From Indigenous Peoples in Brazil
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O futuro das 'terras raras' e o desafio amazônico
10/11/2025
Autor: Ismael Machado
Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br
Belém (PA) - Nas últimas décadas, as chamadas "terras raras" - um grupo de 17 elementos químicos essenciais para a produção de tecnologias de ponta - deixaram de ser uma curiosidade mineral para se tornarem protagonistas silenciosos da geopolítica global. Neodímio, lantânio, disprósio e outros nomes pouco familiares são hoje fundamentais para motores elétricos, turbinas eólicas, baterias e dispositivos eletrônicos.
Com o avanço da transição energética, o mundo depende cada vez mais desses minérios, e a disputa por seu controle já redefine alianças estratégicas, investimentos e tensões diplomáticas.
Atualmente, a China domina cerca de 60% da produção mundial e mais de 80% do refino das terras raras, um monopólio que preocupa as potências ocidentais. Estados Unidos, União Europeia e Japão buscam reduzir essa dependência, investindo em reciclagem, pesquisa e novas rotas de extração.
Nesse cenário, a América Latina, e especialmente o Brasil, desponta como peça-chave no tabuleiro mineral. O subsolo brasileiro abriga reservas expressivas ainda pouco exploradas. Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB) e a Agência Nacional de Mineração (ANM), há ocorrências significativas em Goiás, Minas Gerais e, mais recentemente, no Amazonas, em plena região amazônica.
Um dos pontos mais promissores é o Morro dos Seis Lagos, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Estudos preliminares indicam até 43 milhões de toneladas de minério, com cerca de 1,5% de óxidos de terras raras, compostos por minerais como monazita, florencita e pyrochlore. Atualmente, há mais de 5 mil requerimentos de pesquisa mineral na Amazônia Legal voltados a minérios estratégicos, dos quais pelo menos 157 tratam de terras raras, sendo mais de 100 em áreas próximas a unidades de conservação.
Esses números mostram que a Amazônia entrou definitivamente no radar da mineração tecnológica global. O apelo é evidente: num mundo que busca reduzir a dependência da China e acelerar a "transição verde", a promessa de um novo "eldorado mineral" desperta interesses de governos e corporações.
Mas há um alto custo ambiental, pois a extração de terras raras é notoriamente poluente, envolvendo processos químicos intensos e gerando rejeitos radioativos. Reproduzir esse modelo na Amazônia significaria comprometer ecossistemas únicos e comunidades inteiras em nome de um desenvolvimento que historicamente beneficia mais investidores estrangeiros do que populações locais.
Diplomacia mineral e o encontro Lula-Trump
A crescente relevância dos minerais críticos já se reflete no campo diplomático. Nos últimos meses, Lula e Donald Trump iniciaram um controverso diálogo sobre terras raras e minerais estratégicos, tema que ganhou espaço na agenda bilateral entre Brasil e Estados Unidos após os tarifaços e a questão soberania nacional (que envolvia absurdamente o julgamento de Bolsonaro).
Em outubro de 2025, os dois governos anunciaram um encontro voltado à cooperação em mineração e transição energética, buscando alinhar estratégias para suprir a demanda ocidental por esses insumos, isso enquanto o Brasil tenta projetar-se como fornecedor responsável e sustentável.
O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, confirmou que o tema fará parte das negociações, enfatizando que qualquer acordo respeitará a soberania nacional. Segundo ele, os EUA estão preocupados com o avanço da China na eletromobilidade, e o Brasil surge como parceiro estratégico, capaz de combinar desenvolvimento econômico e responsabilidade ambiental.
Durante entrevista à GloboNews, Silveira criticou países ricos que não cumprem compromissos climáticos anteriores, como os de Paris (2009) e Copenhague (2015), e elogiou a liderança de Lula nas discussões globais sobre clima e transição energética.
A COP30 e o dilema amazônico
A reaproximação (se podemos usar esse termo) entre Lula e Trump ocorre às portas da COP30, realizada em Belém (PA), no coração da Amazônia. Lula até convidou Trump a participar do evento, argumentando que o engajamento dos Estados Unidos seria essencial para o sucesso da conferência.
Ao acontecer no epicentro amazônico, a COP30 coloca o Brasil sob os holofotes como mediador entre duas agendas frequentemente conflitantes: a conservação ambiental e a exploração de recursos estratégicos.
