De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
O Estado da coca
19/08/2025
Autor: Bram Ebus
Fonte: Info Amazonia - https://infoamazonia.org
Mais de duas dúzias de homens fortemente armados e com uniformes militares sentam-se na traseira de caminhonetes, usando chapéus de abas largas, lenços pretos e botas de borracha. Eles pertencem a uma das unidades móveis do Comandos de la Frontera, um grupo armado colombiano que domina uma extensa rede de rotas que conecta dezenas de milhares de hectares de plantações de coca com os vilarejos que fornecem mão de obra. Elas se conectam a corredores de tráfico que atravessam vários países, levando a portos nas costas do Pacífico e do Atlântico.
A Colômbia está mergulhada em coca. Atualmente, o país cultiva mais de 250 mil hectares da folha - um recorde que recentemente levou a Casa Branca a considerar a possibilidade de cancelar a certificação da Colômbia como parceira na guerra contra as drogas, o que acabaria com o fluxo de centenas de milhões de dólares em ajuda militar e cooperação todos os anos.
Após décadas de guerras às drogas fracassadas e campanhas de erradicação forçada, a produção de coca continua inabalável. As chaves do coração da coca na Colômbia agora pertencem a uma nova geração de grupos armados que operam menos como os movimentos guerrilheiros históricos do país e mais como empresas criminosas transnacionais. Eles se adaptaram, evoluíram e - o que é mais preocupante - estão vencendo.
A estratégia de "paz total" do presidente colombiano Gustavo Petro prometia diálogo e desmobilização, mas três anos após o início de seu governo, os grupos armados estão em vantagem. Com o fim de sua presidência em 2026 e impossibilitado de buscar um segundo mandato, Petro enfrenta uma dura realidade. Na melhor das hipóteses, ele poderá garantir acordos parciais que mal afetarão a produção de coca, embora até mesmo pequenas vitórias possam ajudar a melhorar uma tendência preocupante.
OS COMANDOS DE LA FRONTERA
Um dos grupos que controlam a produção de cocaína é o Comandos de la Frontera. As fronteiras colombianas com o Peru e o Equador estão entre os principais centros de cultivo de coca do mundo e, embora algumas regiões sejam violentamente disputadas por diferentes grupos armados, os Comandos continuam sendo o grupo dominante, com vastas áreas de território sob seu controle hegemônico.
Em seu feudo, o governo dos Comandos é totalitário. Eles restringem o acesso, fazendo com que os conselhos comunitários locais emitam carteiras de identificação para controlar quem pode entrar e sair. A organização também aplica uma justiça rudimentar, punindo ladrões, por exemplo, que roubam os produtores de coca. As pessoas que não explicam por que estão ali são amarradas a uma árvore enquanto eles investigam, enfrentando tortura e desaparecimento quando não há respostas.
O líder público dos Comandos, Jairo Marín - também conhecido pelo codinome "Popeye" - descreve o sistema de justiça rudimentar em uma entrevista exclusiva, realizada em um local na fronteira com o Equador. "Quando capturamos um ladrão, primeiro analisamos de onde ele vem, quantos crimes cometeu e, em seguida, podemos ordenar que ele saia da área, sancioná-lo e a última linha de ação é executá-lo", diz ele.
Quando capturamos um ladrão, primeiro analisamos de onde ele vem, quantos crimes cometeu e, em seguida, podemos ordenar que ele saia da área, sancioná-lo e a última linha de ação é executá-lo.
Jairo Marín, líder dos Comandos de la Frontera
Assim como outros membros da liderança dos Comandos, Marín pertencia às estruturas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - as Farc - das quais cerca de 13 mil combatentes se desmobilizaram após um abrangente tratado de paz, em 2016, que pôs fim a mais de meio século de conflito. Marín, um homem contemplativo, mas conciso, juntou-se às Farc, hoje desmobilizadas, aos 13 anos, e agora está na casa dos 50. Outro comandante local, de codinome Chacal, um homem gregário e doutrinador, de idade semelhante, que participou da entrevista, tinha apenas 11 anos quando se alistou.
Os principais componentes do acordo de 2016 careciam de verbas no final da presidência de Juan Manuel Santos, que ganhou um Prêmio Nobel da Paz pelo tratado. Sob seu sucessor Iván Duque, que não tinha vontade política para implementar aspectos essenciais do acordo, a situação piorou. O Estado não conseguiu proteger os ex-combatentes, dos quais mais de 500 foram assassinados desde então.
Criados em meio a conflitos, os tempos de paz ofereciam pouco além de exclusão, ameaças violentas e morte para pessoas como Marín. Os ex-combatentes se viram perseguidos por inimigos antigos e novos, mas dessa vez sem armas para se defender.
"Vamos nos unir e vamos começar. Vamos nos armar porque não vamos nos deixar matar. Foi assim que começamos essa organização", explica Marín. Em 2017, 16 homens se reuniram no sul do departamento colombiano de Putumayo, perto do rio San Miguel, que faz fronteira com o Equador, para fundar o que viria a ser conhecido como Comandos de la Frontera - literalmente "os comandos da fronteira". Atualmente, a organização conta com mais de 1.200 combatentes armados, incluindo ex-soldados e paramilitares.
Putumayo é uma das regiões de maior biodiversidade do mundo, onde o sopé dos Andes se transforma em floresta tropical. Explorada ao longo de gerações por barões da borracha, exploradores de petróleo, garimpeiros e traficantes de drogas, a região continua sendo uma das áreas mais violentas da Amazônia, com taxas anuais de homicídios acima de 50 por 100.000 habitantes.
Desde o início da pandemia, os Comandos expandiram suas operações para o Peru e o Equador, de acordo com autoridades de inteligência e dezenas de entrevistas com fontes da região - embora o grupo negue essa presença fora da Colômbia.
Em 9 de maio deste ano, 11 soldados equatorianos em uma operação contra garimpeiros foram mortos em uma emboscada atribuída aos Comandos, o que eles também negam.
