“Se não temos esse cuidado com o corpo e com a natureza, vai se acabando, vai morrendo”
Olga Macuxi
Sou Iranilde Barbosa dos Santos, conhecida mais como Olga Macuxi, sou do estado de Roraima, sou membro da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima e conselheira da UMIAB (União da Amazônia Brasileira). Vim participar da Marcha!
O tema do encontro é: território, nosso corpo, nosso espírito. Para você, como é que a terra se relaciona com o corpo e com o espírito?
Olha… acho que esse tema foi muito bem pensado pelas mulheres que tiveram essa ideia de colocar este tema. Porque relacionar o corpo, o espírito com o território é um tema assim de muita importância, porque o nosso corpo está diretamente relacionado com a terra. Acho que desde que a gente nasce, né?! A gente cresce com um contato imenso com a terra/natureza (nós povos indígenas). Esse contato, esse espírito ele vem dá aquela força interior para a população indígena ter força, coragem de enfrentar problemas que nós temos em nosso dia a dia que são relacionados a terra, as grandes demarcações que estão sendo violadas pelos garimpeiros. Em Roraima, nós temos ainda uma grande devastação com os garimpeiros. Principalmente na terra dos Yanomami e também em uma outra área que não é dos Yanomami, agora dos Waiwai. Então, isso tudo vem prejudicar o corpo, a alma dessa população. E nós mulheres principalmente. Porque nós mulheres lidamos com a criança, com as meninas, com os jovens, e principalmente com o nosso corpo. Quando se fala no nosso corpo, ela vem afetar diretamente a nós mulheres. Porque se não temos esse cuidado com o corpo e com a natureza, vai se acabando, vai morrendo, de ambas as partes. Vai morrendo nós, enquanto mulher, o nosso corpo, e a natureza, porque ela vai se destruindo, e com isso, as mulheres vão ficando em uma grande doença que está nos afetando. Doenças essas como a depressão, e outros casos que outras doenças que não sabemos também.
...e quais são os maiores desafios na luta pelo território hoje?
Esse desafio pelo território hoje, no caso de Roraima, numa terra hoje demarcada. Nós temos pouca terra, estamos querendo ampliar terras que antigamente foram demarcadas em Ilhas - aqueles espaços menores que se tinha e com o aumento da população tá havendo de pedir para se ampliar ela. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que foi demarcada e homologada, a Terra Indígena São Marcos, se tem também a Terra Indígena dos Yanomami, então são terras indígenas demarcadas. Então, temos o desafio hoje de fazer com que essa terra sobreviva, de forma saudável. E como fazemos isso? Falando da Raposa Serra do Sol, que é onde onde convivo e nasci, na comunidade São Jorge que fica no município de Pacaraima. Vivi lá até uns seis, sete anos, quando vim para cidade estudar e depois retornei. Fiquei nessas idas e vindas, e por fim acompanhei o processo de demarcação. Não muito da homologação. O nosso desafio é fazer com que essa terra sobreviva sem usar o que eles usavam: os agrotóxicos, vivendo assim, saudável. Falando de uma antiga fazenda na nossa comunidade, ela é bem próxima dessa fazenda. Tá um grande deserto, as pessoas da comunidade não conseguem hoje melhorar a terra por não terem recursos financeiros. Nosso desafio é mudar isso. Temos ideias, projetos, grandes desafios mas não conseguimos por termos orçamento em pequena escala. Aguardando o hoje e os dias para vermos se os jovens terão nisso uma busca dessa mudança.
...qual a importância do protagonismo da mulher na luta pelo território?
A importância desse protagonismo das mulheres, como falei anteriormente, acho que a mulher tem mais esse contato com a terra. Ela tem esse “dom” de mexer com a terra, de lidar com a natureza. E com isso, esse desafio que ela tem é imenso. Fazendo suas coisas do seu dia a dia - caçar, pescar, colher - um enorme desafio. Ela mesma vai precisar, acho que essa grande força de ter isso… de repassar para os seus filhos, dizer para eles não entregarem isso (a terra) de mão beijada para os não indígenas ou até os indígenas mesmo - tem indígena em Roraima agora se dizendo a favor da mineração. Para as mulheres o desafio fica cada vez mais difícil. Diria assim que não sei dizer qual o grande desafio, mas diria estar difícil. Diria para essa mulheres não desistirem. Para elas estarem sempre em seu dia-a-dia querendo mudar essa realidade.
e só para finalizar, o que te traz para participar da Marcha das Mulheres Indígenas?
Há três anos que não venho ao ATL (Acampamento Terra Livre), me afastei para estudar, ser mestre em antropologia, foi um grande desafio.Sempre em mobilização com as mulheres… o meu tema foi sobre a violência com as mulheres macuxi. Isso mexeu muito comigo porque são assuntos que as pessoas têm para si, e colocar esse assunto para fora, ver as mulheres chorando ao dizer… que foram abusadas, foram violentadas… me vi doente. Voltei a participar ao evento, as mulheres. quando soube da decisão das mulheres de realizar essa primeira marcha quis participar. Começamos uma mobilização para conseguirmos passagem e conseguimos, e assim, essas 12 mulheres conseguiram participar da marcha. Queria contribuir com mais, sabendo da realidade, é nesse espaço que descobrimos como estamos as pessoas. Buscamos essa parceria para melhorar a vida das mulheres. Esse tema chamou as mulheres e me motivou muito a vim. É isso.
A entrevista acima foi registrada em 2019, durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília (DF), por Selma Gomes, Beatriz Murer, Daniele Leal, Mariana Furtado e Silvia Futada.