De Povos Indígenas no Brasil
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Soja e 'esquecimento' ameaçam parque amazônico com pinturas rupestres milenares
04/09/2025
Autor: Peter Speetjens
Fonte: Mongabay - https://brasil.mongabay.com/
Soja e 'esquecimento' ameaçam parque amazônico com pinturas rupestres milenares
MONTE ALEGRE, Pará - Localizado na margem norte do Rio Amazonas, próximo a Santarém, o município paraense de Monte Alegre abriga uma das joias antropológicas mais bem preservadas em território brasileiro.
Elas estão guardadas no Parque Estadual Monte Alegre (Pema), fundado como área de conservação ambiental em 2001. Nesse local de "relevante beleza cênica e peculiar ecossistema", conforme descrevem portais oficiais do estado, é possível explorar um vasto complexo florestal com cânions, vales e cavernas.
É também no coração do parque onde estão situadas cerca de 600 pinturas rupestres - algumas com mais de 11 mil anos de idade.
Com mais de 3,6 mil hectares, o Pema foi escolhido em 2022 pela World Monuments Watch, cujo monitoramento incentiva a preservação histórica, como um dos 25 patrimônios de maior importância em todo o mundo.
Por seu valor cultural e a exuberância de suas paisagens, a reserva teria tudo para se tornar uma atração de destaque em qualquer lugar do planeta. No entanto, o parque enfrenta dificuldades para atrair visitantes.
"Esse é um dos nossos maiores desafios. Recebemos cerca de 4 mil visitantes por ano. Não é muita gente", disse o gerente do Pema, Jorge Braga.
Em entrevista à Mongabay, o gestor disse que o problema soma dois fatores: a baixa popularidade e o difícil acesso. Segundo as estimativas do gerente, apenas uma em cada dez pessoas da região reconhece a importância do parque. A proporção, ele diz, é "ainda menor" quando brasileiros de outras partes do país e estrangeiros são levados em conta.
Há, porém, um outro dilema. Embora o Pema esteja amparado por leis nacionais de proteção ambiental, seus arredores têm sido cada vez mais afetados pelo avanço do desmatamento.
Por muito tempo, o estado do Pará se destacou negativamente por suas altas taxas de perda florestal. Esse cenário mudaria em anos recentes, diante de reduções significativas nos números de desmatamento.
Agora, novos alertas ambientais indicam que o problema pode estar voltando de forma silenciosa - até mesmo na porção norte do estado, em áreas que sempre estiveram "blindadas" de maiores danos pela proteção natural do Rio Amazonas, que funciona como barreira.
Para qualquer visitante atento, as mudanças visuais são perceptíveis. Ao longo da rota fluvial de 50 quilômetros que liga Santarém a Monte Alegre, já é possível observar a multiplicação de pastos para a pecuária, além de outras áreas desmatadas em meio à paisagem de florestas.
De acordo com um ativista local, que preferiu não se identificar, uma única família originária do Mato Grosso - estado que lidera o agronegócio no Brasil - seria a responsável por comprar boa parte dessas terras. Esses mesmos proprietários, segundo ele, já possuem cerca de 3 mil hectares, usados de forma frequente para o plantio de soja.
Braga, do Pema, disse à reportagem que a soja chegou de vez à região de Monte Alegre há cerca de dois anos. Para o gerente, além de "trazer desmatamento", o setor também responde por uma atividade que representa diversos riscos sanitários a comunidades locais, uma vez que utiliza grandes quantidades de agrotóxicos para o cultivo do grão.
"Nós iniciamos um movimento para conscientizar as pessoas [sobre os riscos trazidos pela soja]. No entanto, isso é muito perigoso. Os produtores tentaram entrar na região pela primeira vez em 2001. Eu fui uma das pessoas a fazer oposição a eles. Como consequência, recebi ameaças de morte e vivi sob proteção policial por dois anos", disse.
Segundo um levantamento da Global Forest Watch (GFW), entre 2001 e 2024, o Pará registrou a maior taxa de desmatamento estadual do país, perdendo 18,6 milhões de hectares no período; o estado é seguido pelo Mato Grosso (14,2 milhões) e pelo Maranhão (6,6 milhões). Grande parte da derrubada se deve à criação de terras para a pecuária e o cultivo de milho, cana-de-açúcar e soja.
De acordo com dados da GFW, o município de Monte Alegre, onde fica o Pema, perdeu pouco mais de 66 mil hectares de floresta primária úmida entre 2002 e 2024. Acompanhando a tendência de aumento recente do desmatamento no resto do estado, os números ali também vêm crescendo - o município perdeu 11 mil hectares de floresta nativa apenas no último ano.