Embora os Comandos neguem envolvimento direto com o tráfico de drogas, alegando que apenas "taxam" o comércio de cocaína e o garimpo, líderes comunitários, autoridades e fontes de inteligência contestam essa afirmação. Nas áreas de cultivo de coca, os Comandos mataram compradores e vendedores de cocaína e pasta base de coca que operavam fora de seu controle. Isso inclui membros da gangue equatoriana Los Choneros, que ocasionalmente cruzam a fronteira com Putumayo, e o grupo armado rival Carolina Ramírez, pertencente a uma estrutura dissidente das Farc chamada Estado Mayor Central (EMC).
Marín descreve sua organização como uma "guerrilha do século 21". Embora isso reflita, em parte, suas modernas estratégias de combate - incluindo drones de nível militar com alcance de 5 km para reconhecimento e entrega de armas - bem como a ausência de objetivos de derrubada do Estado, a designação refere-se principalmente à sua configuração organizacional interna.
As Farc marxistas-leninistas ofereciam poucas liberdades aos combatentes, que eram separados de suas famílias e não recebiam nenhuma renda. Nos Comandos de la Frontera, os novos recrutas ganham um "bônus" mensal de US$ 500, têm direito a férias e as famílias dos combatentes mortos recebem uma pensão.
Nossa reportagem viu os membros do grupo fazendo chamadas de vídeo para suas namoradas, navegando pelo TikTok e pensando no que fazer com seu pagamento mensal - um comportamento impensável para aqueles que lutaram com as Farc em outras épocas.
"É preciso entender que damos o bônus porque nossos combatentes têm seus pais, seus filhos, suas esposas, eles merecem esse bônus", explica Chacal, usando botas de deserto e uniforme militar.
ENRAIZADOS NA REGIÃO
Ao contrário de outros grupos armados colombianos, que normalmente enviam novos recrutas a regiões distantes para separá-los de suas famílias e redes de apoio, os Comandos mantêm seus membros dentro de territórios como Putumayo, onde foram criados. "Somos regionalistas", acrescenta Chacal. Como resultado, muitas comunidades têm um certo senso de proximidade, pois muitas famílias têm um parente dentro da organização.
Os Comandos entendem a importância de controlar as comunidades - inserindo-se nelas e fazendo com que os moradores compartilhem informações sobre operações do Exército ou grupos rivais. Em cima de um pesado prato de carne, Chacal explica: "se o Exército vier por esta estrada, um dos moradores locais dirá imediatamente ao nosso pessoal, pois temos um bom relacionamento com as pessoas". Embora sua suposta boa vontade sirva a vários propósitos, essa cooperação torna os membros da comunidade alvos tanto dos Comandos quanto de seus rivais. O grupo proíbe o roubo, o consumo de drogas e o comportamento desordeiro, e as multas e punições são aplicadas de acordo com essas regras. Os Comandos dizem que o dinheiro vai para fundos comunitários.
Os Comandos retiram a mão de obra das comunidades locais, forçando vilarejos inteiros a construir estradas de terra, transportar areia e pedras dos rios próximos para cobrir trilhas lamacentas e preencher espaços entre pequenos troncos de árvores colocados horizontalmente em encostas íngremes. Aos olhos dos Comandos, essas estradas representam um aspecto fundamental do desenvolvimento local graças à sua organização, e eles insistem que as comunidades locais se beneficiam dessas estradas, mas aos olhos das fontes policiais, elas são estradas para o tráfico de drogas.
"O relacionamento entre as comunidades e nós é uma parte fundamental de quem somos. Nós nos tornamos suplementares para as comunidades", avalia Chacal. Ele argumenta que os Comandos protegem as comunidades e trabalham em "transformações regionais" em termos de infraestrutura rural e representação política, defendendo investimentos em desenvolvimento regional nos atuais diálogos de paz com o governo. Ao fazer isso, as populações locais instrumentalizadas se tornam uma ferramenta poderosa para sua agenda sociopolítica.
A retórica comunitária parece ser mais do que mera legitimação. Ambos os comandantes são nativos de regiões do sul da Colômbia que, tirando seus uniformes de combate, poderiam se misturar perfeitamente à população camponesa local - suas roupas modestas e maneirismos rurais permitiriam que passassem despercebidos se não fossem suas cicatrizes de batalha e os grandes anéis que enfeitam seus dedos.
Nem Marín nem Chacal parecem temer a população civil em suas áreas de influência - os povoados que eles controlam com mais rigor. São assentamentos remotos na floresta, acessíveis somente por meio de postos de controle, numa região onde toda fazenda tem uma arena de briga de galo e ouve-se narcocorridos mexicanos em todos os cantos.
Os membros vivem e passam seu tempo comendo em estabelecimentos locais, dando generosas gorjetas. Viajando com guarda-costas armados recrutados nos próprios vilarejos, eles circulam livremente pelas comunidades a qualquer hora. À noite, eles podem ser encontrados nas praças dos povoados, pedindo churrasco no jantar como qualquer outro morador.
"Por exemplo, sempre agimos em nome das comunidades, com respeito mútuo pelas comunidades e respeito absoluto pelas comunidades indígenas e afro-colombianas. Antes de mais nada, elas têm um sistema de organização social diferente. Nós, os Comandos de la Frontera, somos apenas um incentivo para melhorar [o desenvolvimento] e a segurança nos territórios", explica Chacal.
A chave para seu progresso está no controle sobre as comunidades, que muitas vezes é indesejado e obtido por meio da coerção e da ameaça contínua de violência, ou por meio de uma sensação perversa de maior segurança.
Em dezenas de entrevistas com líderes indígenas e representantes camponeses, todos pedem anonimato, pois as consequências de falar contra os Comandos podem ser fatais. Os membros da comunidade em Putumayo descrevem uma forma asfixiante de controle.
