De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Indígenas do Médio Purus lutam pela valorização da língua nativa
11/08/2014
Autor: Adriana Huber Azevedo e Oiara Bonilla
Fonte: Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br
Entre os dias 16 e 18 de julho de 2014 aconteceu o Primeiro Campeonato na Língua Paumari na Terra Indígena do Lago Marahã, no Amazonas. Concebido pelos próprios Paumari e realizado pela Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP) e pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Campeonato reuniu umas 300 pessoas em uma competição linguística que opôs times das oito aldeias da Terra Indígena. Os times enfrentaram o desafio de contar e ilustrar uma história em Paumari, sem recorrer a nenhum termo em português. A história vencedora será futuramente transformada em desenho animado inteiramente produzido na língua indígena e legendado em português. A ideia é justamente interessar as mais novas gerações e reconectá-las com as gerações mais velhas que ainda usam a língua e as tradições nativas. Em clima de festa, o campeonato foi um grande sucesso e permitiu um importante entrosamento inter-geracional. O Campeonato na Língua Paumari é uma das ações que os povos indígenas do Médio Purus estão empreendendo para a defesa e revitalização de suas línguas e culturas.
Os povos Apurinã e Paumari, principalmente, enfrentam hoje uma situação difícil. Historicamente, estes dois povos estiveram mais expostos às frentes de colonização e exploração luso-brasileiras que penetraram na região por via fluvial. Há mais de um século, em suas intensas relações com os não-indígenas, os Apurinã e Paumari adotaram o português como segunda língua. "Somos e queremos continuar sendo um povo bilíngue " afirmam hoje os Paumari.
Mas na década de 2000, com a municipalização da educação indígena, foram introduzidos os livros e manuais didáticos nacionais concebidos nas capitais do país e o português passou a ser a língua escolar nas aldeias (mesmo se oficialmente diz-se que a língua indígena é ensinada até o 4o ano do ensino fundamental), impondo também a necessidade do acompanhamento pelos alunos de um calendário fixo e de uma progressão linear em função do currículo escolar nacional. Esse calendário acaba restringindo a possibilidade das famílias se dedicarem as atividades produtivas (como plantações nas praias, no verão, abertura de roçados, caçadas, etc.) e, portanto, limitando a transmissão de conhecimento tradicional entre as gerações.
As escolas indígenas que, no caso dos Paumari e da maioria dos outros povos do Médio Purus, tinham sido criadas na década de 60 pelos missionários do Summer Institute of Linguistics e contavam com materiais didáticos nas línguas indígenas (ainda que em muitos casos não se baseassem num princípio de respeito à diversidade de saberes e definições do que é "conhecimento") passaram a ser substituídas por escolas municipais administradas pelas SEMED. Mesmo que o discurso do governo e os textos programáticos por ele produzidos naquela época (entre eles o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, publicado em 1998 pelo MEC) prometessem que as novas escolas indígenas seriam "específicas e diferenciadas", "bilíngues e interculturais", a sua instituição oficial resultou na demissão da maioria dos professores formados pela missão, alfabetizados na sua língua materna; na escolha de novos professores cuja formação através do curso Pirayawara se deu quase integralmente em português (e muitas vezes de forma incompleta e intermitente); na contratação de professores não indígenas que após alguns anos chegaram a ocupar 52% das vagas de professores nas comunidades; e na substituição das cartilhas na língua por manuais nacionais. Devido à baixíssima qualidade do ensino nas aldeias - incapaz tanto de produzir pessoas letradas nas línguas indígenas, como de prover conhecimentos sólidos em português - muitas famílias optaram por migrar para a cidade de Lábrea, em busca de um ensino melhor.
Edilson Rosário Paumari é um destes jovens que deixou sua aldeia, ainda na adolescência, em busca de uma educação de qualidade. Estudou primeiro no Mato Grosso e, segundo suas próprias palavras, passou a "não falar mais" sua língua por se "sentir inferior". Mas depois de algum tempo, ao assistir umas palestras sobre língua e cultura, percebeu que, como indígena, deveria dar valor às tradições do seu povo. Ele relata que em Lábrea, constatou que muitos parentes só falavam o português, e que não havia aulas na língua. Foi então que, com outros estudantes indígenas (em sua grande maioria Paumari e Apurinã), fundou o Movimento dos Estudantes Indígenas de Lábrea (MEIL) com o apoio da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP) e passou a lutar pelos direitos dos alunos indígenas a um ensino bilíngue. Em 2010, começou a dar aulas de língua paumari a 43 alunos moradores da cidade numa sala cedida pela Escola Municipal Francisca Mendes, nas quartas-feiras à noite e nos sábados.
Essas aulas incluem alfabetização na língua, assim como diversas atividades ligadas à transmissão de conhecimento do povo: oficinas de artesanato, de pintura corporal e cantos. Um ano mais tarde, a SEMED contratou ele e Francisco Apurinã, que também passou a lecionar para uma turma de 33 alunos indígenas. O programa foi chamado "Programa Sou Bilíngüe Intercultural Médio Purus", e seus idealizadores escolheram o pássaro japiim como mascote: esse pássaro simboliza e personifica o movimento pela revitalização das línguas indígenas, porque "ele sabe falar muitas línguas" (imitar o canto dos outros pássaros) "sem nunca perder seu próprio canto".
