De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Desmatamento na região Trans-Purus: simulando o impacto das rodovias associadas à BR-319

19/08/2025

Fonte: Amazonia REal - https://amazoniareal.com.br



Apresentamos aqui uma tradução de um trabalho apresentado em abril deste ano no XXI Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR) sobre um dos impactos mais importantes da planejada reconstrução da rodovia BR-319: as estradas planejadas a ramificar a partir desta rodovia, especialmente a AM-366, que estenderia 574 km a oeste da BR-319, abrindo a Região Trans-Purus à entrada de desmatadores. O trabalho original em inglês está disponível aqui.

Resumo
Apesar dos esforços do governo brasileiro para combater o desmatamento, políticas de infraestrutura conflitantes, particularmente a proposta de construção de rodovias, representam uma ameaça às florestas públicas não destinadas em uma área crítica da Amazônia brasileira: a região Trans-Purus. Essa região é atualmente inacessível por rodovias e, portanto, menos atrativa para grileiros, mas pode evoluir para um novo foco de desmatamento. Simulamos o impacto potencial das rodovias planejadas no desmatamento e na ocupação ilegal de terras até 2070 nessa região e em suas áreas adjacentes. A simulação mostrou um desmatamento substancial com as rodovias planejadas na região Trans-Purus, principalmente em florestas públicas não destinadas, demonstrando o papel das rodovias em facilitar o acesso de atores do "arco do desmatamento" do Brasil e ameaçando florestas que desempenham um papel crucial na conservação da biodiversidade, no ciclo da água, no sequestro de carbono e na sobrevivência de comunidades locais. A magnitude dos impactos potenciais implica que as políticas governamentais de infraestrutura precisam ser repensadas.

Introdução

Até o momento, a maior parte do desmatamento se concentrou no "arco do desmatamento", nas porções sul e leste da Floresta Amazônica brasileira, mas tendências recentes mostram o surgimento de novos focos de desmatamento, deslocando a fronteira da pecuária para o norte da região. O impacto das rodovias existentes e das malhas planejadas ligadas à BR-319 (Manaus - Porto Velho) pode promover desmatamento e degradação florestal significativos [1, 2].

Os agentes do desmatamento do arco de desmatamento teriam acesso não apenas à própria BR-319, mas também a todas as áreas já conectadas a Manaus por rodovia. Além disso, as rodovias planejadas abririam a vasta área de floresta intacta no oeste da Amazônia - a região Trans-Purus, a oeste do Rio Purus, que corre paralelo à BR-319 [3, 4]. Essa área possui um enorme estoque de carbono [5] e é a área mais crítica para a reciclagem da água que abastece São Paulo através dos ventos conhecidos como "rios voadores" [6].

Interesses do agronegócio na região AMACRO (Amazonas, Acre, Rondônia) já planejam expandir suas operações para a região Trans-Purus [7]. As decisões sobre os projetos rodoviários modelados no presente estudo ainda estão pendentes, e estas precisam se basear nas melhores informações possíveis sobre os prováveis impactos. As enormes consequências globais e nacionais dessas decisões aumentam a urgência do desenvolvimento de modelos confiáveis de desmatamento na vasta área que seria afetada, e o presente estudo contribui para esse esforço.

Este estudo teve como objetivo simular o impacto de estradas planejadas no desmatamento e na ocupação ilegal de terras no último grande bloco remanescente da floresta amazônica brasileira. Projetamos esses processos até 2070, considerando florestas públicas não destinadas, unidades de conservação e projetos de assentamento em uma região-chave do estado do Amazonas.

Material e método

A área de estudo abrange 429.442,1 km2 da floresta amazônica brasileira e cobre 26,5% (415.305,5 km2) do estado do Amazonas e 6,0% (14.136,6 km2) do estado de Rondônia (Figura 1).