Tudo indica que esse será um tema candente em um futuro próximo. O governo deve apresentar metas de 'mineração verde', com redução no uso de água e emissões de carbono, além de medidas de rastreabilidade e licenciamento mais rigorosas. Também está em discussão uma Política Nacional de Minerais Críticos, voltada à industrialização e fortalecimento das cadeias produtivas locais, com ênfase na Amazônia. Há que se olhar com demasiada cautela essas metas prometidas, dado o histórico brasileiro em se tratando de projetos similares.
Durante a abertura política da COP30, que reuniu mais de 40 chefes de Estado e de governo, foi anunciada a ampliação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que agora soma US$ 5,5 bilhões, com US$ 3 bilhões aportados pela Noruega. O foco do encontro é justamente a transição energética e o financiamento climático.
A COP30 deve consolidar uma nova narrativa. A dos minerais críticos como pilares da transição energética global. Mas, junto às oportunidades, vêm as contradições.
De um lado, o Brasil pode se tornar protagonista da economia verde, a nova expressão da vez; de outro, corre o risco de transformar o discurso ambiental em justificativa para uma nova corrida extrativista. Ao longo dos últimos anos em que ocorreram as COPs, especialistas sempre alertaram que, sem salvaguardas robustas e participação efetiva das comunidades locais, ações 'bem intencionadas' como a que propõe a conferência, podem revelar a hipocrisia de uma "transição" que troca o petróleo pela mineração intensiva em áreas frágeis, para ficar nesse exemplo simples.
Há expectativa de que o encontro resulte numa espécie de "Declaração de Belém", unindo compromissos de conservação dos biomas com o desenvolvimento sustentável das cadeias minerais integrando reciclagem, economia circular e proteção dos direitos indígenas. Será um documento a ser revisitado no futuro pelas gerações que virão.
Mas o fato é que o equilíbrio é e será delicado. A fronteira entre progresso e devastação nunca foi tão tênue e o palco amazônico torna essa contradição ainda mais visível.
O futuro das terras raras pode ser visto, em última instância, como um espelho do futuro da humanidade já que força a escolha entre repetir o ciclo de exaustão e degradação ou reinventar nossa relação com a natureza e a tecnologia.
No caso brasileiro, a Amazônia sempre foi mais do que um bioma. Ela é um teste moral e civilizatório, onde a história ainda está acontecendo aos nossos olhos. E o modo como o país decidir lidar com suas riquezas escondidas, diante do testemunho do mundo na COP30, dirá muito sobre o tipo de futuro que está disposto a construir.
https://amazoniareal.com.br/o-futuro-das-terras-raras-e-o-desafio-amazonico/
Com o avanço da transição energética, o mundo depende cada vez mais desses minérios, e a disputa por seu controle já redefine alianças estratégicas, investimentos e tensões diplomáticas.
Atualmente, a China domina cerca de 60% da produção mundial e mais de 80% do refino das terras raras, um monopólio que preocupa as potências ocidentais. Estados Unidos, União Europeia e Japão buscam reduzir essa dependência, investindo em reciclagem, pesquisa e novas rotas de extração.
Nesse cenário, a América Latina, e especialmente o Brasil, desponta como peça-chave no tabuleiro mineral. O subsolo brasileiro abriga reservas expressivas ainda pouco exploradas. Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB) e a Agência Nacional de Mineração (ANM), há ocorrências significativas em Goiás, Minas Gerais e, mais recentemente, no Amazonas, em plena região amazônica.
Um dos pontos mais promissores é o Morro dos Seis Lagos, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Estudos preliminares indicam até 43 milhões de toneladas de minério, com cerca de 1,5% de óxidos de terras raras, compostos por minerais como monazita, florencita e pyrochlore. Atualmente, há mais de 5 mil requerimentos de pesquisa mineral na Amazônia Legal voltados a minérios estratégicos, dos quais pelo menos 157 tratam de terras raras, sendo mais de 100 em áreas próximas a unidades de conservação.
Esses números mostram que a Amazônia entrou definitivamente no radar da mineração tecnológica global. O apelo é evidente: num mundo que busca reduzir a dependência da China e acelerar a "transição verde", a promessa de um novo "eldorado mineral" desperta interesses de governos e corporações.
Mas há um alto custo ambiental, pois a extração de terras raras é notoriamente poluente, envolvendo processos químicos intensos e gerando rejeitos radioativos. Reproduzir esse modelo na Amazônia significaria comprometer ecossistemas únicos e comunidades inteiras em nome de um desenvolvimento que historicamente beneficia mais investidores estrangeiros do que populações locais.