"Eles querem mostrar ao Estado que estão de fato trabalhando com as comunidades, mas estão, sim, com uma arma", explica um líder comunitário indígena. Os grupos étnicos têm terras autônomas reconhecidas constitucionalmente, com um certo grau de autogoverno, mas "eles não estão nem aí", diz outro líder indígena sobre os Comandos. O líder continua acusando-os de recrutar membros de seu grupo étnico, inclusive menores de idade, proibindo as equipes de monitoramento territorial indígena de entrar em seus próprios territórios e tentando comprar sua liderança. "O dinheiro da cocaína está fazendo a diferença na Colômbia, mas para pior", acrescenta um líder camponês.
Em uma região em que a população depende de uma economia de cocaína controlada por grupos armados e em que as agências estatais não conseguiram desenvolver programas abrangentes de construção do Estado, acesso à saúde e educação pública, os Comandos são o rei.
NUEVO PAYA
Vamos México! O acordeão toca seu refrão, que ecoa nos alto-falantes e no rio Putumayo. É domingo de manhã, 9h45, e dezenas de homens com olhos vidrados depois de beber a noite toda sentam-se nos bares com as mesas à sua frente cheias de garrafas de cerveja vazias - assim como o chão - porque esse é o dia de folga deles. Não muito longe, cânticos altos emergem de um centro comunitário evangélico.
Estamos em Nuevo Paya, um assentamento dentro do Parque Nacional La Paya, habitado por alguns dos povos indígenas que vivem na área, mas principalmente um vilarejo de "colonos" - colonos, alguns novos, outros que vivem lá há décadas. Muitos chegaram depois de fugir de episódios de conflito violento, escondendo-se na selva e, muitas vezes, encontrando um meio de vida na coca, a única economia viável ali.
Fomos desalojados pelo Exército, que disparou bazucas, bombas e morteiros contra nós", lembra Jaime Ruiz, um agricultor de coca conhecido como "El Paisa", que foi desalojado em 2013, quando o Exército lançou uma série de ataques contra a guerrilha das Farc, presente no local. "Eles dispararam morteiros em nossa direção, aterrissaram perto de nossas casas, então, infelizmente, também nos expulsaram de nossos territórios", diz ele, explicando por que se mudou para o isolamento da área protegida do parque nacional.
As Farc se desmobilizaram depois do acordo de paz de 2016, mas não demorou mais de dois anos para que grupos dissidentes e novos grupos armados aparecessem em Puerto Leguízamo, um município no departamento de Putumayo, maior do que a Jamaica, que faz fronteira com o Peru e o Equador. O Parque Nacional La Paya, com 422 mil hectares, cobre quase metade de sua extensão.
Para chegar à fazenda de El Paisa, um pequeno barco a motor manobra sobre um labirinto de igarapés em uma densa floresta tropical, alguns dos igarapés cobertos de mato. Jacarés e golfinhos de água doce se escondem nas águas escuras, enquanto os martim-pescadores e a cigana pré-histórica - o fóssil vivo - ficam perto da água e os macacos-esquilo pulam de galho em galho. Sandra Ahuite Otaya, uma representante da comunidade local, brinca que, embora os soldados possam caminhar até a área do parque durante a estação seca, os barcos da Marinha não conseguem lidar com os igarapés, rasos e pequenos, cheios de troncos de árvores. Ela ri dizendo que eles, os colonos ilegais, já tiveram que guiar um barco da Marinha chamado Piranha.
Ao longo de um dos igarapés, surgem espaços abertos na densa floresta. Alguns têm cabanas de madeira sobre palafitas, com muitos tambores de gasolina na margem do rio. Aparecem as entradas das fazendas de coca e seus laboratórios de pasta de coca adjacentes - para produzir o precursor da cocaína. No Parque Nacional La Paya, há pelo menos 1.800 hectares de plantações de coca, o principal ingrediente de uma economia ilícita que impulsionou décadas de conflito.
Em uma dessas fazendas vive El Paisa. Vestindo calças cargo pretas e botas, sem camisa, ele anda de um lado para o outro, tagarela e enérgico, enquanto procura sua camisa de futebol e seu boné surrados do Milan.
"Estamos cansados disso. Vemos que a coca sempre prejudicou este país", diz ele, enquanto caminha por seus 6 hectares de plantações de coca, que dão quatro colheitas por ano. Apesar da violência, o negócio da cocaína permite que El Paisa pague seus trabalhadores e despesas e mantenha sua empresa em funcionamento. "A coca é uma forma de sustentar a nós mesmos, nossos filhos e nossa família", acrescenta.
Para eliminar gradualmente os cultivos de coca e substituir o cultivo ilícito por cultivos legais de alimentos, explica El Paisa, é necessária uma solução negociada entre o Estado, as comunidades e os Comandos de la Frontera.
"Agora mesmo, temos outro grupo em nosso território, em negociações com o governo colombiano; eles querem conversações de paz. Para nós, camponeses, isso é muito importante porque daria um pouco de fim à guerra. Seria maravilhoso, para dizer o mínimo, se pudéssemos desfrutar de um Putumayo pacífico."
PAZ E POLÍTICA DE DROGAS
Apesar de um plano ambicioso para intermediar a paz com todos os inúmeros grupos armados e organizações criminosas da Colômbia, apenas alguns diálogos continuam em andamento. Os defensores dos direitos humanos alertam que os grupos armados expandiram suas tropas, sua economia e seu território enquanto participavam dos diálogos de paz. Atualmente, 790 municípios da Colômbia contam com sua presença, o que representa mais de 70% do total do país.
Apesar do cenário sombrio, os Comandos e o governo continuam em negociações. O negociador-chefe do governo, Armando Novoa, um advogado de carreira de fala fácil, sentado em um escritório em um arranha-céu de Bogotá, acredita que acordos parciais rápidos com os Comandos de la Frontera podem ser alcançados - acordos simbolicamente importantes que poderiam, por exemplo, envolver a entrega de armas, a desmobilização de uma parte das tropas e a redução do cultivo de coca.