Nos mapas da GFW, em áreas próximas ao Rio Amazonas, Monte Alegre aparece com frequência cada vez maior entre marcações em rosa - a cor que indica os locais desmatados. Faixas verdes só são mais dominantes ao norte, graças à proteção garantida por um mosaico de áreas protegidas que soma 22,3 milhões de hectares, entre os quais os 4,2 milhões de hectares da Estação Ecológica Grão-Pará, maior unidade de conservação de proteção integral de florestas tropicais no mundo.
Muito além da degradação da natureza, os riscos impostos às pinturas rupestres em Monte Alegre não são eventos isolados.
Em maio, um relatório do MapBiomas revelou um aumento da intervenção humana em áreas próximas a sítios arqueológicos no Brasil entre 1985 e 2023. No último ano analisado pela pesquisa, mais da metade desses locais históricos já se encontrava em pontos alterados pelo ser humano, considerando todos os biomas brasileiros.
A agricultura, segundo o estudo, representa a maior parte (43,1%) do uso da terra ao redor de sítios arqueológicos, o que aumenta os desafios para a conservação.
Quando Alfred Wallace visitou Monte Alegre
Apesar de não atrair grandes multidões nos dias de hoje, Monte Alegre já havia despertado a curiosidade do naturalista britânico Alfred Russel Wallace há mais de um século. O pesquisador esteve na região em 1849, como parte de uma expedição de quatro anos pela Amazônia. Um dos principais objetivos de Wallace era ver as "escritas indígenas" com seus próprios olhos.
Reconhecido como o "outro pai" da Teoria da Evolução ao lado de Charles Darwin, Wallace viajou pela região amazônica de barco e a cavalo. Ao caminhar ao redor da Pedra do Pilão, uma rocha em formato de canoa vista no topo de outra grande formação natural (onde hoje está o Pema), avistou inúmeras pinturas em vermelho, com traços que se uniam para formar animais, figuras humanoides e padrões geométricos.
"Elas consistiam, principalmente, em grandes círculos concêntricos, chamados de 'sol' e 'lua' pelos nativos", disse em seu livro Uma Narrativa de Viagens na Amazônia e no Rio Negro, publicado em 1853.
O círculo vermelho preenchido de amarelo e a figura suspensa com cabeça radiante, conforme a descrição de Wallace, estão entre os achados de maior destaque entre as centenas de pinturas ancestrais que podem ser vistas no Pema.
Hoje, no entanto, tudo é mais simples de se observar: à diferença do cientista britânico, os visitantes atuais podem contemplar os desenhos subindo uma escada esculpida na rocha.
Luana Wanessa Assunção, uma das guias do parque, disse à Mongabay que os círculos coloridos "podem representar um eclipse, enquanto os raios podem ser o sol ou um relâmpago".
"Para mim, olhar esses desenhos antigos é como colocar os olhos em arte contemporânea. Há um jogo de interpretação: onde uma pessoa vê um peixe, outra pode ver um pássaro".
Há, também, particularidades na geografia local. Em parte, isso se deve ao relevo acidentado do Pema, produto de atividades tectônicas ocorridas há milhões de anos. Como resultado da combinação de afloramentos rochosos e vales arenosos, alguns trechos de vegetação do parque se assemelham aos do Cerrado - e em muitos pontos da paisagem, se parecem um pouco menos com uma floresta tropical.
Em meio à jornada, no sopé da chamada Serra da Lua - onde estão os famosos desenhos rupestres com um sol e, como o nome indica, uma lua -, é onde os turistas encontram o centro de visitantes do Pema, que ainda passa por melhorias em sua infraestrutura. Atrás do centro, avista-se uma grande colina, coberta de árvores.
Assunção diz que esse lugar também guarda seus mistérios. "A colina está fechada ao público, já que é muito difícil de se escalar. É uma pena, pois é o único lugar onde se pode ver a pintura de uma pessoa em movimento. Todas as outras representações do parque mostram figuras estáticas", disse.
A história escrita - e reescrita
Segundo seus próprios registros, Wallace não ficou tão impressionado quando visitou a maior caverna de Monte Alegre. Situada no interior do Pema, a imensa cavidade de pedra ainda tem um "chão arenoso e liso", como ele mesmo descreveu no antigo século, além de "aberturas que levam a outras câmaras" na parte interna. Essas, no entanto, ele não pôde explorar - já que havia esquecido suas velas.
Caso o cientista tivesse algumas à disposição na mochila, provavelmente espantaria os morcegos que moram ali, como a reportagem pôde comprovar no momento em que as lanternas dos celulares foram acesas.
