De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

Vetos ao PL da Devastação reduzem danos, mas mantêm brechas

15/08/2025

Autor: Felipe Medeiros

Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br



Boa Vista (RR) - O veto presidencial a 63 dispositivos do chamado PL da Devastação, agora transformado na Lei Geral de Licenciamento Ambiental (LGLA) 15.190/2025, que entra em vigor em 180 dias, evitou retrocessos imediatos, mas não fechou as portas para interferências políticas e fragilidades estruturais. No texto final, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "derrubou" a Licença Ambiental Especial (LAE), que na aprovação da matéria no Congresso entrou como emenda de Davi Alcolumbre (União Brasil - AP), presidente do Senado. Na justificativa, o governo disse agir por "excessiva simplificação do processo" para assuntos ambientais. Lula vetou o texto original do senador, mas publicou uma Medida Provisória 1.308/2025 mantendo o teor da proposta com algumas alterações. Na prática, a MP autoriza projetos como a exploração de combustíveis fósseis na foz do rio Amazonas e a pavimentação da BR-319.

Para Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da rede Observatório do Clima, todo o texto anterior do PL da Devastação "dava um cheque em branco para os Estados". Segundo ela, o texto "tirava a responsabilidade nacional", e por haver muitas inconstitucionalidades, foi vetado 15% dos 398 dispositivos legais. "É bastante, é pra ficar com o buraco, não é pra ter nada no lugar, uma coisa muito ruim é pra sair mesmo. O governo vetou pra vetar mesmo, pra tirar do jogo", disse à Amazônia Real. Suely foi presidente do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) entre 2016 e 2018.

Apesar da medida controversa, Suely Araújo avalia que o governo tentou evitar prejuízos maiores com a MP. A jogada política de Lula, com o PL, pode trancar a pauta nas duas casas. Por outro lado, os deputados ruralistas falam derrubar todos os vetos.

"Eles [o governo] procuraram abarcar, isso tem que ser reconhecido, todos os pontos mais problemáticos por vetos", disse a ambientalista que também é ex-servidora do Legislativo. Segundo ela, havia "erros na redação" e "é uma lei difícil de trabalhar porque o Executivo teve que aproveitar a estrutura que já veio", com "temas que faltaram" e por isso "procurou preencher para não arrumar mais confusão com o Congresso".

Gabriela Savian, diretora de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), também endossa a fala de Suely de que ainda persistem brechas capazes de comprometer a governança ambiental, especialmente na Amazônia, onde a sobreposição de competências entre União, Estados e municípios já cria um terreno propício para disputas e omissões. "O governo conseguiu amarrar os pontos negativos do PL [da Devastação], retirou a licença monofásica [um modelo que prevê licenças de uma só vez], mas manteve a LAE, que pode ser um risco", disse.

Para as duas especialistas, o governo fez o que podia. "A matéria não fala em 'clima', em 2025 a lei do licenciamento não falou a palavra 'clima'. E não dava pra botar isso nem se eles quisessem, não daria pra colocar nessa fase final, que é o retorno na casa iniciadora", avaliou Suely.

Em defesa dos vetos, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, deu uma coletiva à imprensa, no último dia 8. "As nossas metas em relação a desmatamento zero, e a reduzir entre 59% e 67% de emissão de CO2, estão perfeitamente mantidas. Fizemos vetos estratégicos para preservar a integridade do licenciamento", disse.

Licença ambiental é vista como problema

Diferente dos demais artigos da LGLA, que entrará em vigor em seis meses, a MP 1.308/2025 passa a ter eficácia imediata, sob o argumento que é uma medida que deve aumentar a capacidade de resposta dos órgãos públicos junto às demandas relacionadas a tragédias. Para ambientalistas ouvidos pela Amazônia Real, ela já vem sendo chamada de MP Alcolumbre.

O Observatório do Clima considera a medida inconstitucional, pois ela simplifica a análise de empreendimentos de significativo impacto ambiental, impondo prazo único, de 12 meses, para todas as etapas e condensando licenças que, pela regra, deveriam ser emitidas separadamente.

"Na prática, institui-se um 'licenciamento por pressão política' a partir do Conselho de governo via lista bianual", criticou em nota Nota Técnica do Observatório do Clima, divulgada na quarta-feira (13), que "serão empreendimentos de alto impacto com processo simplificado, o oposto do que recomenda a boa prática", ressaltou o documento.

