De Povos Indígenas no Brasil

Notícias

Indígenas Pankararu e Pataxó ocupam a Fazenda Cristal em ato de denúncia e resistência contra mineradoras no Vale do Jequitinhonha

01/08/2025

Fonte: Cimi - https://cimi.org.br



Em gesto de resistência e denúncia, cerca de 100 indígenas dos povos Pankararu e Pataxó ocuparam pacificamente os 560 hectares da Fazenda Cristal, localizada no município de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais (MG), no último domingo (27). A ação ocorre após 13 anos de espera pela efetivação completa da constituição da Reserva Indígena Cinta Vermelha Jundiba (ACVJ), recomendada por estudos técnicos iniciados em 2012 e concluídos em 2015.

A ocupação tem como objetivo impedir que área, vizinha à Terra Indígena Cinta Vermelha Jundiba, seja vendida para as mineradoras Sigma Lithium e Atlas Lithium. O lítio é um dos principais alvos da transição energética mundial. Boa parte das jazidas na América Latina estão em terras indígenas.

"Nós estamos fazendo essa retomada em defesa dos territórios para que a mineração de lítio não venha danificar, não venha destruir os nossos territórios aqui no Vale de Jequitinhona", afirma uma das lideranças dando voz as denúncias da comunidade.

"Nós estamos fazendo essa retomada em defesa dos territórios para que a mineração de lítio não venha danificar, destruir os nossos territórios"

Para os Pankararu e Pataxó a ocupação é um ato de sobrevivência. Diante da omissão do Estado e da iminente ameaça à sua sobrevivência física e cultural, as lideranças Pankararu e Pataxó decidiram ocupar a área estudada e recomendada no relatório oficial. "A ocupação da Fazenda Cristal é um apelo urgente por reconhecimento, respeito e ação concreta do poder público", apontam as lideranças.

A comunidade exige que os órgãos responsáveis - entre eles a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Governo Federal - tomem providências imediatas para oficializar a constituição completa da Reserva Indígena Cinta Vermelha Jundiba e garantir a proteção do território frente às ameaças externas.

"A comunidade exige que os órgãos responsáveis que garanta a proteção do território frente às ameaças externas"

"Não podemos mais esperar. A mineração avança cada vez mais. Nossa sobrevivência está em risco. Temos que defender nosso solo, nosso subsolo, nossa água. A terra é nossa, e o relatório confirma isso. Agora é hora de agir", afirmam os indígenas.

O cacique da aldeia Cinta Vermelha Jundiba, Ivan Pancararu, faz ecoar a posição da comunidade, "contra a mineração de lítio aqui na nossa região, onde está trazendo muitos impactos a nós povos indígenas".

"Não podemos mais esperar. A mineração avança cada vez mais. Nossa sobrevivência está em risco"

Além dos impactos da mineração e do monocultivo de eucalipto, o território Pankararu e Pataxó também é impactado pela construção de barragens que afetam diretamente o Rio de Jequitinhonha, impactando de forma direta o modo de vida destes povos. Os impactos da exploração de lítio e redes de transmissão de energia no Vale do Jequitinhonha, também foram denunciados à Organização das Nações Unidas (ONU), em outubro de 2023.

A ocupação da Fazenda Cristal é mais do que um retorno: é um grito por justiça, dignidade e respeito aos direitos originários. Às margens do Rio Jequitinhonha, o objetivo dos indígenas com a área é "recuperar a mata ciliar, fazer cultivos vários e trabalhar com a apicultura, piscicultura, permacultura entre outras atividades essenciais para a sustentabilidade dos moradores indígenas da aldeia Cinta Vermelha-Jundiba", lista documento da comunidade enviado às autoridades. "Além de atender a população indígena local, para preservação de animais, flora, fauna do Cerrado e Caatinga, podendo servir também de área de pesquisa e estudo para indígenas e não indígenas, através de convênios com universidades, ou com outras instituições e órgãos", completa o documento.