"Não havia nada de notável", escreveu Wallace. "A vegetação ao redor não era, de forma alguma, exuberante ou bonita. Na verdade, muitas de nossas cavernas na região calcária [em território britânico] são, em todos os aspectos, mais pitorescas e interessantes".
"Quando finalmente avistei a caverna, após uma longa caminhada pela floresta, fui tomado por uma sensação de admiração, intensificada pelo barítono acolhedor - ou ameaçador - de um macaco, que, por uma fração de segundo, pareceu silenciar toda a floresta", contou o explorador.
Se Wallace soubesse o que se sabe hoje, teria uma opinião diferente?
O local em questão leva o nome de Caverna da Pedra Pintada. Lá, a história foi escrita e, milhares de anos depois, reescrita. Primeiro, pelos povos antigos que a utilizaram como abrigo, deixando suas marcas pintadas nas paredes. Depois, no século 20, por cientistas que seguiram os passos de Wallace e escavaram o lugar.
"Aqui, é onde a arqueóloga Anna Roosevelt, dos Estados Unidos, fez suas escavações", disse a guia Luana, apontando para o lado direito da caverna. "Nesse outro lado, quem trabalhou foi a arqueóloga brasileira Edithe Pereira."
No início da década de 1990, Roosevelt se tornou a primeira pessoa a escavar parte do complexo da Pedra Pintada e a utilizar técnicas de datação por radiocarbono para identificar suas descobertas. Os resultados foram mais do que surpreendentes.
A arqueóloga descobriu que os restos das ferramentas de pedra, carvão e alimentos misturados aos materiais usados para a pintura datavam de cerca de 11,2 mil anos. Mais tarde, as pesquisas de Edithe Pereira confirmariam a datação de sua colega estrangeira de profissão - e mais do que isso, ainda fariam o relógio "voltar" algumas centenas de anos.
Até então, a teoria dominante na ciência dizia que a bacia do Rio Amazonas havia sido povoada nos últimos 2 mil anos. Ademais, acreditava-se que os primeiros humanos só haviam chegado ao continente americano no final da última Era Glacial.
Segundo essa corrente, os seres humanos só teriam cruzado o Estreito de Bering para o Alasca há cerca de 11 mil anos - e, só a partir daí, avançado lentamente pelas grandes planícies norte-americanas em direção, mais abaixo no mapa, à Cordilheira dos Andes, à Amazônia e além.
Como isso poderia ser verdade, no entanto, se naquela época já havia pessoas caçando, coletando e pintando paredes em cavernas em Monte Alegre, no coração da América do Sul?
Esses primeiros habitantes, além disso, não pintaram apenas imagens rudimentares, como animais e pessoas: eles também criaram figuras geométricas de caixas e cruzes, com formações que se assemelham a um jogo da velha gigante. Conhecido como Painel do Pilão, esse conjunto de desenhos é tido como o primeiro calendário solar do continente americano.
Essa nova compreensão da ocupação humana nas Américas estabelece as bases para novos esforços de proteção da Amazônia e de outros biomas, levando em conta não apenas seu valor natural, mas, também, sua contribuição cultural.
De olho nesse objetivo, cientistas liderados pelo arqueólogo brasileiro Eduardo Neves buscam registrar sítios arqueológicos como monumentos nacionais, o que daria a várias partes do bioma amazônico uma "camada extra" de proteção legal.
Ao reconhecer oficialmente esses sítios arqueológicos, como os geoglifos, especialistas pretendem manter a floresta intacta e permitir que as comunidades locais continuem vivendo ali. Neves compara as áreas de florestas da Amazônia às pirâmides egípcias e mexicanas, destacando seu significado cultural e a importância de protegê-las.
Os desafios para difundir conhecimento
Embora o Pema pudesse ser uma atração de destaque em vários lugares do mundo, a maioria das pessoas da própria região não sabe o que o parque tem a oferecer. Ao mesmo tempo, poucos estrangeiros que viajam de barco entre as capitais Belém e Manaus pensam em fazer uma parada em Monte Alegre.
"O Pema tem tudo para ser tão bem-sucedido quanto o Parque Nacional da Serra da Capivara", disse Edithe Pereira, em seu escritório no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. "Mas, essa não é a realidade. Há problemas de organização, promoção e educação."
Declarado Patrimônio Mundial da Unesco em 1991, o Parque Nacional da Serra da Capivara, no estado do Piauí, abriga milhares de pinturas rupestres pré-históricas. Ali, arqueólogos também encontraram ferramentas de pedra que datam de 22 mil anos - evidências que desafiam ainda mais as teorias antropológicas conhecidas. O parque atrai mais de 20 mil visitantes por ano.
