias, povos ou grupos e 295 línguas indígenas em circulação, segundo o Censo de 2022.
Sendo assim, reduzir diferentes demandas em uma "pauta indígena", como se ela fosse universal, é uma estratégia política que ignora territórios, vivências e contextos importantes para essa população.
Diante dessa diversidade, a reportagem d'AzMina conversou com mulheres indígenas de diferentes biomas brasileiros. A ideia é mapear se e como a Conferência do Clima reconhece as especificidades de cada território - sem perder de vista aquilo que as une.
A desertificação na Caatinga
A indígena Karina Conceição de Carvalho, da Aldeia Tumbalálá, no município de Curuça (Bahia), defende que "a Amazônia é o coração do Brasil, mas todos os biomas estão interligados. Não dá para falar de Amazônia sem falar de Caatinga". Bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga segue às margens das pautas centrais, ainda que esteja enfrentando um processo acelerado de desertificação, como aponta o relatório "Encruzilhada Climática: Um Retrato das Desigualdades Brasileiras" da Oxfam.
Em 2024, 5.700 km² da região do Sertão do São Francisco, divisa entre Pernambuco e Bahia, tiveram o status alterado de semiárido para árido. Isso quer dizer que, hoje, a região é a mais seca do Brasil. E há forte tendência a se tornar o primeiro deserto do país, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), responsáveis pela reclassificação.
Uma das preocupações citadas por Karine é a extinção das plantas nativas da Caatinga, um dos sinais mais claros da desertificação no semiárido, clima onde o bioma está inserido. Isso significa redução de disponibilidade de água, menos produtividade agrícola, além de reforçar deslocamentos, afetando inclusive comunidades rurais, indígenas e quilombolas.
O Instituto Nacional do Semiárido aponta que, embora o clima e as condições naturais da região tenham papel importante na desertificação, o uso inadequado da terra e a pressão humana são os principais fatores que aceleram esse processo. "As atividades de agricultura intensiva, pecuária extensiva, e o desmatamento, quando feitas sem práticas sustentáveis, têm efeitos diretos na degradação do solo", reforça o Instituto.
Esse processo atinge os mais vulneráveis: 47% dos agricultores familiares e 68% da população quilombola do país (PNAD Contínua 2023), estão no Nordeste, onde o clima semiárido prepondera. Além disso, essa região apresenta índices alarmantes de pobreza (47%) e extrema pobreza (9%), conforme dados do IBGE (2024) citados pela Oxfam.
Amazônia: mulheres na linha de frente
Para Puyr Tembé, liderança indígena do povo Tembé, do Alto Rio Guamá (Pará) as demandas se intensificam quando fazemos o recorte de gênero.
Nós somos as mais impactadas com todos os problemas climáticos que o planeta está vivendo, as afetadas diretamente são as mulheres, as crianças e os nossos anciões."
Puyr Tembé, liderança indígena do povo Tembé
Na Amazônia, por exemplo, território em que habita, a maior cobertura florestal (78%), contrasta com os maiores volumes de desmatamento entre 2013 e 2023, segundo o relatório da Oxfam. Em resumo: mesmo com variações anuais, a pressão por converter floresta em área agrícola continua alta e a agricultura já toma 16% do bioma.
Segundo Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós, no Pará, o governo brasileiro, no todo, vai na contramão da própria meta do Brasil.
Não tem como fazer transição energética ao mesmo tempo em que explora o rio Amazonas e tantos outros projetos de destruição e morte que estão afetando diretamente o meio ambiente e os territórios indígenas."
Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós
Arapiun relembra a aprovação do PL da devastação, termo dado ao Projeto de Lei no 2159 de 2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil, reduz a fiscalização e, consequentemente, gera mais desmatamento. E também cita o Marco Temporal, sancionado como Lei 14.701/2023, que estabelece que a demarcação de terras indígenas se limita às terras que eram ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Para ela, essas aprovações, enquanto se discute a mineração em terras indígenas, não faz sentido.
A presença de Auricélia e de Puyr Tembé na COP tem objetivo claro. "A gente traz também para esse lugar a voz de quem sofre isso na pele, de quem sofre isso no cotidiano, de quem sofre isso na vida", defende.
A urgência de recompor florestas
Com apenas 28% de cobertura nativa e 65% de sua área dominada pela agricultura, segundo relatório da Oxfam, o bioma Mata Atlântica foca em recompor florestas, conter a pressão urbana e proteger a pesca tradicional. É o que explica Ju Kerexu, cacica da Aldeia Tekoa Takuaty, na Terra indígena Ilha da Cotinga, em Paranaguá (Paraná).
A cacica conta que existem mecanismos tradicionais que são utilizados há milênios para proteger e cuidar da Mata Atlântica, que é um exemplo de recuperação porque está, geralmente, em territórios indígenas. "Tem aldeias que têm conseguido recuperar uma área totalmente degradada. E quando a gente fala desses exemplos, falamos de luta, de resistência e como queremos mostrar que temos sofrido bem antes dessa percepção de emergências climáticas."
Embora o desmatamento tenha caído para menos de 1.000 km² nos últimos anos na Mata Atlântica (Inpe 2025), qualquer fragmentação adicional tem grande impacto ecológico, dada a degradação do bioma.
Ju, que também tem parte de seu território abrangido no bioma Pampa - com apenas 12% de vegetação nativa, segundo a Oxfam -, vê a história se repetindo. A principal luta é cuidar do que resta e tentar reverter os impactos no que ficou.
