De Povos Indígenas no Brasil

Notícias

COP em Belém é 'greenwashing'? Especialistas analisam impactos de obras para população e meio ambiente

05/07/2025

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/



COP em Belém é 'greenwashing'? Especialistas analisam impactos de obras para população e meio ambiente
Prática seria uma forma de o governo vender uma imagem ambiental mais positiva do que a realidade; organizadores defendem as ações implementadas para a realização do evento

05/07/2025

Lucas Altino

Anfitriões da COP 30, o governo paraense e a prefeitura de Belém, além do governo federal, abraçam o discurso ambiental e prometem a chamada "COP da floresta". Mas, apesar do simbolismo de acontecer na Amazônia, a principal conferência global sobre clima ocorrerá no estado que tenta reverter o posto de maior taxa de desmatamento do Brasil. Professor da Universidade Federal do Pará, Bruno Soeiro Vieira afirmou, em artigo publicado site The Conversation Brasil, que as obras para a COP evidenciam sinais de "greenwashing", ou lavagem verde, uma forma de o governo vender uma imagem ambiental mais positiva do que a realidade, enquanto executa obras que promoveriam degradação.

Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, mais do que "greenwashing", as mais de 30 obras, orçadas em mais de R$ 7 bilhões, acontecem sem o devido planejamento e não resolverão problemas crônicos da cidade, como mobilidade, saneamento, drenagem urbana, arborização e habitação. Mas, em que pese impactos ambientais de parte dos projetos, alguns avanços estruturais são bem-vindos e vão ajudar a "lavar" a imagem precária da cidade durante o evento, explicam. Já o governo estadual disse que os licenciamentos ambientais foram respeitados e destacou o investimento em saneamento básico.

Para Bruno Soeiro Vieira, que publicou o artigo "Os sinais de 'greenwashing' nos preparativos urbanos de Belém para sediar a COP 30", a seleção das obras de infraestrutura e a forma com as quais são executadas revelariam "uma estratégia discursiva e de marketing, que tenta vender a imagem de um produto, serviço (ou cidade) como melhor para o meio ambiente do que realmente é".

O professor destaca as aberturas da Avenida da Liberdade e da Rua da Marinha como propostas de mobilidade que atenderiam aos "interesses empresariais ligados ao capital imobiliário", enquanto promovem desmatamento desmedido. A Avenida Liberdade de 13 quilômetros, que vem gerando polêmica no Pará, passará pela Área de Proteção Ambiental da Região Metropolitana (APA Belém) e próximo ao Parque do Utinga, um refúgio verde na capital. Já a obra da Rua da Marinha, que abre novo acesso ao estádio Mangueirão, chegou a ser suspensa pela justiça por falta de licenciamento ambiental.

Ana Cláudia Duarte Cardoso, professora de arquitetura e urbanismo da UFPA, concorda com o colega em parte das críticas, principalmente em relação aos impactos ambientais e sociais dessas obras viárias, em desalinho com a agenda da sustentabilidade. Mas o inevitável desmatamento nesses projetos lhe faz questionar a suposta intenção do governo de realizar propaganda verde, ou "greenwashing".

- Se quiseram fazer greenwashing com essas obras, foram muito amadores - disse.

A especialista, que já foi secretária adjunta de Governo do Pará entre 2007 e 2010, ainda acredita que haverá legado positivo em outras obras previstas para a COP, em especial a reforma do Mercado de São Brás e a criação do Parque da Cidade, cujo espaço estava sob disputa e que agora servirá com propósito público "graças à COP", diz. Segundo ela, a COP 30 acabou servindo como oportunidade para os governos, estadual e municipal, lançarem mão de antigos projetos, engavetados há anos à espera de recursos, alguns com impactos positivos, outros negativos. Ainda que sem o devido planejamento, frisa, algumas entregas serão "úteis".

Apesar de destacar que não era factível pensar que a COP em Belém, sede definida há apenas dois anos, seria capaz de resolver problemas crônicos da cidade, Ana Cláudia diz que alguns temas, como mobilidade, saneamento e habitação, deveriam ter sido priorizados, em compasso com a agenda verde.

- Existem muitas necessidades, as obras vêm aqui mitigar alguma coisa, mas principalmente porque político gosta de ter "pirâmide para mostrar", como eles mesmos dizem - explica Ana Cláudia, que lembra que o BRT, por exemplo, caminha a passos lentos há 10 anos. - O transporte está desaparecendo da cidade, só existe transporte que liga o centro e a periferia distante, as áreas intermediárias estão absolutamente desassistidas e isso coloca muito mais gente em veículos motorizados. Deveríamos estar olhando a redução de emissões. Além do restabelecimento da vegetação, o uso e a ocupação do solo, ao contrário do que se está fazendo.