Entre os projetos que poderiam ser beneficiados e que podem resultar em grandes impactos ambientais estão a exploração de petróleo na Amazônia, o asfaltamento da BR-319 (ligando Manaus a Porto Velho - parada por decisão judicial), além de grandes hidrelétricas e usinas nucleares na região Norte do Brasil.

"A licença especial pode ser um risco porque hoje temos um governo, mas amanhã pode ser outro [conservador, antiambiental], deixando muito a cargo de uma avaliação política e não de uma avaliação robusta em termos de planejamento territorial", destacou Gabriela Savian.

Entre as mudanças que vêm com a MP está a eliminação do licenciamento monofásico. A LAE terá, obrigatoriamente, três fases tradicionais para as atividades de médio e grande impacto, evitando, dessa forma, eventual insegurança jurídica e prejuízos ambientais. Mas Suely destacou que isso não está claro na MP.

"Eles defendem que não tiraram o trifásico [três fases], mas não tem nada de trifásico escrito na Medida. O artigo 5o diz que pode ser feito em etapas, mas o prazo máximo é de um ano, mas em um ano você não faz o equivalente à licença prévia, de instalação e de operação", contestou.

Prioridade para projetos estratégicos é outra alteração, mas a decisão passará por um "Conselho de Governo" com representação multiministerial. A MP garante também proteções ambientais reforçadas às áreas sensíveis como territórios indígenas e unidades de conservação, exigindo análise mais criteriosa para licenças que envolvem essas áreas. Além disso, as normas ambientais dos municípios e estados devem estar alinhadas à nova legislação nacional para evitar conflitos de competência e garantir que as exigências técnicas sejam mantidas.

Outros pontos sensíveis da lei

Suely Araújo ressalta que outro ponto sensível conseguido por meio dos vetos é a análise e vistoria por amostragem na Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Nessa modalidade, nem todos os empreendimentos seriam vistoriados ou teriam os relatórios lidos pela autoridade licenciadora. Esse veto é visto como positivo.

"No médio impacto ficaria tudo automatizado, apertaria o botão e saíria a licença sem entrega do estudo ambiental, uma loucura. O governo conseguiu tirar a parte do médio impacto, deixaram a licença automatizada só para os empreendimentos mais simples", analisou.

No texto original aprovado pelo Congresso, alguns empreendimentos nunca seriam analisados nem vistoriados em toda a sua existência, dando margem à desastres ambientais e corrupção, conforme análise da nota técnica. "O coração do licenciamento é justamente a avaliação técnica do órgão ambiental. Sem isso, aumentam os riscos de declarações falsas e impactos não detectados.", disse o texto. Para o Observatório, isso mina o papel fiscalizador do Estado.

Suely avalia que também foram "positivos os vetos nos artigos da Lei da Mata Atlântica, bem como a correção relacionada aos territórios indígenas e quilombolas", e mesmo que "os Estados e municípios obedecem às regras, as leis nacionais precisam ser obedecidas".

Relator planeja derrubar vetos de Lula

A sanção do presidente Lula ainda vai passar pelo Congresso, que terá a palavra final. O deputado federal Zé Vítor (PL-MG), relator do PL, defende que "a essência dos vetos precisa ser derrubada". Segundo ele, em vídeo publicado dia 13 de agosto no Instagram da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o texto como ficou "é um retrocesso", e "o projeto sancionado não conversa com o que foi apresentado", alegando que o governo "depende do Congresso".

O parlamentar também se posicionou contra os vetos que mantiveram a exigência de consulta à Funai e à Fundação Palmares, em casos de projetos com potencial impacto sobre territórios indígenas e quilombolas, ainda em processo de reconhecimento. O Congresso havia retirado essa obrigação, mas o presidente Lula restaurou o dispositivo ao sancionar a lei.