"A ocupação da Fazenda Cristal é mais do que um retorno: é um grito por justiça, dignidade e respeito aos direitos originários"

A área ocupada pelos indígenas abriga carvoeiras, madeireiras, monoculturas de eucalipto e a mineração de lítio e outros minerais. Na avaliação das lideranças esse são fatores que "podem acabar com a rica biodiversidade que existe, poluir o Rio Jequitinhonha e Araçuaí, ameaçar nossas vidas e a dos moradores da região do Vale".

A posição dos indígenas contra a mineração é incontestável. "Nós somos contra a mineração, somos a favor da vida, a preservação do meio ambiente, da água. E viemos lutar pelo rio, igual nós lutamos pelo rio Paraopeba lá no município de Brumadinho, nós estamos lutando pelo rio Araçuaí, aqui no Vale de Jequitinhonha para fortalecer cada vez mais os territórios", reafirma uma das lideranças.

"Nós somos contra a mineração, somos a favor da vida, a preservação do meio ambiente, da água. E viemos lutar!"

Estudos ignorados, recursos e demora persistente

As Portarias no 1.520, de 04/12/2012, e no 189, de 22/02/2013, determinaram a realização de estudos para a criação da reserva indígena destinada às comunidades Pankararu e Pataxó. Os trabalhos foram conduzidos por um Grupo Técnico (GT) formado por especialistas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), incluindo o antropólogo Marivaldo Aparecido de Carvalho, o engenheiro agrônomo Luís Ricardo de Souza Correa e a zootecnista Rosana Passos Cambraia. Também contribuíram o sociólogo Leonel de Oliveira Pinheiro e o engenheiro agrônomo Nacip Mahmud Lauar Neto.

As atividades de campo e a elaboração do relatório ocorreram entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2014. O documento final, publicado em agosto de 2015, concluiu que a área da Fazenda Cristal era adequada para acolher as famílias indígenas, ampliando o território da Reserva Indígena Cinta Vermelha Jundiba e garantindo condições para sua reprodução física e cultural.

"Apesar da aprovação de pelo menos duas emendas parlamentares destinadas à aquisição da área, os recursos nunca foram efetivamente aplicados"

A situação se agravou com o avanço da mineração na região, ameaçando diretamente a Fazenda Cristal e a Aldeia Cinta Vermelha Jundiba. Segundo as lideranças, a comunidade só teve acesso ao Relatório Circunstanciado em 2025 - dez anos após sua publicação - o que acentuou a sensação de negligência e abandono por parte do Estado.

"Apesar da aprovação de pelo menos duas emendas parlamentares destinadas à aquisição da área, os recursos nunca foram efetivamente aplicados. A comunidade indígena, ao longo dos anos, cobrou providências dos órgãos competentes, sem obter respostas concretas", destaca o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Leste, Haroldo Heleno.

"A mineração de Lítio no Vale do Jequitinhonha tem causado impactos profundos e devastadores nas comunidades indígenas e tradicionais desta região"

"A mineração de Lítio no Vale do Jequitinhonha tem causado impactos profundos e devastadores nas comunidades indígenas e tradicionais desta região, afetando não apenas o meio ambiente, mas também a sobrevivência física, cultural e espiritual desses povos", explica o missionário do Cimi Regional Leste.

A Cimi regional Leste, que acompanha há anos a luta e resistência dos povos no Vale do Jequitinhonha, se solidariza com as comunidades indígenas do Vale do Jequitinhonha e apoia suas justas e reivindicações, em tempo tão sombrios e ameaçadores ao meio ambiente e a natureza a ação dos povos Pankararu e Pataxó é um sinal também de defesa da Casa Comum, e entendemos que a luta deles deve ser a nossa Luta.

Diversas organizações indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos tem manifestado apoio à ocupação Pankararu e Pataxó, no Vale do Jequitinhonha. "Por esses povos em defesa da justiça socioambiental e territorial", destaca a nota da diretoria do ANDES-SN em apoio à ocupação.

https://cimi.org.br/2025/08/indigenas-pankararu-pataxo-ocupam-fazenda-cristal-vale-jequitinhonha-mineradoras/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.