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Sobreposição de terras atrasa projetos de crédito de carbono no país

30/06/2025

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/



Sobreposição de terras atrasa projetos de crédito de carbono no país
Instituto identifica irregularidades em um terço dos contratos. Startup monitora territórios para aumentar transparência

Lucas Altino

30/06/2025

Setor com imenso potencial no Brasil, aliando geração de renda e conservação florestal, o mercado de crédito de carbono esbarra em gargalos importantes, como regulamentação, regularização fundiária e disponibilidade de dados cartográficos. Por isso, iniciativas lançadas recentemente monitoram e fazem análises territoriais, a fim de tornar esse mercado mais transparente e seguro tanto para proprietários quanto para populações tradicionais, especialmente da Amazônia.

Nos cartórios brasileiros, existem 650 mil km2 - área igual ao estado de Minas Gerais - a mais do que existe na realidade, por causa da sobreposição de títulos de propriedade. Considerando o Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento de controle fundiário de proprietários de terra, a discrepância é ainda maior: 1,2 milhão km2, o dobro de "área extra", do tamanho do Pará ou da Colômbia.

No início do ano, a ONG Idesam, com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS), lançou o Painel de Carbono Florestal, que mapeia as iniciativas de crédito de carbono no país. Até aqui, foram identificados 175 projetos, e cerca de um terço (62) tem algum indício de sobreposição de terras.

Para o levantamento, o painel usou dados da Verra, principal certificadora de créditos de carbono do mundo, com outras bases e mapas, do governo federal e do MapBiomas. André Vianna, diretor técnico do Idesam, explica que foi possível verificar quando há áreas certificadas dentro de Unidades de Conservação (UC) ou Terras Indígenas (TI).

Sem um aprofundamento dos dados, não é possível afirmar que se trata de grilagens, mas os indícios demandam investigação, afirma Vianna. Ele diz que há dois tipos de sobreposições: só na borda dos territórios, o que aumenta chance de erros, ou em áreas de mais de 10 quilômetros:

- Indica que é necessário ter olhar mais atento, tanto da certificadora quanto dos órgãos competentes, para saber se é tentativa de grilagem ou erro inocente. Existem casos de UC onde é permitida propriedade privada, ou áreas em disputa judicial, mas que ainda não houve atualização do mapa. Por outro lado, já houve fraudes graves, como no esquema investigado pela PF em Lábrea, no Amazonas (a polícia prendeu um empresário que gerava créditos de carbono em áreas da União).

Outro problema foi o alijamento de comunidades tradicionais do mercado de carbono. Dos 175 projetos mapeados, apenas 11 são dos chamados territórios coletivos, que podem ser indígenas, quilombolas ou assentamentos.

Um dos principais obstáculos é o alto custo para botar de pé um projeto. A estimativa é que o processo de certificação de créditos REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) custe por volta de R$ 1 milhão.

Contratos assim, explica Vianna, podem ser feitos pelas próprias associações ou por governos estaduais - Pará e Amazonas já vêm fazendo - o que demanda regras claras para redistribuição do dinheiro.

- As áreas sob gestão de povos tradicionais são muito relevantes, mas eles não conseguem acessar esse mercado - diz Vianna, acrescentando que governos vêm tomando a frente de contratos sobre territórios coletivos para depois repassar os recursos.

Faltam dados geográficos
A startup Jusmapp oferece consultorias para proprietários ou empresas que desejam vender créditos de carbono. O trabalho consiste em fazer análise e monitoramento estratégico jurídico-territorial das áreas.

Luiz Ugeda, geógrafo, advogado e fundador da Jusmapp, afirma que, o mais comum é encontrar sobreposição de terras, como proprietários que não tenham percebido pedidos de bloqueio da Agência Nacional de Mineração (ANM) dentro da terra, ou áreas de proteção ambiental.

- Não adianta medir a redução de emissões de gases de efeito estufa em uma árvore se não sabe quem é o proprietário da terra -diz Ugeda, que vê necessidade de um órgão centralizador para o mercado.

A origem desse problema está na falta de regulamentação, e de dados geográficos e cartográficos, diz Ugeda. Por isso, ele critica a recente aprovação, na Câmara dos Deputados, do adiamento do prazo para proprietários georreferenciarem suas terras. Ele cita a Indonésia como caso de sucesso, por ter um "mapa único". O governo controla dados cartográficos, especialmente na área rural.

- O Brasil está no escuro em relação a essas políticas públicas. País que não se mapeia, não se conhece. E assim muitos abusos podem acontecer. Hoje existe vulnerabilidade grande de populações tradicionais porque os sistemas de mapeamento não dialogam, como o da Funai , do ICmbio, da Embrapa - explica Ugeda, que acrescenta o risco da insegurança territorial afetar negociações internacionais. - Carbono é uma commodity. Se não respeitar as regras, não exporta. Há um desafio porque o Brasil não tem sistemas de rastreamento confiáveis e não produz provas para atender ao padrão europeu.

Especialistas destacam desafios
Maria Netto, diretora executiva do ICS, explica que o potencial do mercado de carbono no Brasil ainda é limitado pelas incertezas jurídicas. Mas ela frisa que o problema não é o carbono, e sim os problemas envolvendo qualquer atividade produtiva na Amazônia.

- A questão da distribuição de terras precisa ser muito bem institucionalizada e resolvida. O potencial do mercado de carbono pode ser muito alto. Ele não é uma bala de prata, mas é uma das formas que a gente tem para promover o descarbonização. E essa regulamentação precisa considerar institucionalidade, infraestrutura de mercado, incluindo mercado voluntário, e criar uma governança que permita transparência.

Juliana Coelho Marcussi, Gerente de Políticas Climáticas e Mercados de Carbono na LACLIMA, diz que o governo federal precisa acelerar a construção de um sistema de governança.

- Órgãos precisam ser instituídos, servidores precisam ser capacitados e sistemas procedimentais ser implementados, assim como as regras de funcionamento doméstico - diz Marcussi, que acrescenta a importância de disseminar conhecimento sobre esse mercado. - Apresentar as oportunidades que os mercados de carbono trazem é um incentivo à descarbonização.

https://oglobo.globo.com/brasil/cop-30-amazonia/noticia/2025/06/30/sobreposicao-de-terras-atrasa-projetos-de-credito-de-carbono-no-pais.ghtml
 

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