Na quarta-feira (13), o senador Zequinha Marinho (PODEMOS-PA) protocolou na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado o Requerimento 32/2025, que pede a realização de uma audiência pública para discutir o Plano Setorial de Agricultura e Pecuária, parte da Estratégia Nacional de Mitigação (ENM) do Plano Clima. A iniciativa, articulada com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), pretende avaliar pontos como a definição de responsabilidades para o agronegócio, a ausência de contabilização das remoções de gases de efeito estufa (GEE) em propriedades rurais e questionamentos sobre a transparência na metodologia do modelo Blues - ferramenta utilizada pelo governo para estimar emissões e remoções.

Para o senador, os parlamentares não podem "aceitar que imponham metas e obrigações ao agro brasileiro sem critérios claros e sem reconhecer o que o produtor rural já faz em termos de conservação e sustentabilidade", afirmou. "É preciso transparência e equilíbrio nesse debate para que não se prejudique quem produz e garante a segurança alimentar do país", concluiu para o texto da FPA.

A audiência deverá contar com a participação de representantes da Casa Civil, dos ministérios da Agricultura e Pecuária (MAPA), do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), além de membros da Embrapa, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Ministérios articulam

Marina Silva, durante entrevista na manhã desta quinta-feira (14), destacou que o governo fez uma análise minuciosa do texto e que agora é a fase de dialogar com o Congresso para buscar o "o convencimento" dos presidentes da Câmara e Senado. Marina defende que o governo "trilhou o melhor caminho para todos".

"Estamos diante de uma das piores crises ambientais que o mundo já viu. Nesse momento, a nossa luta não deve ser pra proteger menos, deve ser para proteger mais", disse em entrevista ao vivo para o Canal Gov. "As consequências já são dramáticas e mesmo os segmentos do agronegócio que são contrários aos vetos, é bom que a gente consiga fazê-los entender que os maiores prejudicados serão eles mesmos, no médio e no longo prazo."

Marina alertou que o Brasil está passando por "processos de desertificação", o que não existia antes. "Se a Amazônia, por exemplo, for destruída e ela pode ser destruída tanto por desmatamento quanto por queimadas, mas também por um processo de savanização em função da mudança do clima, o Sul, o Sudeste e parte do Centro-Oeste ficarão áreas completamente inviáveis para agricultura. Por isso que o nosso esforço é de dialogar com os interesses presentes, mas sem comprometer os nossos interesses de futuro", avaliou a ministra.

Da tentativa de regulamentar ao retrocesso

A busca por uma legislação nacional que atenda ao cuidado com o meio ambiente existe há bastante tempo; na verdade, desde o século 17. A agenda ganhou destaque nas últimas décadas, à medida que as questões climáticas exigiram ações que mitiguem os impactos ambientais. Abaixo você acompanha os acontecimentos desde 1981.

1981 - A ideia da Lei Geral do Licenciamento Ambiental surgiu entre os parlamentares ambientalistas porque não havia lei regulamentando esse segmento.

2004 - O Deputado Luciano Zica, que foi secretário do Ministério do Meio Ambiente, propôs o Projeto de Lei no 3.729, que dispõe sobre o Licenciamento Ambiental. A ideia era aprovar uma lei nacional para reduzir os conflitos normativos por conta das diferentes leis nos estados e municípios. O projeto tramitou por 17 anos na Câmara dos Deputados.

2021 - Com o apoio da Bancada Ruralista e da Confederação Nacional da Indústria, a Câmara dos Deputados aprovou o PL no 2159/2021, que foi muito criticado pelos ambientalistas porque flexibilizava demais as regras de licenciamento ambiental. O texto foi encaminhado para o Senado, mas ficou esquecido por um tempo.

2024 - O Senado retomou o projeto e aprovou o PL no 2159/2021, e entre os pontos inobservados pelos parlamentares e novamente criticado pelas autoridades ambientais está a ausência da discussão sobre o clima, um dos temas mais relevantes tratados mundialmente, bem como várias inconstitucionalidades e desrespeito aos direitos indígenas e dos quilombolas.2025 - Sancionada a Lei no 15.190/2025 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com 398 dispositivos e 63 vetos. Um dos vetos trata sobre as mudanças no Licenciamento Ambiental Especial, mas que ganhou celeridade com a edição da MP 1.308/2025, já estando em vigor, para empreendimentos considerados estratégicos pelo governo.

https://amazoniareal.com.br/vetos-ao-pl-da-devastacao-reduzem-danos-mas-mantem-brechas/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.