"Para nós, é muito importante chegar a acordos por meio de conversações de paz para conseguir a erradicação das folhas de coca da economia ilegal por meio do diálogo, com a participação direta das comunidades nesses territórios", diz Novoa. "Essas são áreas historicamente negligenciadas pelo Estado colombiano, onde não há intervenção econômica ou políticas sociais."
As comunidades de Putumayo fazem o possível para permanecer neutras e compartilham um desejo unificado de paz em seus territórios, rejeitando todas as intervenções armadas. Elas precisam urgentemente de alternativas viáveis ao cultivo de coca, dizem, uma cultura cuja conversão em cocaína desencadeou a violência e causou divisões. Entretanto, até que a estabilidade retorne, o cultivo de coca continua sendo o principal meio de sobrevivência das famílias.
A ameaça de Trump de cancelar a certificação da Colômbia como parceira na guerra contra as drogas prejudica os próprios objetivos que ele busca alcançar. A medida traria amplas consequências políticas e econômicas, incluindo a redução do financiamento para as forças armadas da Colômbia, o que na verdade enfraqueceria a capacidade do país de combater grupos como os Comandos e erradicar a coca.
Novoa adverte não apenas sobre as drásticas consequências para a segurança, mas também sobre a falta de reflexão nos Estados Unidos - o país que mais consome cocaína no mundo.
"Estamos tentando um diálogo em busca de uma solução para um problema complexo que a sociedade colombiana claramente não criou sozinha. Há uma responsabilidade global aqui. Quando olho para as ruas de Manhattan, onde muitos executivos consomem cocaína nos fins de semana, pela qual pagam muito, a questão é se há alguma responsabilidade pelo que acontece com os agricultores no sul do país, em Putumayo, onde os Comandos de Frontera estão baseados."
Com a Colômbia enfrentando a possibilidade de ser desclassificada, a redução das plantações de coca permitiria que o governo Petro renegociasse termos mais favoráveis com Washington. À medida que as opções diminuem, os Comandos de repente se tornaram de importância crucial para esse esforço. O governo já garantiu um acordo inicial para reduzir o cultivo em 15.000 hectares em Putumayo.
Talvez sem estar totalmente ciente de sua influência, Marín se compromete a "permitir a entrada do Estado" para implementar programas de substituição de culturas com os produtores de coca.
Depois de vários fracassos anteriores devido à falta de financiamento, confusões burocráticas e programas mal elaborados, essa tentativa pode ser diferente.
No 32o andar, com vista para as montanhas do leste de Bogotá, Gloria Miranda, diretora de Política de Drogas da Colômbia, explica os dois pilares da política colombiana em relação aos plantadores de coca: oxigênio e asfixia. "E essa [asfixia] é especificamente a política punitiva criminal e militar do Estado. Já o oxigênio tem a ver com a abordagem das causas estruturais que forçam as pessoas a cultivar, digamos, coca, maconha ou papoula para fins ilícitos..."
Miranda reconhece que o apoio dos grupos armados e sua disposição em colaborar com a agenda de paz da Colômbia são fundamentais. Os grupos armados já plantaram minas terrestres ao redor dos campos de coca e empregaram atiradores de elite para atacar os erradicadores de plantações. A disposição dos Comandos em permitir que o Estado avance com projetos de substituição de cultivos não só facilita a implementação, mas também é socialmente viável, pois o grupo, de forma paradoxal, representa a agenda e o movimento cocalero.
"Se o grupo ilegal presente no território respeitar o desejo dos fazendeiros de fazer a transição para uma economia legal, essa transição será muito mais fácil", diz Miranda, ressaltando também a necessidade de apoio estrangeiro. "Nós, é claro, estamos muito empenhados em apresentar esses resultados rápidos e demonstrá-los à comunidade internacional. Os Estados Unidos são e têm sido um aliado fundamental da Colômbia na luta contra o tráfico de drogas", afirma.
Miranda está convencida de que o Estado pode intermediar um acordo com Marín, especialmente devido às raízes locais de seus líderes e combatentes. "Acho que eles perceberam que a guerra é insustentável, que embora traga dinheiro, a economia ilegal não traz o que todos nós estamos procurando, que é paz e tranquilidade, porque vamos lembrar que os Comandos de la Frontera ou qualquer outro grupo que esteja presente em um território na Colômbia também são pessoas que são do território."
Um pouco surpreso com a pergunta sobre onde ele espera estar em cinco anos, quando entrevistado na fronteira da Amazônia colombiana, Marín mexe na trava de segurança de seu rifle automático e diz: "Quero dizer, se houver um processo de paz e o governo obedecer, eu me vejo em uma região como esta, com uma pequena fazenda, um projeto legal, com minha família, muito pacífica. Se o governo concordar e garantir que ninguém virá nos incomodar e que os produtos que começaremos a cultivar serão vendidos, que as pessoas os comprarão e, com isso, poderemos nos sustentar. Pessoalmente, estou apoiando o processo de paz com seriedade e coração para que isso aconteça e possamos viver em paz."
Com um olhar de relance e um sorriso, Chacal responde por sua vez: "Eu, liderando grandes marchas sociais e políticas!" - imaginando um futuro de liderança de movimentos camponeses na região, que ele vê como uma continuação de sua luta atual, mas sem armas.
No entanto, com as eleições presidenciais e legislativas previstas para 2026 em meio a um ambiente altamente polarizado, há uma chance de que os projetos de paz da Colômbia não tenham continuidade e que a nova liderança política insista em soluções militares.
No mundo cínico dos Comandos de la Frontera, onde cuidar das comunidades significa pagar jovens para participar de um novo capítulo do conflito interno, onde o trabalho forçado para a construção de estradas é chamado de desenvolvimento local, uma máquina de guerra em constante expansão se prepara simultaneamente para o pior.
"Assim como estamos nos preparando para a paz, também estamos nos preparando para a guerra. Porque a guerra é a continuação da política por outros meios. Se não houver paz, então devemos nos preparar", vaticina Chacal.