"Quando o Pema foi criado, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pediu a um grupo de pesquisadores, do qual eu fazia parte, que fosse elaborado um plano para ajudar a 'difundir' o parque em Monte Alegre", disse Pereira. "E nós o fizemos - mas nada foi feito a partir desse plano."
"Desde o início, o objetivo era desenvolver atividades sociais e educativas com os moradores, de olho em tornar o Pema parte da comunidade, criar um senso de 'propriedade' e, assim, aumentar a proteção [ao que existe no lugar]. Há muito tempo, porém, falta vontade política para qualquer coisa acontecer", desabafou a arqueóloga.
O Pema é administrado pelo Instituto Estadual de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará (Ideflor-Bio). Criada em 2007, a entidade tem como principal tarefa promover "o desenvolvimento sustentável dos diferentes segmentos florestais do estado do Pará", bem como "gerenciar sua biodiversidade".
"Depois de concluir meu doutorado, eu queria alcançar um público mais amplo", disse Edithe Pereira. "Desenvolvi um livro ilustrado sobre arte rupestre, trabalhei com livros infantis, histórias em quadrinhos, CDs, escrevi artigos para revistas, produzi material didático para exposições e escolas. O resultado final era sempre o mesmo: ou não eram usados, ou eram usados da maneira errada.".
Em dado momento, alguns professores de arte da região de Monte Alegre se interessaram por um pequeno livro sobre a história local. Assim, Pereira e alguns colegas, com apoio financeiro do governo do Pará, iniciaram um projeto de arqueologia para as escolas. A obra foi distribuída gratuitamente em unidades de ensino de toda a região.
Mais artes rupestres, mais desafios
Em toda a região, as pinturas ancestrais do Pema são as mais famosas - e talvez as mais antigas -, mas não são as únicas artes rupestres encontradas no estado do Pará. Durante a entrevista, Edithe Pereira mostrou um mapa pontilhado que indicava os locais onde existem outras pinturas e inscrições em território paraense.
"Já no século 16, padres jesuítas observaram a presença de inscrições ao longo dos rios do Pará. A maior parte do estado, no entanto, ainda não foi mapeada", disse.
Trabalhando na região há mais de 30 anos, a arqueóloga veterana identificou cerca de outras 60 pinturas rupestres no estado. Aproximadamente uma dúzia delas se encontra em uma rica paisagem de rochas e vegetação, cerca de 30 quilômetros ao norte do Pema.
Por coincidência, o terreno em questão estava à venda - e um amigo da especialista decidiu comprar os seus três hectares, por 40 mil reais, para protegê-lo. Futuras pesquisas ainda precisam ser desenvolvidas para trazer mais detalhes sobre os desenhos que se escondem ali.
Cientistas, agora, correm contra o tempo. Novos estudos devem ser feitos o quanto antes, dizem os especialistas, à medida que a região se vê ameaçada pela crescente ameaça dos incêndios, usados para "limpar" a vegetação para o manejo do gado e o cultivo da soja.
A chegada da soja à margem norte do Rio Amazonas está atrelada à inauguração de um terminal de grãos da gigante do setor Cargill, em Santarém, no ano de 2003, e mais ao sul, ao longo do Rio Tapajós, em Itaituba, em meados de 2017.
Enquanto o trecho noroeste do Pará se transformava em um centro logístico, a região de Santarém crescia, tornando-se um dos dez maiores polos produtores de soja do estado.
Os problemas foram aparecendo ao longo do anos. Ao passo que as comunidades locais em Santarém e Itaituba diziam que a multinacional dos EUA não cumpria as regras ambientais e os regulamentos de licenciamento, a vida dos moradores era afetada cada vez mais pelos químicos utilizados.
Atualmente, a Cargill está construindo um terminal de 700 milhões de reais em áreas biodiversas próximas a Belém. O empreendimento enfrenta a crítica de moradores locais, enquanto o Ministério Público investiga supostas irregularidades em transações entre a empresa e um parceiro local na aquisição de terrenos.
Em dezembro de 2024, representantes do Mato Grosso da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja/MT) solicitaram às autoridades federais a revogação da Moratória da Soja - acordo comercial que busca proibir a compra de soja cultivada em áreas desmatadas da Amazônia.