Diplomacia mineral e o encontro Lula-Trump
A crescente relevância dos minerais críticos já se reflete no campo diplomático. Nos últimos meses, Lula e Donald Trump iniciaram um controverso diálogo sobre terras raras e minerais estratégicos, tema que ganhou espaço na agenda bilateral entre Brasil e Estados Unidos após os tarifaços e a questão soberania nacional (que envolvia absurdamente o julgamento de Bolsonaro).
Em outubro de 2025, os dois governos anunciaram um encontro voltado à cooperação em mineração e transição energética, buscando alinhar estratégias para suprir a demanda ocidental por esses insumos, isso enquanto o Brasil tenta projetar-se como fornecedor responsável e sustentável.
O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, confirmou que o tema fará parte das negociações, enfatizando que qualquer acordo respeitará a soberania nacional. Segundo ele, os EUA estão preocupados com o avanço da China na eletromobilidade, e o Brasil surge como parceiro estratégico, capaz de combinar desenvolvimento econômico e responsabilidade ambiental.
Durante entrevista à GloboNews, Silveira criticou países ricos que não cumprem compromissos climáticos anteriores, como os de Paris (2009) e Copenhague (2015), e elogiou a liderança de Lula nas discussões globais sobre clima e transição energética.
A COP30 e o dilema amazônico
A reaproximação (se podemos usar esse termo) entre Lula e Trump ocorre às portas da COP30, realizada em Belém (PA), no coração da Amazônia. Lula até convidou Trump a participar do evento, argumentando que o engajamento dos Estados Unidos seria essencial para o sucesso da conferência.
Ao acontecer no epicentro amazônico, a COP30 coloca o Brasil sob os holofotes como mediador entre duas agendas frequentemente conflitantes: a conservação ambiental e a exploração de recursos estratégicos.
Tudo indica que esse será um tema candente em um futuro próximo. O governo deve apresentar metas de 'mineração verde', com redução no uso de água e emissões de carbono, além de medidas de rastreabilidade e licenciamento mais rigorosas. Também está em discussão uma Política Nacional de Minerais Críticos, voltada à industrialização e fortalecimento das cadeias produtivas locais, com ênfase na Amazônia. Há que se olhar com demasiada cautela essas metas prometidas, dado o histórico brasileiro em se tratando de projetos similares.
Durante a abertura política da COP30, que reuniu mais de 40 chefes de Estado e de governo, foi anunciada a ampliação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que agora soma US$ 5,5 bilhões, com US$ 3 bilhões aportados pela Noruega. O foco do encontro é justamente a transição energética e o financiamento climático.
A COP30 deve consolidar uma nova narrativa. A dos minerais críticos como pilares da transição energética global. Mas, junto às oportunidades, vêm as contradições.
De um lado, o Brasil pode se tornar protagonista da economia verde, a nova expressão da vez; de outro, corre o risco de transformar o discurso ambiental em justificativa para uma nova corrida extrativista. Ao longo dos últimos anos em que ocorreram as COPs, especialistas sempre alertaram que, sem salvaguardas robustas e participação efetiva das comunidades locais, ações 'bem intencionadas' como a que propõe a conferência, podem revelar a hipocrisia de uma "transição" que troca o petróleo pela mineração intensiva em áreas frágeis, para ficar nesse exemplo simples.
Há expectativa de que o encontro resulte numa espécie de "Declaração de Belém", unindo compromissos de conservação dos biomas com o desenvolvimento sustentável das cadeias minerais integrando reciclagem, economia circular e proteção dos direitos indígenas. Será um documento a ser revisitado no futuro pelas gerações que virão.
Mas o fato é que o equilíbrio é e será delicado. A fronteira entre progresso e devastação nunca foi tão tênue e o palco amazônico torna essa contradição ainda mais visível.
O futuro das terras raras pode ser visto, em última instância, como um espelho do futuro da humanidade já que força a escolha entre repetir o ciclo de exaustão e degradação ou reinventar nossa relação com a natureza e a tecnologia.
No caso brasileiro, a Amazônia sempre foi mais do que um bioma. Ela é um teste moral e civilizatório, onde a história ainda está acontecendo aos nossos olhos. E o modo como o país decidir lidar com suas riquezas escondidas, diante do testemunho do mundo na COP30, dirá muito sobre o tipo de futuro que está disposto a construir.
https://amazoniareal.com.br/o-futuro-das-terras-raras-e-o-desafio-amazonico/
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