Em 2021, 89,1% (382.622,3 km2) da área total do estudo permanecia sob floresta. Desse total, 43,1% (164.997,8 km2) estavam em florestas públicas não destinadas. Além disso, 12% (46.099,9 km2) da floresta em 2021 estavam em áreas de imóveis rurais que parecem estar sobrepostas a outras categorias fundiárias (por exemplo, unidades de conservação e florestas públicas não destinadas). A área de estudo é dividida em cinco regiões: Trans-Purus, BR-319, influência de Manaus, Juruá e Sul. Aqui, nos concentramos em apresentar os resultados relacionados à área total e à região Trans-Purus.

A região Trans-Purus é a maior (170.282,0 km2), cobrindo 39,7% da área de estudo, mas o desmatamento total na região Trans-Purus até 2021 representou apenas 1,4% (2.361,8 km2) da região Trans-Purus e 0,5% da área total do estudo (Figura 1).

O Modelo Trans-Purus

O modelo Trans-Purus produz simulações espacialmente explícitas projetadas para projetar o impacto potencial de rodovias planejadas no desmatamento e na ocupação ilegal de terras, considerando as florestas em imóveis rurais e em categorias fundiárias (por exemplo, florestas públicas não destinadas e unidades de conservação). Em cada passo de tempo da simulação, o modelo gera um mapa anual mostrando o desmatamento previsto. Quando rodovias são construídas durante a simulação, há um aumento nos imóveis rurais em áreas florestais, representando a atração de grileiros do arco de desmatamento para a floresta próxima às rodovias. Portanto, novos imóveis rurais que surgem durante a simulação do modelo são tratados como ocupações ilegais de terras que têm alto risco de serem desmatados, contribuindo para a expansão do desmatamento. A ocorrência de desmatamento em um imóvel rural depende da sua localização dentro das categorias fundiárias, do mapa de probabilidade de desmatamento e das taxas de desmatamento associadas à região e às categorias fundiárias.

O modelo Trans-Purus foi desenvolvido no software Dinamica-EGO. O modelo é baseado em autômatos celulares que seguem regras de transição. A transição de uma célula (pixel) de uma classe (por exemplo, floresta) para outra (por exemplo, desmatamento) depende do estado das células vizinhas.

Para projetar o impacto futuro das decisões de construção de rodovias sobre o desmatamento e a ocupação ilegal de terras, um cenário de "negócios como sempre" (BAU = "Business as Usual") foi executado para mostrar a trajetória do desmatamento de 2022 a 2070.

No cenário BAU, assume-se que (i) as rodovias federais e estaduais planejadas sejam construídas seguindo o cronograma de construção usado neste estudo, (ii) as florestas públicas não destinadas ao redor das rodovias planejadas e as estradas secundárias conectadas a essas rodovias serão altamente atrativas para grileiros, incentivando a ocupação ilegal de terras e o desmatamento e contribuindo para um padrão de desmatamento semelhante ao observado em regiões com alta pressão de desmatamento (ou seja, as regiões Sul e BR-319 da área de estudo) e (iii) as tendências recentes nas taxas de desmatamento continuarão, com um aumento previsto à medida que as áreas florestais próximas às estradas forem ocupadas, principalmente em florestas públicas não destinadas.

Taxas de desmatamento

As taxas de desmatamento foram estimadas anualmente para cada região da área de estudo. Portanto, tanto a tendência de desmatamento em cada região quanto as premissas do cenário BAU influenciarão as taxas de desmatamento simuladas.

No caso das regiões Trans-Purus, Juruá e de influência de Manaus, assumimos que, antes do início da ocupação ilegal de terras devido às rodovias planejadas, as taxas seriam semelhantes à tendência histórica média observada na região de 2010 a 2021, e que as tendências subsequentes nas taxas de desmatamento seriam semelhantes às das regiões da BR-319 e Sul (2016-2021), com um aumento previsto à medida que as áreas florestais próximas às rodovias planejadas fossem ocupadas por imóveis rurais. As regiões da BR-319 e Sul são áreas críticas que representam a forma como a ocupação ilegal de terras e a malha rodoviária contribuem para o desmatamento.

Uma equação adaptada da equação de pressão antrópica desenvolvida por Soares-Filho et al. [8] foi utilizada para estimar as taxas de desmatamento nas regiões da BR-319 e Sul. Essa equação também foi aplicada nas regiões da Trans-Purus, de influência de Manaus e do Juruá, quando a simulação de novas ocupações se inicia devido à construção de rodovias. Assim, espera-se que o desmatamento acelere no cenário BAU.