O setor do grão diz que a medida cria um "cartel" de restrições que, por sua vez, violaria a lei brasileira, gerando perdas anuais na casa dos 20 bilhões de reais. A crise segue.
https://brasil.mongabay.com/2025/09/soja-e-esquecimento-ameacam-parque-amazonico-com-pinturas-rupestres-milenares/
MONTE ALEGRE, Pará - Localizado na margem norte do Rio Amazonas, próximo a Santarém, o município paraense de Monte Alegre abriga uma das joias antropológicas mais bem preservadas em território brasileiro.
Elas estão guardadas no Parque Estadual Monte Alegre (Pema), fundado como área de conservação ambiental em 2001. Nesse local de "relevante beleza cênica e peculiar ecossistema", conforme descrevem portais oficiais do estado, é possível explorar um vasto complexo florestal com cânions, vales e cavernas.
É também no coração do parque onde estão situadas cerca de 600 pinturas rupestres - algumas com mais de 11 mil anos de idade.
Com mais de 3,6 mil hectares, o Pema foi escolhido em 2022 pela World Monuments Watch, cujo monitoramento incentiva a preservação histórica, como um dos 25 patrimônios de maior importância em todo o mundo.
Por seu valor cultural e a exuberância de suas paisagens, a reserva teria tudo para se tornar uma atração de destaque em qualquer lugar do planeta. No entanto, o parque enfrenta dificuldades para atrair visitantes.
"Esse é um dos nossos maiores desafios. Recebemos cerca de 4 mil visitantes por ano. Não é muita gente", disse o gerente do Pema, Jorge Braga.
Em entrevista à Mongabay, o gestor disse que o problema soma dois fatores: a baixa popularidade e o difícil acesso. Segundo as estimativas do gerente, apenas uma em cada dez pessoas da região reconhece a importância do parque. A proporção, ele diz, é "ainda menor" quando brasileiros de outras partes do país e estrangeiros são levados em conta.
Há, porém, um outro dilema. Embora o Pema esteja amparado por leis nacionais de proteção ambiental, seus arredores têm sido cada vez mais afetados pelo avanço do desmatamento.
Por muito tempo, o estado do Pará se destacou negativamente por suas altas taxas de perda florestal. Esse cenário mudaria em anos recentes, diante de reduções significativas nos números de desmatamento.
Agora, novos alertas ambientais indicam que o problema pode estar voltando de forma silenciosa - até mesmo na porção norte do estado, em áreas que sempre estiveram "blindadas" de maiores danos pela proteção natural do Rio Amazonas, que funciona como barreira.
Para qualquer visitante atento, as mudanças visuais são perceptíveis. Ao longo da rota fluvial de 50 quilômetros que liga Santarém a Monte Alegre, já é possível observar a multiplicação de pastos para a pecuária, além de outras áreas desmatadas em meio à paisagem de florestas.
De acordo com um ativista local, que preferiu não se identificar, uma única família originária do Mato Grosso - estado que lidera o agronegócio no Brasil - seria a responsável por comprar boa parte dessas terras. Esses mesmos proprietários, segundo ele, já possuem cerca de 3 mil hectares, usados de forma frequente para o plantio de soja.
Braga, do Pema, disse à reportagem que a soja chegou de vez à região de Monte Alegre há cerca de dois anos. Para o gerente, além de "trazer desmatamento", o setor também responde por uma atividade que representa diversos riscos sanitários a comunidades locais, uma vez que utiliza grandes quantidades de agrotóxicos para o cultivo do grão.
"Nós iniciamos um movimento para conscientizar as pessoas [sobre os riscos trazidos pela soja]. No entanto, isso é muito perigoso. Os produtores tentaram entrar na região pela primeira vez em 2001. Eu fui uma das pessoas a fazer oposição a eles. Como consequência, recebi ameaças de morte e vivi sob proteção policial por dois anos", disse.
Segundo um levantamento da Global Forest Watch (GFW), entre 2001 e 2024, o Pará registrou a maior taxa de desmatamento estadual do país, perdendo 18,6 milhões de hectares no período; o estado é seguido pelo Mato Grosso (14,2 milhões) e pelo Maranhão (6,6 milhões). Grande parte da derrubada se deve à criação de terras para a pecuária e o cultivo de milho, cana-de-açúcar e soja.
De acordo com dados da GFW, o município de Monte Alegre, onde fica o Pema, perdeu pouco mais de 66 mil hectares de floresta primária úmida entre 2002 e 2024. Acompanhando a tendência de aumento recente do desmatamento no resto do estado, os números ali também vêm crescendo - o município perdeu 11 mil hectares de floresta nativa apenas no último ano.