A especialista diz que a realização de megaeventos em uma cidade acarreta necessariamente em impactos profundos. Nesse contexto, o problema de Belém, explica, era o longo passivo em relação à planejamento urbano e ocupação desordenada. Nos últimos 50 anos, a população de Belém quadriplicou, frisa.

- É muito difícil um evento anunciado há dois anos viabilizar uma ação de planejamento que seja absolutamente bem feita. Havia um pacote de coisas na gaveta, e a gente vai assistir isso fraturado.

Em relação aos novos parques, Ana Cláudia enxerga legados positivos, mas alerta para um processo de "turistificação" que ignore a população residente, como comunidades ribeirinhas.

- No Parque de Tamandaré, eu acho que tem propósito imobiliário mais claro, porque estão tentando retirar as palafitas que restam ainda sobre o Rio Guamá. Belém era uma cidade ribeirinha, e muitos portos populares existem ali. Acho que há um movimento de sanear socialmente aquele espaço e isso é muito complicado, porque a gente não devia fazer nada sem todo mundo e nem esquecer que a cidade era antes de tudo uma cidade ribeirinha.

O cientista Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), afirmou que as obras têm benefícios, mas também impactos ambientais.

- Mas o tipo de "washing" é mais para minimizar a visibilidade da pobreza do que para parecer verde - afirmou o especialista, que lamentou a falta de solução para o saneamento básico de Belém.

Na sua opinião, o foco das discussões não deveria ser as obras viárias em Belém, mas os grandes projetos na Amazônia.

- Os impactos ambientais e sobre o clima de grandes obras planejadas na Amazônia, como a reconstrução da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e a abertura de campos de petróleo na foz do Amazonas, são milhares de vezes maior do que as obras em Belém.

Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diz que o legado positivo da COP é mostrar para o mundo que existem populações na Amazônia sofrendo com os problemas causados pela crise climática. Apesar da preocupação com a possibilidade de a conferência transmitir uma imagem mais positiva do que a realidade amazônica, ele elogiou a iniciativa da presidência da COP 30 de lançar o Círculo dos Povos", liderado pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, para aproximar comunidades tradicionais às negociações climáticas. E também destacou a importância dos eventos paralelos para o empoderamento de vozes negligenciadas, como a COP dos Povos.

Mas, ainda que acredite que o evento será uma oportunidade para buscar melhorias e soluções, Tuxá diz que a sede em Belém poderia resultar em ações mais concretas. Ele diz que a acusação de "greenwashing" faz sentido nesse contexto, já que o evento deveria ter sifo um objeto de transformação social e ambiental no local, mas Belém continuará com suas "deficiências visíveis".

- Poderia ter transformado mais, inclusive angariando recursos. Fala-se de tanto de financiamento global para conter crise climática, acho que poderia ter sido canalizada para comunidades mais impactadas do Brasil - afirma a liderança indígena, que também comentou sobre as obras de infraestrutura em curso. - Como positivo existe a revitalização de espaços públicos. Mas toda obra gera impacto, e não sei o quanto existiu de participação social na discussão. COP que gera impacto ambiental vai na contramão da proposta de combater a crise do clima.

Além de denunciar a continuidade de problemas históricos, como o desmatamento e o avanço do agronegócio e da mineração sobre territórios indígenas, o coordenador da Apib também criticou a Lei do Marco Temporal, encampada pelo Congresso.

- O Brasil está sediando a COP, e o Congresso Nacional atenta contra direitos fundamentais indígenas que são instrumentos de solução para crise climática. Além de liderar a bandeira climática, Brasil poderia trazer soluções o para centro da discussão.

Para Caetano Scannavino, coordenador da ONG Saúde e Alegria, do Pará, e membro do Observatório do Clima, Belém "tem tudo para ser uma cidade verde", mas a COP foi uma oportunidade desperdiçada.

- Ser verde significa saneamento básico, corredores ecológicos, espaços públicos, transporte coletivo, energia estável e limpa. Com a COP, tinha-se a oportunidade de investir em projetos assim, que deixassem um legado de bem-viver pro belenense, principalmente para os que mais precisam. Essa oportunidade nós perdermos.

Procurado, o governo estadual do Pará explicou que o projeto da Avenida Liberdade foi iniciado em 2020, antes da escolha da sede da COP e que a obra segue um traçado "onde a vegetação foi anteriormente suprimida", e com "processo de licenciamento conduzido com rigor". A diminuição do trânsito com a obra, defende o governo, contribuirá com "redução de 17,7 mil toneladas de CO2 por ano". O governo também afirmou que pavimentou mais de 100 vias e que investe R$1 bilhão em saneamento, com madrodrenagem de mais de 13 canais.

https://oglobo.globo.com/brasil/cop-30-amazonia/noticia/2025/07/05/cop-em-belem-e-greenwashing-especialistas-analisam-impactos-de-obras-para-populacao-e-meio-ambiente.ghtml
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.