Calibração e validação do modelo

Na etapa de calibração, usamos o mapa de cobertura da terra inicial (2009) para executar o modelo até 2015. Na etapa de validação, usamos o mapa de cobertura da terra para 2015 e executamos o modelo até 2021. Uma tarefa relevante na calibração é a seleção de variáveis que explicam o desmatamento futuro e os parâmetros de ajuste que controlam a transição da floresta para o desmatamento [9]. Em nosso estudo, executamos o modelo usando variáveis biofísicas como declividade, altitude, tipos de solo e tipos de vegetação. No entanto, verificamos que o padrão espacial de desmatamento produzido pelo modelo foi mais realista quando as variáveis consideradas foram restritas à distância do desmatamento existente, distância às estradas e rios, áreas de foco de desmatamento nas regiões BR-319 e Sul e categorias fundiárias (por exemplo, unidades de conservação, projetos de assentamento e florestas públicas não destinadas).

Para validar o modelo, o padrão espacial simulado de desmatamento foi comparado ao desmatamento observado de 2015 a 2021, utilizando um método de comparação de similaridade fuzzy com uma função de decaimento constante em múltiplos tamanhos de janela. Além disso, foi executado um modelo nulo, no qual todos os coeficientes de pesos de evidência foram zerados, resultando em uma alocação aleatória do desmatamento na paisagem [10].

O modelo atingiu uma similaridade mínima de 51% em uma janela de 9 × 9 (ou seja, dentro de um raio de busca de 2,25 km). Em contraste, o modelo nulo (na mesma área do modelo calibrado) apresentou um valor mínimo de similaridade menor (25%), indicando que o modelo calibrado apresentou melhor desempenho espacial em comparação ao modelo nulo.

Resultados

Projeção do desmatamento

No cenário BAU, o incremento do desmatamento simulado (2022-2070) resultou em uma redução de 15,1% (57.817,8 km²) do total de floresta remanescente presente na área de estudo em 2021 (382.622,3 km²). Na região Trans-Purus, o desmatamento total até 2070 foi de 20.979,2 km². A presença de estradas planejadas e o incremento de imóveis rurais simulados contribuíram para o aumento do desmatamento (Figura 2).

Tabela 1. Média da área desmatada por ano (km2) na região Trans-Purus considerando o período antes e depois das rodovias planejadas.

Na região Trans-Purus, o desmatamento até 2021 em imóveis com >100 ha representou apenas 1,5% (205,1 km2) da área total ocupada ou reivindicada (14.108,9 km2). Devido à simulação de novos imóveis, o desmatamento até 2070 em imóveis com >100 ha representou 46,5% (17.469,9 km2) da área total reivindicada (37.566,1 km2). O período após a construção de rodovias planejadas teve áreas desmatadas anuais maiores em comparação ao período anterior à construção das estradas (Tabela 1).

Projeção do desmatamento em categorias fundiáriass

A Tabela 2 mostra o desmatamento total em cada categoria de terra presente na área total de estudo e na região Trans-Purus. A floresta pública não destinada apresentou um desmatamento cumulativo substancial, atingindo 4.725,3 km² em 2021 e 39.139,2 km² em 2070. A área desmatada nas florestas públicas não destinadas na região Trans-Purus representou 42,7% do desmatamento total na floresta pública não destinada na área de estudo. Esse aumento substancial no desmatamento é alarmante quando comparado ao desmatamento inicial (382,4 km²).

Em floresta pública não destinada, o desmatamento no cenário BAU até 2070 apresentou um aumento de 728,3% (34.413,9 km2) em comparação com o PRODES (2021) considerando a área total e um aumento de 4.270,0% (16.328,4 km2) na região Trans-Purus.

Na região Trans-Purus, o desmatamento também aumentou em projetos de assentamentos ambientalmente diferenciados e nas unidades de conservação até 2070 no cenário BAU. As unidades de conservação de uso sustentável (1.084,7 km²)apresentaram o maior desmatamento cumulativo até 2070 em comparação com outras categorias de unidades de conservação.

