De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Densidade ianomâmi e humor crítico entre o céu e a terra
02/08/2014
Fonte: O Globo, Rio, p. 18
Documentos anexos
Densidade ianomâmi e humor crítico entre o céu e a terra
Mesas tiveram conhecimento indígena e balanço da carreira de Millôr
André Miranda, Guilherme Freitas, Mateus Campos, Thais Brittoe Maurício Meirelles
De Paraty
prosaeverso@oglobo.com. br
A tinta no rosto do curador da 12a edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Paulo Werneck, já deixava claro que o debate "Marcados" fugiria da dinâmica habitual do evento. No palco da Tenda dos Autores, foi a primeira vez em que a Flip recebeu um índio ianomâmi, com direito até a momentos falados em seu idioma de origem. O ineditismo coube ao pajé Davi Kopenawa, presidente da organização Hutukara Associação Yanomami. Na mesa em Paraty, na tarde de ontem, ele tratou da perseguição sofrida pelo povo indígena ao longo dos séculos: Kopenawa, ele mesmo, teria sido jurado de morte em Roraima, estado onde vive. O líder ianomâmi falou ao lado da fotógrafa Claudia Andujar, sob mediação da jornalista Eliane Brum.
A sexta-feira da Flip teve ainda momentos bem-humorados, com destaque para mais uma mesa sobre o homenageado desta edição, Millôr Fernandes, com a participação de Cássio Loredano, Claudius e Sérgio Augusto, e outra que reuniu o paquistanês Mohsin Hamid e o paulistano Antonio Prata.
A expectativa maior, porém, era mesmo por Kopenawa, autor de "A queda do céu", livro assinado em conjunto com o antropólogo Bruce Albert, já lançado em francês e em inglês, e cuja tradução para o português sairá no ano que vem pela Companhia das Letras. Ele e Claudia foram bastante aplaudidos quando apareceram no palco da Flip. A mesa foi a primeira de duas programadas na festa para debater a questão indígena - a outra acontecerá hoje, às 17h15m, com os antropólogos Eduardo Viveiros de Castro e Beto Ricardo.
As primeiras palavras de Kopenawa foram em ianomâmi, logo em seguida traduzidas para o português pelo próprio debatedor.
- Somos a nação ianomâmi, moramos há muitos anos na fronteira do Brasil e da Venezuela. Eu agradeço que vocês me deixem entrar aqui, na sua casa - disse Kopenawa. - No livro, eu queria mostrar a sabedoria do povo ianomâmi, para vocês, os não índio, não pensarem que a gente não sabe de nada. O povo ianomâmi é muito rico de história. Não é rico de dinheiro, de carro, de avião. É rico de conhecimento da nossa floresta amazônica.
Parte das palavras de Kopenawa foram transformadas em imagens por Claudia, fotógrafa nascida na Suíça, mas radicada no Brasil desde a década de 1950. Fotos suas, inéditas, foram editadas num vídeo intitulado "O desabamento do céu", apresentado nos telões da Tenda dos Autores.
- Há uma mitologia ianomâmi que fala que o ser humano tem que respeitar a vida, manter uma harmonia para a Terra funcionar - disse Claudia. - O céu, em cima da terra em que nós vivemos, vai cair. E tudo vai acabar. Vai ser o fim do mundo. E muitos desses seres daqui vão desaparecer.
O desenrolar da mesa foi um pouco prejudicado pela dificuldade de Kopenawa em compreender as perguntas de Eliane Brum - em vários momentos ela teve que ser ajudada por Claudia. Também havia uma expectativa para que o líder ianomâmi comentasse os atentados de morte que vêm sofrendo, mas o assunto ficou restrito à introdução da mediadora. Kopenawa, porém, falou sobre a ação predatória dos não índios na natureza.
- Vocês, moradores daqui, no beira-mar, quero que vocês saibam o que aconteceu com o povo indígena no Brasil. O homem da cidade matou, estragou nossos rios, cortou a floresta, raspou a terra e trouxe doenças - disse Kopenawa. - Paraty era lugar de nossos parentes indígenas, os guarani. Os não índio chegam em terras indígenas e derrubam tudo o que nós temos. Agora é hora de vocês se levantarem e cobrarem o erro do homem.
Já em outras mesas, a densidade do discurso de Kopenawa foi substituída por humor, leveza e ironia mesmo em assuntos delicados. A carreira na imprensa de Millôr Fernandes foi o tema do encontro "O guru do Méier". O debate reuniu o cartunista Claudius, o jornalista Sérgio Augusto e o caricaturista Cássio Loredano, colunista do GLOBO, com mediação do jornalista Hugo Sukman. Amigos e admiradores de Millôr, os três convidados falaram sobre as inovações lançadas pelo escritor e desenhista em "O Cruzeiro", "Pif-Paf" e "Pasquim" e sobre sua ironia e combatividade.
Ele era muito corajoso. E perigoso, em vários aspectos, sobretudo o político. A estatura que Millôr tem hoje se deve ao fato de ter sido por décadas o vigia dos gerentes da coisa pública. O tamanho do escritor e do desenhista, o futuro dirá - disse Loredano.
Em outro bom momento da Flip, a mesa "Livre como um táxi" contou com a presença de Mohsin Hamid e Antonio Prata, que utilizaram política, literatura e até a MPB como fio condutor para o bate-papo. O público presente em Paraty viu ainda o jornalista americano Andrew Solomon ser muito aplaudido pela plateia ao falar, numa entrevista conduzida pelo também jornalista Otávio Frias Filho, sobre seu estudo sobre a depressão. E Michael Pollan divertiu o público numa mesa sobre alimentação saudável mediada por Paulo Werneck.
