De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Indígenas e quilombolas temem impacto do PL do licenciamento ambiental
02/08/2025
Fonte: FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/08/indigenas-e-quilombolas-temem-impacto-do-pl-do-
Indígenas e quilombolas temem impacto do PL do licenciamento ambiental
Mudança na legislação pode excluir 1/3 das terras indígenas e 80% das quilombolas da proteção ambiental, aponta levantamento de ONG
Geovana Oliveira
São Paulo
2.ago.2025 às 11h00
A comunidade indígena São Francisco está em processo de demarcação na região da Volta Grande do Xingu, no Pará. Ela pode precisar ser realocada se for aprovado o licenciamento ambiental da empresa canadense Belo Sun para o que viria ser a maior mina de ouro da história do Brasil. A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), envolvida no processo de licenciamento, pediu estudos específicos sobre o impacto do empreendimento.
Conforme o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, porém, a comunidade de São Francisco e sua possível remoção não precisariam constar no processo de licenciamento para a mina de ouro. Isso porque a atuação da Funai e a avaliação de impacto sobre as comunidades tradicionais seria restringida a terras indígenas homologadas -assim como, no caso dos quilombolas, a terras tituladas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Uma nota técnica da ONG ISA (Instituto Socioambiental) aponta que, se sancionado o PL, ao menos 33% das terras indígenas e 80% das terras quilombolas seriam excluídas dos licenciamentos ambientais no país por estarem ainda em processo para homologação e titulação.
O número pode ser maior devido a outras restrições. O PL limita a participação das autoridades responsáveis por comunidades tradicionais à presença de terras indígenas ou quilombolas em um raio de 8 km do impacto direto do empreendimento.
Além disso, a proposta estipula prazos curtos para a manifestação das autoridades e torna sua participação não vinculante à decisão sobre a legislação ambiental -ou seja, se a Funai ou o Incra afirmarem que um projeto impactará sobremaneira direitos constitucionais indígenas ou quilombolas, o licenciador pode ignorar.
O presidente Lula (PT) tem até o final desta semana para vetar ou sancionar o projeto de lei.
No caso da mina de ouro na Volta Grande do Xingu, onde a comunidade São Francisco está há 600 metros do que seria a barragem de rejeitos, as terras indígenas Paquiçamba e Arara, a cerca de 10 km do empreendimento, mesmo homologadas, também não seriam consideradas.
"O que aconteceria é uma invisibilização completa dos povos indígenas que vão ser marcados por esse empreendimento", diz Ana Carolina Alfinito, consultora jurídica da ONG Amazon Watch no Brasil.
O licenciamento ambiental considera, além da proteção ambiental, os direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e de proteção às culturas, segundo a nota técnica do ISA. "Há tempos, o STF reconhece a relação de interdependência entre a proteção ambiental e diversos outros direitos fundamentais. Tal entendimento é respaldado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos", diz o documento.
O projeto para uma mina de ouro na Volta Grande do Xingu, chamado Projeto Volta Grande, está em processo de licenciamento desde 2012. A região, onde fica a Usina de Belo Monte, é ocupada tradicionalmente tanto por indígenas aldeados quanto por comunidades não aldeadas.
O empreendimento prevê, por um período mínimo de 12 anos, duas minas a céu aberto com extração de 6 toneladas de ouro por ano e um faturamento final de cerca de R$ 60 bilhões.
Para isso, haveria uma barragem com capacidade para armazenar 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos químicos de mineração, um depósito de explosivos, um aterro sanitário e uma estação de abastecimento de combustíveis, além de alojamentos e estradas.
ONGs ambientalistas, indigenistas e as comunidades que habitam o local temem a contaminação e a redução da disponibilidade hídrica, poluição sonora e do ar, devido às explosões, e desmatamento.
Em 2023, um relatório da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) sobre o empreendimento demonstrou preocupação com a segurança alimentar das comunidades indígenas e ribeirinhas da região. "Dependem diretamente da floresta e do rio para cultivar alimentos, pescar, realizar extrativismo florestal e conseguir manter suas culturas, organizações sociais e modos de vida tradicionais", diz o relatório.