Esta reportagem faz parte do projeto Amazon Underworld, uma aliança transnacional que investiga tendências do crime organizado na Amazônia, integrada por Al Margen (Peru), Armando.Info (Venezuela), InfoAmazonia
(Brasil), La Liga Contra el Silencio (Colômbia), La Barra Espaciadora (Equador) e RAI (Bolívia).
https://infoamazonia.org/2025/08/19/o-estado-da-coca/
A Colômbia está mergulhada em coca. Atualmente, o país cultiva mais de 250 mil hectares da folha - um recorde que recentemente levou a Casa Branca a considerar a possibilidade de cancelar a certificação da Colômbia como parceira na guerra contra as drogas, o que acabaria com o fluxo de centenas de milhões de dólares em ajuda militar e cooperação todos os anos.
Após décadas de guerras às drogas fracassadas e campanhas de erradicação forçada, a produção de coca continua inabalável. As chaves do coração da coca na Colômbia agora pertencem a uma nova geração de grupos armados que operam menos como os movimentos guerrilheiros históricos do país e mais como empresas criminosas transnacionais. Eles se adaptaram, evoluíram e - o que é mais preocupante - estão vencendo.
A estratégia de "paz total" do presidente colombiano Gustavo Petro prometia diálogo e desmobilização, mas três anos após o início de seu governo, os grupos armados estão em vantagem. Com o fim de sua presidência em 2026 e impossibilitado de buscar um segundo mandato, Petro enfrenta uma dura realidade. Na melhor das hipóteses, ele poderá garantir acordos parciais que mal afetarão a produção de coca, embora até mesmo pequenas vitórias possam ajudar a melhorar uma tendência preocupante.
OS COMANDOS DE LA FRONTERA
Um dos grupos que controlam a produção de cocaína é o Comandos de la Frontera. As fronteiras colombianas com o Peru e o Equador estão entre os principais centros de cultivo de coca do mundo e, embora algumas regiões sejam violentamente disputadas por diferentes grupos armados, os Comandos continuam sendo o grupo dominante, com vastas áreas de território sob seu controle hegemônico.
Em seu feudo, o governo dos Comandos é totalitário. Eles restringem o acesso, fazendo com que os conselhos comunitários locais emitam carteiras de identificação para controlar quem pode entrar e sair. A organização também aplica uma justiça rudimentar, punindo ladrões, por exemplo, que roubam os produtores de coca. As pessoas que não explicam por que estão ali são amarradas a uma árvore enquanto eles investigam, enfrentando tortura e desaparecimento quando não há respostas.
O líder público dos Comandos, Jairo Marín - também conhecido pelo codinome "Popeye" - descreve o sistema de justiça rudimentar em uma entrevista exclusiva, realizada em um local na fronteira com o Equador. "Quando capturamos um ladrão, primeiro analisamos de onde ele vem, quantos crimes cometeu e, em seguida, podemos ordenar que ele saia da área, sancioná-lo e a última linha de ação é executá-lo", diz ele.
Quando capturamos um ladrão, primeiro analisamos de onde ele vem, quantos crimes cometeu e, em seguida, podemos ordenar que ele saia da área, sancioná-lo e a última linha de ação é executá-lo.
Jairo Marín, líder dos Comandos de la Frontera
Assim como outros membros da liderança dos Comandos, Marín pertencia às estruturas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - as Farc - das quais cerca de 13 mil combatentes se desmobilizaram após um abrangente tratado de paz, em 2016, que pôs fim a mais de meio século de conflito. Marín, um homem contemplativo, mas conciso, juntou-se às Farc, hoje desmobilizadas, aos 13 anos, e agora está na casa dos 50. Outro comandante local, de codinome Chacal, um homem gregário e doutrinador, de idade semelhante, que participou da entrevista, tinha apenas 11 anos quando se alistou.
Os principais componentes do acordo de 2016 careciam de verbas no final da presidência de Juan Manuel Santos, que ganhou um Prêmio Nobel da Paz pelo tratado. Sob seu sucessor Iván Duque, que não tinha vontade política para implementar aspectos essenciais do acordo, a situação piorou. O Estado não conseguiu proteger os ex-combatentes, dos quais mais de 500 foram assassinados desde então.
Criados em meio a conflitos, os tempos de paz ofereciam pouco além de exclusão, ameaças violentas e morte para pessoas como Marín. Os ex-combatentes se viram perseguidos por inimigos antigos e novos, mas dessa vez sem armas para se defender.
"Vamos nos unir e vamos começar. Vamos nos armar porque não vamos nos deixar matar. Foi assim que começamos essa organização", explica Marín. Em 2017, 16 homens se reuniram no sul do departamento colombiano de Putumayo, perto do rio San Miguel, que faz fronteira com o Equador, para fundar o que viria a ser conhecido como Comandos de la Frontera - literalmente "os comandos da fronteira". Atualmente, a organização conta com mais de 1.200 combatentes armados, incluindo ex-soldados e paramilitares.
Putumayo é uma das regiões de maior biodiversidade do mundo, onde o sopé dos Andes se transforma em floresta tropical. Explorada ao longo de gerações por barões da borracha, exploradores de petróleo, garimpeiros e traficantes de drogas, a região continua sendo uma das áreas mais violentas da Amazônia, com taxas anuais de homicídios acima de 50 por 100.000 habitantes.
Desde o início da pandemia, os Comandos expandiram suas operações para o Peru e o Equador, de acordo com autoridades de inteligência e dezenas de entrevistas com fontes da região - embora o grupo negue essa presença fora da Colômbia.
Em 9 de maio deste ano, 11 soldados equatorianos em uma operação contra garimpeiros foram mortos em uma emboscada atribuída aos Comandos, o que eles também negam.
Embora os Comandos neguem envolvimento direto com o tráfico de drogas, alegando que apenas "taxam" o comércio de cocaína e o garimpo, líderes comunitários, autoridades e fontes de inteligência contestam essa afirmação. Nas áreas de cultivo de coca, os Comandos mataram compradores e vendedores de cocaína e pasta base de coca que operavam fora de seu controle. Isso inclui membros da gangue equatoriana Los Choneros, que ocasionalmente cruzam a fronteira com Putumayo, e o grupo armado rival Carolina Ramírez, pertencente a uma estrutura dissidente das Farc chamada Estado Mayor Central (EMC).