O Globo, 02/08/2014, Rio, p. 18
Mesas tiveram conhecimento indígena e balanço da carreira de Millôr
André Miranda, Guilherme Freitas, Mateus Campos, Thais Brittoe Maurício Meirelles
De Paraty
prosaeverso@oglobo.com. br
A tinta no rosto do curador da 12a edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Paulo Werneck, já deixava claro que o debate "Marcados" fugiria da dinâmica habitual do evento. No palco da Tenda dos Autores, foi a primeira vez em que a Flip recebeu um índio ianomâmi, com direito até a momentos falados em seu idioma de origem. O ineditismo coube ao pajé Davi Kopenawa, presidente da organização Hutukara Associação Yanomami. Na mesa em Paraty, na tarde de ontem, ele tratou da perseguição sofrida pelo povo indígena ao longo dos séculos: Kopenawa, ele mesmo, teria sido jurado de morte em Roraima, estado onde vive. O líder ianomâmi falou ao lado da fotógrafa Claudia Andujar, sob mediação da jornalista Eliane Brum.
A sexta-feira da Flip teve ainda momentos bem-humorados, com destaque para mais uma mesa sobre o homenageado desta edição, Millôr Fernandes, com a participação de Cássio Loredano, Claudius e Sérgio Augusto, e outra que reuniu o paquistanês Mohsin Hamid e o paulistano Antonio Prata.
A expectativa maior, porém, era mesmo por Kopenawa, autor de "A queda do céu", livro assinado em conjunto com o antropólogo Bruce Albert, já lançado em francês e em inglês, e cuja tradução para o português sairá no ano que vem pela Companhia das Letras. Ele e Claudia foram bastante aplaudidos quando apareceram no palco da Flip. A mesa foi a primeira de duas programadas na festa para debater a questão indígena - a outra acontecerá hoje, às 17h15m, com os antropólogos Eduardo Viveiros de Castro e Beto Ricardo.
As primeiras palavras de Kopenawa foram em ianomâmi, logo em seguida traduzidas para o português pelo próprio debatedor.
- Somos a nação ianomâmi, moramos há muitos anos na fronteira do Brasil e da Venezuela. Eu agradeço que vocês me deixem entrar aqui, na sua casa - disse Kopenawa. - No livro, eu queria mostrar a sabedoria do povo ianomâmi, para vocês, os não índio, não pensarem que a gente não sabe de nada. O povo ianomâmi é muito rico de história. Não é rico de dinheiro, de carro, de avião. É rico de conhecimento da nossa floresta amazônica.
Parte das palavras de Kopenawa foram transformadas em imagens por Claudia, fotógrafa nascida na Suíça, mas radicada no Brasil desde a década de 1950. Fotos suas, inéditas, foram editadas num vídeo intitulado "O desabamento do céu", apresentado nos telões da Tenda dos Autores.
- Há uma mitologia ianomâmi que fala que o ser humano tem que respeitar a vida, manter uma harmonia para a Terra funcionar - disse Claudia. - O céu, em cima da terra em que nós vivemos, vai cair. E tudo vai acabar. Vai ser o fim do mundo. E muitos desses seres daqui vão desaparecer.
O desenrolar da mesa foi um pouco prejudicado pela dificuldade de Kopenawa em compreender as perguntas de Eliane Brum - em vários momentos ela teve que ser ajudada por Claudia. Também havia uma expectativa para que o líder ianomâmi comentasse os atentados de morte que vêm sofrendo, mas o assunto ficou restrito à introdução da mediadora. Kopenawa, porém, falou sobre a ação predatória dos não índios na natureza.
- Vocês, moradores daqui, no beira-mar, quero que vocês saibam o que aconteceu com o povo indígena no Brasil. O homem da cidade matou, estragou nossos rios, cortou a floresta, raspou a terra e trouxe doenças - disse Kopenawa. - Paraty era lugar de nossos parentes indígenas, os guarani. Os não índio chegam em terras indígenas e derrubam tudo o que nós temos. Agora é hora de vocês se levantarem e cobrarem o erro do homem.
Já em outras mesas, a densidade do discurso de Kopenawa foi substituída por humor, leveza e ironia mesmo em assuntos delicados. A carreira na imprensa de Millôr Fernandes foi o tema do encontro "O guru do Méier". O debate reuniu o cartunista Claudius, o jornalista Sérgio Augusto e o caricaturista Cássio Loredano, colunista do GLOBO, com mediação do jornalista Hugo Sukman. Amigos e admiradores de Millôr, os três convidados falaram sobre as inovações lançadas pelo escritor e desenhista em "O Cruzeiro", "Pif-Paf" e "Pasquim" e sobre sua ironia e combatividade.
Ele era muito corajoso. E perigoso, em vários aspectos, sobretudo o político. A estatura que Millôr tem hoje se deve ao fato de ter sido por décadas o vigia dos gerentes da coisa pública. O tamanho do escritor e do desenhista, o futuro dirá - disse Loredano.
Em outro bom momento da Flip, a mesa "Livre como um táxi" contou com a presença de Mohsin Hamid e Antonio Prata, que utilizaram política, literatura e até a MPB como fio condutor para o bate-papo. O público presente em Paraty viu ainda o jornalista americano Andrew Solomon ser muito aplaudido pela plateia ao falar, numa entrevista conduzida pelo também jornalista Otávio Frias Filho, sobre seu estudo sobre a depressão. E Michael Pollan divertiu o público numa mesa sobre alimentação saudável mediada por Paulo Werneck.
O Globo, 02/08/2014, Rio, p. 18
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