Tabela 2. Desmatamento acumulado em km² emcada categoria de terra e região. O mapa PRODES representa o desmatamento até 2021, e os cenários BAU representam o desmatamento até 2070.

Discussão

A construção de rodovias planejadas em regiões-chave do estado do Amazonas promoveria a ocupação ilegal de terras, a grilagem de terras e o desmatamento, especialmente na região Trans-Purus. A floresta remanescente nessa região estaria ameaçada pelo surgimento de um novo foco de desmatamento quando as estradas derem acesso a madeireiros e pecuaristas para fora do arco de desmatamento.

Na região Trans-Purus, o desmatamento médio anual desde o início do surgimento de novas ocupações (2033) até o final da simulação (2070) foi de 483,4 km2por ano. Este valor representa 30,7% do desmatamento médio anual (1.574,4 km2) estimado pelo PRODES para o estado do Amazonas no período de 2016 a 2022, período marcado pelo maior desmatamento desde 2004 [11].

Nossa abordagem de modelagem incluiu um grande avanço ao incorporar imóveis rurais na simulação, permitindo-nos distinguir a dinâmica do desmatamento projetado em diferentes tipos de imóveis rurais e em áreas fora dos imóveis rurais. Essa abordagem, aliada ao incremento de novos imóveis rurais ao longo do tempo, aprimora a representação espacial do comportamento dos agentes do desmatamento, contribuindo para uma compreensão mais abrangente do processo de desmatamento associado à construção de rodovias e à ocupação ilegal de terras na Amazônia brasileira. Assim, embora tenhamos usado uma definição de região Trans-Purus semelhante à usada por um estudo anterior [12], nosso estudo diferiu em termos de como as taxas de desmatamento foram calculadas e como a distribuição espacial do desmatamento simulado foi alocada. Isso é particularmente importante para a região Trans-Purus porque a dinâmica do desmatamento, tanto em termos de taxas quanto de distribuição espacial, difere com a presença de estradas planejadas e o avanço da fronteira de desmatamento.

Em relação às limitações da modelagem, o modelo Trans-Purus considera o surgimento de novas rodovias apenas com base nas rodovias planejadas atualmente conhecidas. Ele não considera o potencial desenvolvimento de rodovias adicionais que possam ser propostas no futuro, o que poderia influenciar significativamente a alocação do desmatamento em determinadas regiões. Além disso, a distribuição espacial dos imóveis rurais ao longo das estradas na simulação foi baseada na associação do conhecimento prévio dos modeladores sobre a mudança no uso da terra e sobre os atores locais na área de estudo, combinados com conjuntos de dados espaciais sobre imóveis rurais, rodovias e desmatamento nas regiões da BR-319 e Sul, alinhados às premissas do cenário BAU.

Conclusões

Este estudo projetou o potencial impacto futuro resultante da construção de rodovias planejadas e seu papel em facilitar o acesso para atores do desmatamento. A simulação de imóveis rurais reflete a maneira como invasões ilegais de terras nas proximidades de rodovias contribuem para o desmatamento. Ressaltamos que a construção de rodovias planejadas em partes importantes da floresta amazônica brasileira promoverá a ocupação ilegal de terras e o desmatamento, especialmente em terras públicas não destinadas. A Trans-Purus, região que abrange a maior área de florestas públicas não destinadas na Amazônia brasileira, enfrentará alto risco de desmatamento com a construção de rodovias estaduais e federais planejadas. O mesmo padrão espacial de desmatamento observado no arco de desmatamento pode ocorrer na região Trans-Purus com a presença de rodovias planejadas (por exemplo, AM-366).

A região Trans-Purus fornece serviços ecossistêmicos cruciais para o Brasil e para o resto do mundo. Também é vital para comunidades tradicionais e povos indígenas que dependem dos recursos florestais para sua sobrevivência.[13]

https://amazoniareal.com.br/desmatamento-na-regiao-trans-purus-simulando-o-impacto-das-rodovias-associadas-a-br-319/
 

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