Marín descreve sua organização como uma "guerrilha do século 21". Embora isso reflita, em parte, suas modernas estratégias de combate - incluindo drones de nível militar com alcance de 5 km para reconhecimento e entrega de armas - bem como a ausência de objetivos de derrubada do Estado, a designação refere-se principalmente à sua configuração organizacional interna.
As Farc marxistas-leninistas ofereciam poucas liberdades aos combatentes, que eram separados de suas famílias e não recebiam nenhuma renda. Nos Comandos de la Frontera, os novos recrutas ganham um "bônus" mensal de US$ 500, têm direito a férias e as famílias dos combatentes mortos recebem uma pensão.
Nossa reportagem viu os membros do grupo fazendo chamadas de vídeo para suas namoradas, navegando pelo TikTok e pensando no que fazer com seu pagamento mensal - um comportamento impensável para aqueles que lutaram com as Farc em outras épocas.
"É preciso entender que damos o bônus porque nossos combatentes têm seus pais, seus filhos, suas esposas, eles merecem esse bônus", explica Chacal, usando botas de deserto e uniforme militar.
ENRAIZADOS NA REGIÃO
Ao contrário de outros grupos armados colombianos, que normalmente enviam novos recrutas a regiões distantes para separá-los de suas famílias e redes de apoio, os Comandos mantêm seus membros dentro de territórios como Putumayo, onde foram criados. "Somos regionalistas", acrescenta Chacal. Como resultado, muitas comunidades têm um certo senso de proximidade, pois muitas famílias têm um parente dentro da organização.
Os Comandos entendem a importância de controlar as comunidades - inserindo-se nelas e fazendo com que os moradores compartilhem informações sobre operações do Exército ou grupos rivais. Em cima de um pesado prato de carne, Chacal explica: "se o Exército vier por esta estrada, um dos moradores locais dirá imediatamente ao nosso pessoal, pois temos um bom relacionamento com as pessoas". Embora sua suposta boa vontade sirva a vários propósitos, essa cooperação torna os membros da comunidade alvos tanto dos Comandos quanto de seus rivais. O grupo proíbe o roubo, o consumo de drogas e o comportamento desordeiro, e as multas e punições são aplicadas de acordo com essas regras. Os Comandos dizem que o dinheiro vai para fundos comunitários.
Os Comandos retiram a mão de obra das comunidades locais, forçando vilarejos inteiros a construir estradas de terra, transportar areia e pedras dos rios próximos para cobrir trilhas lamacentas e preencher espaços entre pequenos troncos de árvores colocados horizontalmente em encostas íngremes. Aos olhos dos Comandos, essas estradas representam um aspecto fundamental do desenvolvimento local graças à sua organização, e eles insistem que as comunidades locais se beneficiam dessas estradas, mas aos olhos das fontes policiais, elas são estradas para o tráfico de drogas.
"O relacionamento entre as comunidades e nós é uma parte fundamental de quem somos. Nós nos tornamos suplementares para as comunidades", avalia Chacal. Ele argumenta que os Comandos protegem as comunidades e trabalham em "transformações regionais" em termos de infraestrutura rural e representação política, defendendo investimentos em desenvolvimento regional nos atuais diálogos de paz com o governo. Ao fazer isso, as populações locais instrumentalizadas se tornam uma ferramenta poderosa para sua agenda sociopolítica.
A retórica comunitária parece ser mais do que mera legitimação. Ambos os comandantes são nativos de regiões do sul da Colômbia que, tirando seus uniformes de combate, poderiam se misturar perfeitamente à população camponesa local - suas roupas modestas e maneirismos rurais permitiriam que passassem despercebidos se não fossem suas cicatrizes de batalha e os grandes anéis que enfeitam seus dedos.
Nem Marín nem Chacal parecem temer a população civil em suas áreas de influência - os povoados que eles controlam com mais rigor. São assentamentos remotos na floresta, acessíveis somente por meio de postos de controle, numa região onde toda fazenda tem uma arena de briga de galo e ouve-se narcocorridos mexicanos em todos os cantos.
Os membros vivem e passam seu tempo comendo em estabelecimentos locais, dando generosas gorjetas. Viajando com guarda-costas armados recrutados nos próprios vilarejos, eles circulam livremente pelas comunidades a qualquer hora. À noite, eles podem ser encontrados nas praças dos povoados, pedindo churrasco no jantar como qualquer outro morador.
"Por exemplo, sempre agimos em nome das comunidades, com respeito mútuo pelas comunidades e respeito absoluto pelas comunidades indígenas e afro-colombianas. Antes de mais nada, elas têm um sistema de organização social diferente. Nós, os Comandos de la Frontera, somos apenas um incentivo para melhorar [o desenvolvimento] e a segurança nos territórios", explica Chacal.
A chave para seu progresso está no controle sobre as comunidades, que muitas vezes é indesejado e obtido por meio da coerção e da ameaça contínua de violência, ou por meio de uma sensação perversa de maior segurança.
Em dezenas de entrevistas com líderes indígenas e representantes camponeses, todos pedem anonimato, pois as consequências de falar contra os Comandos podem ser fatais. Os membros da comunidade em Putumayo descrevem uma forma asfixiante de controle.
"Eles querem mostrar ao Estado que estão de fato trabalhando com as comunidades, mas estão, sim, com uma arma", explica um líder comunitário indígena. Os grupos étnicos têm terras autônomas reconhecidas constitucionalmente, com um certo grau de autogoverno, mas "eles não estão nem aí", diz outro líder indígena sobre os Comandos. O líder continua acusando-os de recrutar membros de seu grupo étnico, inclusive menores de idade, proibindo as equipes de monitoramento territorial indígena de entrar em seus próprios territórios e tentando comprar sua liderança. "O dinheiro da cocaína está fazendo a diferença na Colômbia, mas para pior", acrescenta um líder camponês.