Nos mapas da GFW, em áreas próximas ao Rio Amazonas, Monte Alegre aparece com frequência cada vez maior entre marcações em rosa - a cor que indica os locais desmatados. Faixas verdes só são mais dominantes ao norte, graças à proteção garantida por um mosaico de áreas protegidas que soma 22,3 milhões de hectares, entre os quais os 4,2 milhões de hectares da Estação Ecológica Grão-Pará, maior unidade de conservação de proteção integral de florestas tropicais no mundo.
Muito além da degradação da natureza, os riscos impostos às pinturas rupestres em Monte Alegre não são eventos isolados.
Em maio, um relatório do MapBiomas revelou um aumento da intervenção humana em áreas próximas a sítios arqueológicos no Brasil entre 1985 e 2023. No último ano analisado pela pesquisa, mais da metade desses locais históricos já se encontrava em pontos alterados pelo ser humano, considerando todos os biomas brasileiros.
A agricultura, segundo o estudo, representa a maior parte (43,1%) do uso da terra ao redor de sítios arqueológicos, o que aumenta os desafios para a conservação.
Quando Alfred Wallace visitou Monte Alegre
Apesar de não atrair grandes multidões nos dias de hoje, Monte Alegre já havia despertado a curiosidade do naturalista britânico Alfred Russel Wallace há mais de um século. O pesquisador esteve na região em 1849, como parte de uma expedição de quatro anos pela Amazônia. Um dos principais objetivos de Wallace era ver as "escritas indígenas" com seus próprios olhos.
Reconhecido como o "outro pai" da Teoria da Evolução ao lado de Charles Darwin, Wallace viajou pela região amazônica de barco e a cavalo. Ao caminhar ao redor da Pedra do Pilão, uma rocha em formato de canoa vista no topo de outra grande formação natural (onde hoje está o Pema), avistou inúmeras pinturas em vermelho, com traços que se uniam para formar animais, figuras humanoides e padrões geométricos.
"Elas consistiam, principalmente, em grandes círculos concêntricos, chamados de 'sol' e 'lua' pelos nativos", disse em seu livro Uma Narrativa de Viagens na Amazônia e no Rio Negro, publicado em 1853.
O círculo vermelho preenchido de amarelo e a figura suspensa com cabeça radiante, conforme a descrição de Wallace, estão entre os achados de maior destaque entre as centenas de pinturas ancestrais que podem ser vistas no Pema.
Hoje, no entanto, tudo é mais simples de se observar: à diferença do cientista britânico, os visitantes atuais podem contemplar os desenhos subindo uma escada esculpida na rocha.
Luana Wanessa Assunção, uma das guias do parque, disse à Mongabay que os círculos coloridos "podem representar um eclipse, enquanto os raios podem ser o sol ou um relâmpago".
"Para mim, olhar esses desenhos antigos é como colocar os olhos em arte contemporânea. Há um jogo de interpretação: onde uma pessoa vê um peixe, outra pode ver um pássaro".
Há, também, particularidades na geografia local. Em parte, isso se deve ao relevo acidentado do Pema, produto de atividades tectônicas ocorridas há milhões de anos. Como resultado da combinação de afloramentos rochosos e vales arenosos, alguns trechos de vegetação do parque se assemelham aos do Cerrado - e em muitos pontos da paisagem, se parecem um pouco menos com uma floresta tropical.
Em meio à jornada, no sopé da chamada Serra da Lua - onde estão os famosos desenhos rupestres com um sol e, como o nome indica, uma lua -, é onde os turistas encontram o centro de visitantes do Pema, que ainda passa por melhorias em sua infraestrutura. Atrás do centro, avista-se uma grande colina, coberta de árvores.
Assunção diz que esse lugar também guarda seus mistérios. "A colina está fechada ao público, já que é muito difícil de se escalar. É uma pena, pois é o único lugar onde se pode ver a pintura de uma pessoa em movimento. Todas as outras representações do parque mostram figuras estáticas", disse.
A história escrita - e reescrita
Segundo seus próprios registros, Wallace não ficou tão impressionado quando visitou a maior caverna de Monte Alegre. Situada no interior do Pema, a imensa cavidade de pedra ainda tem um "chão arenoso e liso", como ele mesmo descreveu no antigo século, além de "aberturas que levam a outras câmaras" na parte interna. Essas, no entanto, ele não pôde explorar - já que havia esquecido suas velas.
Caso o cientista tivesse algumas à disposição na mochila, provavelmente espantaria os morcegos que moram ali, como a reportagem pôde comprovar no momento em que as lanternas dos celulares foram acesas.