O Programa Sou Bilíngue tem apresentado bons resultados em Lábrea considerando que, em quatro anos, várias crianças e adultos foram alfabetizados no idioma e conseguem produzir e apresentar oralmente pequenos textos sobre assuntos diversos. Mas sua continuidade depende agora fundamentalmente de um apoio contínuo, financeiro e institucional, por parte das instancias municipais e nacionais, assim como de sua oficialização curricular. Além disso, a Federação indígena está planejando sua ampliação para os outros cinco municípios do Purus (Canutama e Tapauá, cidades onde também há uma população indígena urbana importante, assim como Pauini, Boca do Acre e Beruri). A FOCIMP também pretende incentivar iniciativas como as do Campeonato na língua, que possam abranger outros povos para contribuir para a valorização e a perpetuação das línguas e culturas indígenas do Médio Purus.
http://amazoniareal.com.br/indigenas-do-medio-purus-iniciam-luta-pela-valorizacao-das-linguas-nativas/
Os povos Apurinã e Paumari, principalmente, enfrentam hoje uma situação difícil. Historicamente, estes dois povos estiveram mais expostos às frentes de colonização e exploração luso-brasileiras que penetraram na região por via fluvial. Há mais de um século, em suas intensas relações com os não-indígenas, os Apurinã e Paumari adotaram o português como segunda língua. "Somos e queremos continuar sendo um povo bilíngue " afirmam hoje os Paumari.
Mas na década de 2000, com a municipalização da educação indígena, foram introduzidos os livros e manuais didáticos nacionais concebidos nas capitais do país e o português passou a ser a língua escolar nas aldeias (mesmo se oficialmente diz-se que a língua indígena é ensinada até o 4o ano do ensino fundamental), impondo também a necessidade do acompanhamento pelos alunos de um calendário fixo e de uma progressão linear em função do currículo escolar nacional. Esse calendário acaba restringindo a possibilidade das famílias se dedicarem as atividades produtivas (como plantações nas praias, no verão, abertura de roçados, caçadas, etc.) e, portanto, limitando a transmissão de conhecimento tradicional entre as gerações.
As escolas indígenas que, no caso dos Paumari e da maioria dos outros povos do Médio Purus, tinham sido criadas na década de 60 pelos missionários do Summer Institute of Linguistics e contavam com materiais didáticos nas línguas indígenas (ainda que em muitos casos não se baseassem num princípio de respeito à diversidade de saberes e definições do que é "conhecimento") passaram a ser substituídas por escolas municipais administradas pelas SEMED. Mesmo que o discurso do governo e os textos programáticos por ele produzidos naquela época (entre eles o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, publicado em 1998 pelo MEC) prometessem que as novas escolas indígenas seriam "específicas e diferenciadas", "bilíngues e interculturais", a sua instituição oficial resultou na demissão da maioria dos professores formados pela missão, alfabetizados na sua língua materna; na escolha de novos professores cuja formação através do curso Pirayawara se deu quase integralmente em português (e muitas vezes de forma incompleta e intermitente); na contratação de professores não indígenas que após alguns anos chegaram a ocupar 52% das vagas de professores nas comunidades; e na substituição das cartilhas na língua por manuais nacionais. Devido à baixíssima qualidade do ensino nas aldeias - incapaz tanto de produzir pessoas letradas nas línguas indígenas, como de prover conhecimentos sólidos em português - muitas famílias optaram por migrar para a cidade de Lábrea, em busca de um ensino melhor.
Edilson Rosário Paumari é um destes jovens que deixou sua aldeia, ainda na adolescência, em busca de uma educação de qualidade. Estudou primeiro no Mato Grosso e, segundo suas próprias palavras, passou a "não falar mais" sua língua por se "sentir inferior". Mas depois de algum tempo, ao assistir umas palestras sobre língua e cultura, percebeu que, como indígena, deveria dar valor às tradições do seu povo. Ele relata que em Lábrea, constatou que muitos parentes só falavam o português, e que não havia aulas na língua. Foi então que, com outros estudantes indígenas (em sua grande maioria Paumari e Apurinã), fundou o Movimento dos Estudantes Indígenas de Lábrea (MEIL) com o apoio da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP) e passou a lutar pelos direitos dos alunos indígenas a um ensino bilíngue. Em 2010, começou a dar aulas de língua paumari a 43 alunos moradores da cidade numa sala cedida pela Escola Municipal Francisca Mendes, nas quartas-feiras à noite e nos sábados.
Essas aulas incluem alfabetização na língua, assim como diversas atividades ligadas à transmissão de conhecimento do povo: oficinas de artesanato, de pintura corporal e cantos. Um ano mais tarde, a SEMED contratou ele e Francisco Apurinã, que também passou a lecionar para uma turma de 33 alunos indígenas. O programa foi chamado "Programa Sou Bilíngüe Intercultural Médio Purus", e seus idealizadores escolheram o pássaro japiim como mascote: esse pássaro simboliza e personifica o movimento pela revitalização das línguas indígenas, porque "ele sabe falar muitas línguas" (imitar o canto dos outros pássaros) "sem nunca perder seu próprio canto".
O Programa Sou Bilíngue tem apresentado bons resultados em Lábrea considerando que, em quatro anos, várias crianças e adultos foram alfabetizados no idioma e conseguem produzir e apresentar oralmente pequenos textos sobre assuntos diversos. Mas sua continuidade depende agora fundamentalmente de um apoio contínuo, financeiro e institucional, por parte das instancias municipais e nacionais, assim como de sua oficialização curricular. Além disso, a Federação indígena está planejando sua ampliação para os outros cinco municípios do Purus (Canutama e Tapauá, cidades onde também há uma população indígena urbana importante, assim como Pauini, Boca do Acre e Beruri). A FOCIMP também pretende incentivar iniciativas como as do Campeonato na língua, que possam abranger outros povos para contribuir para a valorização e a perpetuação das línguas e culturas indígenas do Médio Purus.
http://amazoniareal.com.br/indigenas-do-medio-purus-iniciam-luta-pela-valorizacao-das-linguas-nativas/
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