Em uma região em que a população depende de uma economia de cocaína controlada por grupos armados e em que as agências estatais não conseguiram desenvolver programas abrangentes de construção do Estado, acesso à saúde e educação pública, os Comandos são o rei.
NUEVO PAYA
Vamos México! O acordeão toca seu refrão, que ecoa nos alto-falantes e no rio Putumayo. É domingo de manhã, 9h45, e dezenas de homens com olhos vidrados depois de beber a noite toda sentam-se nos bares com as mesas à sua frente cheias de garrafas de cerveja vazias - assim como o chão - porque esse é o dia de folga deles. Não muito longe, cânticos altos emergem de um centro comunitário evangélico.
Estamos em Nuevo Paya, um assentamento dentro do Parque Nacional La Paya, habitado por alguns dos povos indígenas que vivem na área, mas principalmente um vilarejo de "colonos" - colonos, alguns novos, outros que vivem lá há décadas. Muitos chegaram depois de fugir de episódios de conflito violento, escondendo-se na selva e, muitas vezes, encontrando um meio de vida na coca, a única economia viável ali.
Fomos desalojados pelo Exército, que disparou bazucas, bombas e morteiros contra nós", lembra Jaime Ruiz, um agricultor de coca conhecido como "El Paisa", que foi desalojado em 2013, quando o Exército lançou uma série de ataques contra a guerrilha das Farc, presente no local. "Eles dispararam morteiros em nossa direção, aterrissaram perto de nossas casas, então, infelizmente, também nos expulsaram de nossos territórios", diz ele, explicando por que se mudou para o isolamento da área protegida do parque nacional.
As Farc se desmobilizaram depois do acordo de paz de 2016, mas não demorou mais de dois anos para que grupos dissidentes e novos grupos armados aparecessem em Puerto Leguízamo, um município no departamento de Putumayo, maior do que a Jamaica, que faz fronteira com o Peru e o Equador. O Parque Nacional La Paya, com 422 mil hectares, cobre quase metade de sua extensão.
Para chegar à fazenda de El Paisa, um pequeno barco a motor manobra sobre um labirinto de igarapés em uma densa floresta tropical, alguns dos igarapés cobertos de mato. Jacarés e golfinhos de água doce se escondem nas águas escuras, enquanto os martim-pescadores e a cigana pré-histórica - o fóssil vivo - ficam perto da água e os macacos-esquilo pulam de galho em galho. Sandra Ahuite Otaya, uma representante da comunidade local, brinca que, embora os soldados possam caminhar até a área do parque durante a estação seca, os barcos da Marinha não conseguem lidar com os igarapés, rasos e pequenos, cheios de troncos de árvores. Ela ri dizendo que eles, os colonos ilegais, já tiveram que guiar um barco da Marinha chamado Piranha.
Ao longo de um dos igarapés, surgem espaços abertos na densa floresta. Alguns têm cabanas de madeira sobre palafitas, com muitos tambores de gasolina na margem do rio. Aparecem as entradas das fazendas de coca e seus laboratórios de pasta de coca adjacentes - para produzir o precursor da cocaína. No Parque Nacional La Paya, há pelo menos 1.800 hectares de plantações de coca, o principal ingrediente de uma economia ilícita que impulsionou décadas de conflito.
Em uma dessas fazendas vive El Paisa. Vestindo calças cargo pretas e botas, sem camisa, ele anda de um lado para o outro, tagarela e enérgico, enquanto procura sua camisa de futebol e seu boné surrados do Milan.
"Estamos cansados disso. Vemos que a coca sempre prejudicou este país", diz ele, enquanto caminha por seus 6 hectares de plantações de coca, que dão quatro colheitas por ano. Apesar da violência, o negócio da cocaína permite que El Paisa pague seus trabalhadores e despesas e mantenha sua empresa em funcionamento. "A coca é uma forma de sustentar a nós mesmos, nossos filhos e nossa família", acrescenta.
Para eliminar gradualmente os cultivos de coca e substituir o cultivo ilícito por cultivos legais de alimentos, explica El Paisa, é necessária uma solução negociada entre o Estado, as comunidades e os Comandos de la Frontera.
"Agora mesmo, temos outro grupo em nosso território, em negociações com o governo colombiano; eles querem conversações de paz. Para nós, camponeses, isso é muito importante porque daria um pouco de fim à guerra. Seria maravilhoso, para dizer o mínimo, se pudéssemos desfrutar de um Putumayo pacífico."
PAZ E POLÍTICA DE DROGAS
Apesar de um plano ambicioso para intermediar a paz com todos os inúmeros grupos armados e organizações criminosas da Colômbia, apenas alguns diálogos continuam em andamento. Os defensores dos direitos humanos alertam que os grupos armados expandiram suas tropas, sua economia e seu território enquanto participavam dos diálogos de paz. Atualmente, 790 municípios da Colômbia contam com sua presença, o que representa mais de 70% do total do país.
Apesar do cenário sombrio, os Comandos e o governo continuam em negociações. O negociador-chefe do governo, Armando Novoa, um advogado de carreira de fala fácil, sentado em um escritório em um arranha-céu de Bogotá, acredita que acordos parciais rápidos com os Comandos de la Frontera podem ser alcançados - acordos simbolicamente importantes que poderiam, por exemplo, envolver a entrega de armas, a desmobilização de uma parte das tropas e a redução do cultivo de coca.
"Para nós, é muito importante chegar a acordos por meio de conversações de paz para conseguir a erradicação das folhas de coca da economia ilegal por meio do diálogo, com a participação direta das comunidades nesses territórios", diz Novoa. "Essas são áreas historicamente negligenciadas pelo Estado colombiano, onde não há intervenção econômica ou políticas sociais."