A empresa Belo Sun iniciou o processo de licenciamento sem comunicar a Funai. A fundação só soube do caso meses depois, alertada por uma comunidade. Diante disso, elaborou um Termo de Referência exigindo a realização de um Estudo de Componente Indígena (ECI), necessário para avaliar os impactos.
Apesar da exigência, o órgão estadual emitiu a licença prévia e, posteriormente, a licença de instalação sem que o estudo fosse realizado. Como resposta, o Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública argumentando que as licenças foram concedidas sem os estudos exigidos e sem a consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas.
A ação resultou na suspensão do licenciamento, que permanece paralisado até hoje, já que a Funai entende que a Belo Sun não cumpriu os requisitos estabelecidos e haveria também a necessidade de realocamento de agricultores assentados pela reforma agrária.
Segundo Alfinito, se o PL estivesse vigente, esse processo seria mais difícil, uma vez que a lei não consideraria a participação da Funai para as comunidades indígenas não homologadas nem para as homologadas, uma vez que essas estão uma distância maior de 8 km do empreendimento. O prazo de resposta para a fundação também seria menor.
"A gente ainda está meio atordoado, como se [o PL] fosse um coco caindo na cabeça", diz a ribeirinha Ana Laíde Barbosa, representante do Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Ela teme que a flexibilização dificulte a defesa do território.
Além da invisibilização das comunidades tradicionais, os especialistas afirmam que o PL também reduz a possibilidade de exigência de condicionantes ambientais para resguardar as áreas protegidas.
"Isso isenta o empreendedor na implementação de diversas medidas importantes, por exemplo, para combate de desmatamento, prevenção de incêndios, grilagem de terras. São impactos indiretos [do empreendimento], muitas vezes mais importantes do que os próprios impactos diretos", diz o pesquisador Antonio Oviedo, responsável pelo estudo que embasa a nota técnica do ISA.
"Há um custo adicional para essa comunidade, que é perda de terra, violência e insegurança alimentar", prevê ainda.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/08/indigenas-e-quilombolas-temem-impacto-do-pl-do-licenciamento-ambiental.shtml
Mudança na legislação pode excluir 1/3 das terras indígenas e 80% das quilombolas da proteção ambiental, aponta levantamento de ONG
Geovana Oliveira
São Paulo
2.ago.2025 às 11h00
A comunidade indígena São Francisco está em processo de demarcação na região da Volta Grande do Xingu, no Pará. Ela pode precisar ser realocada se for aprovado o licenciamento ambiental da empresa canadense Belo Sun para o que viria ser a maior mina de ouro da história do Brasil. A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), envolvida no processo de licenciamento, pediu estudos específicos sobre o impacto do empreendimento.
Conforme o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, porém, a comunidade de São Francisco e sua possível remoção não precisariam constar no processo de licenciamento para a mina de ouro. Isso porque a atuação da Funai e a avaliação de impacto sobre as comunidades tradicionais seria restringida a terras indígenas homologadas -assim como, no caso dos quilombolas, a terras tituladas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Uma nota técnica da ONG ISA (Instituto Socioambiental) aponta que, se sancionado o PL, ao menos 33% das terras indígenas e 80% das terras quilombolas seriam excluídas dos licenciamentos ambientais no país por estarem ainda em processo para homologação e titulação.
O número pode ser maior devido a outras restrições. O PL limita a participação das autoridades responsáveis por comunidades tradicionais à presença de terras indígenas ou quilombolas em um raio de 8 km do impacto direto do empreendimento.
Além disso, a proposta estipula prazos curtos para a manifestação das autoridades e torna sua participação não vinculante à decisão sobre a legislação ambiental -ou seja, se a Funai ou o Incra afirmarem que um projeto impactará sobremaneira direitos constitucionais indígenas ou quilombolas, o licenciador pode ignorar.
O presidente Lula (PT) tem até o final desta semana para vetar ou sancionar o projeto de lei.