Demarcação como ponto de acordo
A defensora Val Eloy Terena, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), explica que "o Mato Grosso do Sul é um estado totalmente agro, que tem avançado com os agrotóxicos dentro dos territórios indígenas". Ela diz que essa é uma das pautas levadas à COP sobre o bioma Pantanal. Val pertence ao povo Terena, da Terra Indígena Taunay-Ipegue, município de Aquidauana.
Para ela, não existe equilíbrio climático sem justiça para os povos da floresta. "Nós mulheres estamos no coração dessa luta. Somos as guardiãs, as sementes, lideranças e articuladoras políticas. Estamos na linha de frente da defesa ambiental e por muitas vezes o mundo não nos vê", defende.
Reivindicamos ter voz e poder decisório iguais aos chefes e líderes de Estado dentro da COP30 em processo de decisão sobre o clima, território e finanças climáticas."
Val Eloy Terena, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga)
Ela destaca que já é um avanço que na COP sediada no Brasil, haja uma maior participação de povos indígenas nesse espaço, "onde tratam das nossas vidas e dos nossos territórios".
Paisagem dividida ao meio
No Cerrado, a paisagem está quase dividida ao meio: 43,8% de vegetação nativa e 47,2% de agricultura. O histórico de conversão de florestas e matas nativas em áreas agrícolas e de pecuária, mantém o desmatamento alto - cerca de 11 mil km² em 2023, acima dos 8 mil km² da Amazônia - e as taxas voltaram a subir em 2022 e 2023, indicando uma intensificação recente.
Lideranças indígenas relatam dificuldades de representação e riscos crescentes com incêndios e exploração madeireira no bioma. "Nossa maior preocupação é a madeira e o REDD+. Tem gente entrando pra cortar e vender, e não sabemos como esse dinheiro vai chegar na aldeia", resume a Vanessa Xerente, liderança em Tocantínia (Tocantins). Ela teme que se ficar na mão do governo, o montante não chegue pra quem protege o território.
O REDD+ significa a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal, conservação, manejo sustentável das florestas e aumento de estoques de carbono. Na prática: governos, comunidades e projetos evitam desmatamento ou restauram, gerem florestas; então o carbono "poupado" é medido, verificado e pode gerar pagamentos por resultado (às vezes créditos de carbono).
Vanessa conta que não conseguiu participar da COP. Foram distribuídas 50 vagas para 8 povos indígenas do Tocantins, quase 5.200 pessoas. Na Aldeia dela, 8 pessoas conseguiram ir para Belém, dentre elas, 2 mulheres.
Ponto de convergência
Ju Kexeru afirma que a principal proposta para a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é a demarcação das terras indígenas. "A luta pela demarcação de terras é o centro. Ela é a base estrutural que mantém a luta de pé".
A demarcação de terras indígenas é o procedimento administrativo pelo qual o Estado brasileiro reconhece e oficializa os territórios tradicionalmente ocupados pelos povos originários, conforme garantido pela Constituição. O processo estabelece limites precisos para essas áreas, tornando-as propriedade da União e de usufruto exclusivo das comunidades indígenas, protegendo-as juridicamente contra invasões e exploração ilegal.
Val Terena reforça que a demarcação e proteção dos territórios é a principal bandeira dos povos indígenas na COP. "Acreditamos que a demarcação de terras indígenas deve figurar como legado nesta COP30 aqui no Brasil e que o reconhecimento do papel desses territórios seja visto como parte essencial da mitigação das mudanças climáticas."
O que está em jogo na COP30
Sem a presença qualificada de quem protege e produz conhecimento sobre esses territórios, a conferência perde substância. Nas palavras de Auricélia, "se a nossa voz não for ouvida, se nós não formos reconhecidos como aqueles que protegem, como aqueles que têm a resposta para tudo que é discutido dentro das mesas de negociações, a COP não tem muito sentido."
"As aldeias têm sido amortecedoras das crises climáticas. Há solução e está dentro dos territórios e das aldeias", diz Ju Kerexu. Essa opinião é compartilhada por Puyr Tembé, que defende "o debate que a gente traz, todo o nosso conhecimento tradicional, ancestral precisa adentrar esse tempo."
O relatório "Justiça Climática Feminista", da ONU Mulheres reconhece que a atuação de mulheres indígenas é crucial na preservação ambiental e na transmissão de saberes ancestrais. E que são elas as que enfrentam mais desafios por causa das desigualdades de gênero e da sobrecarga de trabalho não remunerado.
O documento diz que "juntamente com o conhecimento científico, as políticas precisam levar em conta o conhecimento e a experiência das mulheres, inclusive das mulheres indígenas, rurais e jovens, para apoiar ações climáticas eficazes".
"Nós queremos proteger a defesa do território, queremos proteger a nossa cultura, mas também, sobretudo, garantir o futuro das nossas gerações", reforça Puyr. No fim, o recado que chega a Belém é simples: garantir território dá base para que tudo o mais funcione, do cuidado com a água e a floresta às estratégias de adaptação. Colocar a demarcação no centro é um começo possível para políticas climáticas que façam sentido no dia a dia das comunidades.
https://infoamazonia.org/2025/11/12/vozes-indigenas-na-cop30-o-que-cada-bioma-exige-e-a-urgencia-da-demarcacao/
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