"Não havia nada de notável", escreveu Wallace. "A vegetação ao redor não era, de forma alguma, exuberante ou bonita. Na verdade, muitas de nossas cavernas na região calcária [em território britânico] são, em todos os aspectos, mais pitorescas e interessantes".
"Quando finalmente avistei a caverna, após uma longa caminhada pela floresta, fui tomado por uma sensação de admiração, intensificada pelo barítono acolhedor - ou ameaçador - de um macaco, que, por uma fração de segundo, pareceu silenciar toda a floresta", contou o explorador.
Se Wallace soubesse o que se sabe hoje, teria uma opinião diferente?
O local em questão leva o nome de Caverna da Pedra Pintada. Lá, a história foi escrita e, milhares de anos depois, reescrita. Primeiro, pelos povos antigos que a utilizaram como abrigo, deixando suas marcas pintadas nas paredes. Depois, no século 20, por cientistas que seguiram os passos de Wallace e escavaram o lugar.
"Aqui, é onde a arqueóloga Anna Roosevelt, dos Estados Unidos, fez suas escavações", disse a guia Luana, apontando para o lado direito da caverna. "Nesse outro lado, quem trabalhou foi a arqueóloga brasileira Edithe Pereira."
No início da década de 1990, Roosevelt se tornou a primeira pessoa a escavar parte do complexo da Pedra Pintada e a utilizar técnicas de datação por radiocarbono para identificar suas descobertas. Os resultados foram mais do que surpreendentes.
A arqueóloga descobriu que os restos das ferramentas de pedra, carvão e alimentos misturados aos materiais usados para a pintura datavam de cerca de 11,2 mil anos. Mais tarde, as pesquisas de Edithe Pereira confirmariam a datação de sua colega estrangeira de profissão - e mais do que isso, ainda fariam o relógio "voltar" algumas centenas de anos.
Até então, a teoria dominante na ciência dizia que a bacia do Rio Amazonas havia sido povoada nos últimos 2 mil anos. Ademais, acreditava-se que os primeiros humanos só haviam chegado ao continente americano no final da última Era Glacial.
Segundo essa corrente, os seres humanos só teriam cruzado o Estreito de Bering para o Alasca há cerca de 11 mil anos - e, só a partir daí, avançado lentamente pelas grandes planícies norte-americanas em direção, mais abaixo no mapa, à Cordilheira dos Andes, à Amazônia e além.
Como isso poderia ser verdade, no entanto, se naquela época já havia pessoas caçando, coletando e pintando paredes em cavernas em Monte Alegre, no coração da América do Sul?
Esses primeiros habitantes, além disso, não pintaram apenas imagens rudimentares, como animais e pessoas: eles também criaram figuras geométricas de caixas e cruzes, com formações que se assemelham a um jogo da velha gigante. Conhecido como Painel do Pilão, esse conjunto de desenhos é tido como o primeiro calendário solar do continente americano.
Essa nova compreensão da ocupação humana nas Américas estabelece as bases para novos esforços de proteção da Amazônia e de outros biomas, levando em conta não apenas seu valor natural, mas, também, sua contribuição cultural.
De olho nesse objetivo, cientistas liderados pelo arqueólogo brasileiro Eduardo Neves buscam registrar sítios arqueológicos como monumentos nacionais, o que daria a várias partes do bioma amazônico uma "camada extra" de proteção legal.
Ao reconhecer oficialmente esses sítios arqueológicos, como os geoglifos, especialistas pretendem manter a floresta intacta e permitir que as comunidades locais continuem vivendo ali. Neves compara as áreas de florestas da Amazônia às pirâmides egípcias e mexicanas, destacando seu significado cultural e a importância de protegê-las.
Os desafios para difundir conhecimento
Embora o Pema pudesse ser uma atração de destaque em vários lugares do mundo, a maioria das pessoas da própria região não sabe o que o parque tem a oferecer. Ao mesmo tempo, poucos estrangeiros que viajam de barco entre as capitais Belém e Manaus pensam em fazer uma parada em Monte Alegre.
"O Pema tem tudo para ser tão bem-sucedido quanto o Parque Nacional da Serra da Capivara", disse Edithe Pereira, em seu escritório no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. "Mas, essa não é a realidade. Há problemas de organização, promoção e educação."
Declarado Patrimônio Mundial da Unesco em 1991, o Parque Nacional da Serra da Capivara, no estado do Piauí, abriga milhares de pinturas rupestres pré-históricas. Ali, arqueólogos também encontraram ferramentas de pedra que datam de 22 mil anos - evidências que desafiam ainda mais as teorias antropológicas conhecidas. O parque atrai mais de 20 mil visitantes por ano.