As comunidades de Putumayo fazem o possível para permanecer neutras e compartilham um desejo unificado de paz em seus territórios, rejeitando todas as intervenções armadas. Elas precisam urgentemente de alternativas viáveis ao cultivo de coca, dizem, uma cultura cuja conversão em cocaína desencadeou a violência e causou divisões. Entretanto, até que a estabilidade retorne, o cultivo de coca continua sendo o principal meio de sobrevivência das famílias.
A ameaça de Trump de cancelar a certificação da Colômbia como parceira na guerra contra as drogas prejudica os próprios objetivos que ele busca alcançar. A medida traria amplas consequências políticas e econômicas, incluindo a redução do financiamento para as forças armadas da Colômbia, o que na verdade enfraqueceria a capacidade do país de combater grupos como os Comandos e erradicar a coca.
Novoa adverte não apenas sobre as drásticas consequências para a segurança, mas também sobre a falta de reflexão nos Estados Unidos - o país que mais consome cocaína no mundo.
"Estamos tentando um diálogo em busca de uma solução para um problema complexo que a sociedade colombiana claramente não criou sozinha. Há uma responsabilidade global aqui. Quando olho para as ruas de Manhattan, onde muitos executivos consomem cocaína nos fins de semana, pela qual pagam muito, a questão é se há alguma responsabilidade pelo que acontece com os agricultores no sul do país, em Putumayo, onde os Comandos de Frontera estão baseados."
Com a Colômbia enfrentando a possibilidade de ser desclassificada, a redução das plantações de coca permitiria que o governo Petro renegociasse termos mais favoráveis com Washington. À medida que as opções diminuem, os Comandos de repente se tornaram de importância crucial para esse esforço. O governo já garantiu um acordo inicial para reduzir o cultivo em 15.000 hectares em Putumayo.
Talvez sem estar totalmente ciente de sua influência, Marín se compromete a "permitir a entrada do Estado" para implementar programas de substituição de culturas com os produtores de coca.
Depois de vários fracassos anteriores devido à falta de financiamento, confusões burocráticas e programas mal elaborados, essa tentativa pode ser diferente.
No 32o andar, com vista para as montanhas do leste de Bogotá, Gloria Miranda, diretora de Política de Drogas da Colômbia, explica os dois pilares da política colombiana em relação aos plantadores de coca: oxigênio e asfixia. "E essa [asfixia] é especificamente a política punitiva criminal e militar do Estado. Já o oxigênio tem a ver com a abordagem das causas estruturais que forçam as pessoas a cultivar, digamos, coca, maconha ou papoula para fins ilícitos..."
Miranda reconhece que o apoio dos grupos armados e sua disposição em colaborar com a agenda de paz da Colômbia são fundamentais. Os grupos armados já plantaram minas terrestres ao redor dos campos de coca e empregaram atiradores de elite para atacar os erradicadores de plantações. A disposição dos Comandos em permitir que o Estado avance com projetos de substituição de cultivos não só facilita a implementação, mas também é socialmente viável, pois o grupo, de forma paradoxal, representa a agenda e o movimento cocalero.
"Se o grupo ilegal presente no território respeitar o desejo dos fazendeiros de fazer a transição para uma economia legal, essa transição será muito mais fácil", diz Miranda, ressaltando também a necessidade de apoio estrangeiro. "Nós, é claro, estamos muito empenhados em apresentar esses resultados rápidos e demonstrá-los à comunidade internacional. Os Estados Unidos são e têm sido um aliado fundamental da Colômbia na luta contra o tráfico de drogas", afirma.
Miranda está convencida de que o Estado pode intermediar um acordo com Marín, especialmente devido às raízes locais de seus líderes e combatentes. "Acho que eles perceberam que a guerra é insustentável, que embora traga dinheiro, a economia ilegal não traz o que todos nós estamos procurando, que é paz e tranquilidade, porque vamos lembrar que os Comandos de la Frontera ou qualquer outro grupo que esteja presente em um território na Colômbia também são pessoas que são do território."
Um pouco surpreso com a pergunta sobre onde ele espera estar em cinco anos, quando entrevistado na fronteira da Amazônia colombiana, Marín mexe na trava de segurança de seu rifle automático e diz: "Quero dizer, se houver um processo de paz e o governo obedecer, eu me vejo em uma região como esta, com uma pequena fazenda, um projeto legal, com minha família, muito pacífica. Se o governo concordar e garantir que ninguém virá nos incomodar e que os produtos que começaremos a cultivar serão vendidos, que as pessoas os comprarão e, com isso, poderemos nos sustentar. Pessoalmente, estou apoiando o processo de paz com seriedade e coração para que isso aconteça e possamos viver em paz."
Com um olhar de relance e um sorriso, Chacal responde por sua vez: "Eu, liderando grandes marchas sociais e políticas!" - imaginando um futuro de liderança de movimentos camponeses na região, que ele vê como uma continuação de sua luta atual, mas sem armas.
No entanto, com as eleições presidenciais e legislativas previstas para 2026 em meio a um ambiente altamente polarizado, há uma chance de que os projetos de paz da Colômbia não tenham continuidade e que a nova liderança política insista em soluções militares.
No mundo cínico dos Comandos de la Frontera, onde cuidar das comunidades significa pagar jovens para participar de um novo capítulo do conflito interno, onde o trabalho forçado para a construção de estradas é chamado de desenvolvimento local, uma máquina de guerra em constante expansão se prepara simultaneamente para o pior.
"Assim como estamos nos preparando para a paz, também estamos nos preparando para a guerra. Porque a guerra é a continuação da política por outros meios. Se não houver paz, então devemos nos preparar", vaticina Chacal.
Esta reportagem faz parte do projeto Amazon Underworld, uma aliança transnacional que investiga tendências do crime organizado na Amazônia, integrada por Al Margen (Peru), Armando.Info (Venezuela), InfoAmazonia
(Brasil), La Liga Contra el Silencio (Colômbia), La Barra Espaciadora (Equador) e RAI (Bolívia).
https://infoamazonia.org/2025/08/19/o-estado-da-coca/
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