No caso da mina de ouro na Volta Grande do Xingu, onde a comunidade São Francisco está há 600 metros do que seria a barragem de rejeitos, as terras indígenas Paquiçamba e Arara, a cerca de 10 km do empreendimento, mesmo homologadas, também não seriam consideradas.
"O que aconteceria é uma invisibilização completa dos povos indígenas que vão ser marcados por esse empreendimento", diz Ana Carolina Alfinito, consultora jurídica da ONG Amazon Watch no Brasil.
O licenciamento ambiental considera, além da proteção ambiental, os direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e de proteção às culturas, segundo a nota técnica do ISA. "Há tempos, o STF reconhece a relação de interdependência entre a proteção ambiental e diversos outros direitos fundamentais. Tal entendimento é respaldado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos", diz o documento.
O projeto para uma mina de ouro na Volta Grande do Xingu, chamado Projeto Volta Grande, está em processo de licenciamento desde 2012. A região, onde fica a Usina de Belo Monte, é ocupada tradicionalmente tanto por indígenas aldeados quanto por comunidades não aldeadas.
O empreendimento prevê, por um período mínimo de 12 anos, duas minas a céu aberto com extração de 6 toneladas de ouro por ano e um faturamento final de cerca de R$ 60 bilhões.
Para isso, haveria uma barragem com capacidade para armazenar 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos químicos de mineração, um depósito de explosivos, um aterro sanitário e uma estação de abastecimento de combustíveis, além de alojamentos e estradas.
ONGs ambientalistas, indigenistas e as comunidades que habitam o local temem a contaminação e a redução da disponibilidade hídrica, poluição sonora e do ar, devido às explosões, e desmatamento.
Em 2023, um relatório da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) sobre o empreendimento demonstrou preocupação com a segurança alimentar das comunidades indígenas e ribeirinhas da região. "Dependem diretamente da floresta e do rio para cultivar alimentos, pescar, realizar extrativismo florestal e conseguir manter suas culturas, organizações sociais e modos de vida tradicionais", diz o relatório.
A empresa Belo Sun iniciou o processo de licenciamento sem comunicar a Funai. A fundação só soube do caso meses depois, alertada por uma comunidade. Diante disso, elaborou um Termo de Referência exigindo a realização de um Estudo de Componente Indígena (ECI), necessário para avaliar os impactos.
Apesar da exigência, o órgão estadual emitiu a licença prévia e, posteriormente, a licença de instalação sem que o estudo fosse realizado. Como resposta, o Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública argumentando que as licenças foram concedidas sem os estudos exigidos e sem a consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas.
A ação resultou na suspensão do licenciamento, que permanece paralisado até hoje, já que a Funai entende que a Belo Sun não cumpriu os requisitos estabelecidos e haveria também a necessidade de realocamento de agricultores assentados pela reforma agrária.
Segundo Alfinito, se o PL estivesse vigente, esse processo seria mais difícil, uma vez que a lei não consideraria a participação da Funai para as comunidades indígenas não homologadas nem para as homologadas, uma vez que essas estão uma distância maior de 8 km do empreendimento. O prazo de resposta para a fundação também seria menor.
"A gente ainda está meio atordoado, como se [o PL] fosse um coco caindo na cabeça", diz a ribeirinha Ana Laíde Barbosa, representante do Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Ela teme que a flexibilização dificulte a defesa do território.
Além da invisibilização das comunidades tradicionais, os especialistas afirmam que o PL também reduz a possibilidade de exigência de condicionantes ambientais para resguardar as áreas protegidas.
"Isso isenta o empreendedor na implementação de diversas medidas importantes, por exemplo, para combate de desmatamento, prevenção de incêndios, grilagem de terras. São impactos indiretos [do empreendimento], muitas vezes mais importantes do que os próprios impactos diretos", diz o pesquisador Antonio Oviedo, responsável pelo estudo que embasa a nota técnica do ISA.
"Há um custo adicional para essa comunidade, que é perda de terra, violência e insegurança alimentar", prevê ainda.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/08/indigenas-e-quilombolas-temem-impacto-do-pl-do-licenciamento-ambiental.shtml
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