"Quando o Pema foi criado, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pediu a um grupo de pesquisadores, do qual eu fazia parte, que fosse elaborado um plano para ajudar a 'difundir' o parque em Monte Alegre", disse Pereira. "E nós o fizemos - mas nada foi feito a partir desse plano."
"Desde o início, o objetivo era desenvolver atividades sociais e educativas com os moradores, de olho em tornar o Pema parte da comunidade, criar um senso de 'propriedade' e, assim, aumentar a proteção [ao que existe no lugar]. Há muito tempo, porém, falta vontade política para qualquer coisa acontecer", desabafou a arqueóloga.
O Pema é administrado pelo Instituto Estadual de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará (Ideflor-Bio). Criada em 2007, a entidade tem como principal tarefa promover "o desenvolvimento sustentável dos diferentes segmentos florestais do estado do Pará", bem como "gerenciar sua biodiversidade".
"Depois de concluir meu doutorado, eu queria alcançar um público mais amplo", disse Edithe Pereira. "Desenvolvi um livro ilustrado sobre arte rupestre, trabalhei com livros infantis, histórias em quadrinhos, CDs, escrevi artigos para revistas, produzi material didático para exposições e escolas. O resultado final era sempre o mesmo: ou não eram usados, ou eram usados da maneira errada.".
Em dado momento, alguns professores de arte da região de Monte Alegre se interessaram por um pequeno livro sobre a história local. Assim, Pereira e alguns colegas, com apoio financeiro do governo do Pará, iniciaram um projeto de arqueologia para as escolas. A obra foi distribuída gratuitamente em unidades de ensino de toda a região.
Mais artes rupestres, mais desafios
Em toda a região, as pinturas ancestrais do Pema são as mais famosas - e talvez as mais antigas -, mas não são as únicas artes rupestres encontradas no estado do Pará. Durante a entrevista, Edithe Pereira mostrou um mapa pontilhado que indicava os locais onde existem outras pinturas e inscrições em território paraense.
"Já no século 16, padres jesuítas observaram a presença de inscrições ao longo dos rios do Pará. A maior parte do estado, no entanto, ainda não foi mapeada", disse.
Trabalhando na região há mais de 30 anos, a arqueóloga veterana identificou cerca de outras 60 pinturas rupestres no estado. Aproximadamente uma dúzia delas se encontra em uma rica paisagem de rochas e vegetação, cerca de 30 quilômetros ao norte do Pema.
Por coincidência, o terreno em questão estava à venda - e um amigo da especialista decidiu comprar os seus três hectares, por 40 mil reais, para protegê-lo. Futuras pesquisas ainda precisam ser desenvolvidas para trazer mais detalhes sobre os desenhos que se escondem ali.
Cientistas, agora, correm contra o tempo. Novos estudos devem ser feitos o quanto antes, dizem os especialistas, à medida que a região se vê ameaçada pela crescente ameaça dos incêndios, usados para "limpar" a vegetação para o manejo do gado e o cultivo da soja.
A chegada da soja à margem norte do Rio Amazonas está atrelada à inauguração de um terminal de grãos da gigante do setor Cargill, em Santarém, no ano de 2003, e mais ao sul, ao longo do Rio Tapajós, em Itaituba, em meados de 2017.
Enquanto o trecho noroeste do Pará se transformava em um centro logístico, a região de Santarém crescia, tornando-se um dos dez maiores polos produtores de soja do estado.
Os problemas foram aparecendo ao longo do anos. Ao passo que as comunidades locais em Santarém e Itaituba diziam que a multinacional dos EUA não cumpria as regras ambientais e os regulamentos de licenciamento, a vida dos moradores era afetada cada vez mais pelos químicos utilizados.
Atualmente, a Cargill está construindo um terminal de 700 milhões de reais em áreas biodiversas próximas a Belém. O empreendimento enfrenta a crítica de moradores locais, enquanto o Ministério Público investiga supostas irregularidades em transações entre a empresa e um parceiro local na aquisição de terrenos.
Em dezembro de 2024, representantes do Mato Grosso da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja/MT) solicitaram às autoridades federais a revogação da Moratória da Soja - acordo comercial que busca proibir a compra de soja cultivada em áreas desmatadas da Amazônia.
O setor do grão diz que a medida cria um "cartel" de restrições que, por sua vez, violaria a lei brasileira, gerando perdas anuais na casa dos 20 bilhões de reais. A crise segue.
https://brasil.mongabay.com/2025/09/soja-e-esquecimento-ameacam-parque-amazonico-com-pinturas-rupestres-milenares/
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