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Clima e colonialismo: o Brasil nunca foi independente

05/09/2025

Autor: Bruno Araujo

Fonte: O Eco - https://oeco.org.br/



Clima e colonialismo: o Brasil nunca foi independente
A saída para a crise climática não está em soluções tecnológicas que replicam lógicas coloniais, mas em reconhecer e fortalecer alternativas que já existem

Todo 7 de setembro somos lembrados da narrativa da independência: um país que teria rompido os laços com a metrópole e conquistado sua soberania. Mas, mais de dois séculos depois, é preciso perguntar: independência de quem, para quem e a que custo? O Brasil pode ter declarado sua autonomia política em 1822, mas as estruturas de poder, de economia e de pensamento forjadas no colonialismo continuam vivas. A "independência" não significou emancipação real - e a crise climática é uma prova contundente disso.

A emergência climática costuma ser apresentada como um problema técnico: basta substituir combustíveis fósseis por renováveis, investir em tecnologias verdes e regular mercados de carbono. Essa narrativa, entretanto, ignora a raiz do problema. A crise climática não é apenas ecológica: é histórica, social e política. Em última instância, trata-se de uma crise colonial.


Colonização: a matriz da separação
A colonização não foi apenas um episódio histórico restrito a determinados séculos, mas um processo de longa duração que estruturou o mundo moderno. Ela instaurou uma hierarquia racial, patriarcal e eurocêntrica que legitimou a dominação de povos inteiros, convertendo-os em "recursos" a serem explorados, assim como a natureza. A plantation, símbolo espacial do colonialismo, foi o laboratório dessa dupla exploração: saque da terra e sequestro do trabalho humano, como afirma o pesquisador martinicano Malcom Ferdinand em seu livro "Uma Ecologia Decolonial".

Esse sistema não apenas acumulou riquezas para as potências europeias, mas produziu uma visão de mundo que separa humanidade e natureza. Como lembra Alberto Acosta no livro O Bem Viver, este é o "nó górdio" que precisa ser restabelecido: a cosmopercepção colonial instaurou a noção de que a natureza é um estoque inesgotável de mercadorias, em contraste com saberes originários que a entendem como parte inseparável da vida.

Da colonização à Revolução Industrial
A Revolução Industrial não pode ser compreendida como um fenômeno isolado. Ela foi resultado direto da pilhagem colonial. Ouro, prata, açúcar e algodão das Américas e da África alimentaram o surgimento do capitalismo europeu, ao mesmo tempo em que os cercamentos de terra na Inglaterra expulsavam camponeses e os transformavam em força de trabalho assalariada.

Essa industrialização consolidou a dependência de combustíveis fósseis e inaugurou uma era de emissões massivas de gases de efeito estufa. O que se chama hoje de crise climática, portanto, é o prolongamento de uma lógica colonial que transformou a natureza em recurso ilimitado e corpos humanos em engrenagens de produção.

A colonialidade como permanência
Ainda que as colônias tenham formalmente se encerrado, suas estruturas se mantiveram sob novas roupagens. Como já denunciava o autor e ex-presidente de Gana, Kwame Nkrumah, o neocolonialismo substituiu a dominação territorial por mecanismos econômicos: dívida externa, comércio desigual e poder das corporações transnacionais. Anbíal Quijano, sociólogo peruano, nomeou esse fenômeno como "colonialidade do poder", desdobrada também na "colonialidade do saber e do ser", isto é, na imposição de um conhecimento eurocêntrico e na desvalorização de outras cosmologias.

Essas estruturas persistem na exclusão social, no racismo ambiental e na negação de direitos básicos. O censo de 2022 do IBGE mostra que 72,9% das pessoas em favelas no Brasil são negras - territórios marcados por ausência de infraestrutura, justamente os mais vulneráveis aos impactos da mudança climática. A colonialidade, portanto, continua a produzir zonas de sacrifício no Sul Global, enquanto o Norte acumula lucros.

Capitalismo, natureza e corpos sacrificados
O capitalismo aprofundou a crise inaugurada pela colonização. A busca incessante por crescimento econômico em um planeta finito levou ao esgotamento dos ecossistemas, ao aquecimento global e à degradação da vida. Como observa o geógrafo britânico David Harvey, vivemos sob um regime de "acumulação por despossessão": comunidades tradicionais, povos indígenas e populações periféricas têm seus territórios invadidos em nome de hidrelétricas, mineradoras, portos, agronegócio e exploração de petróleo - enquanto os prejuízos socioambientais ficam nos territórios, e os lucros viajam para os centros financeiros.

Esse modelo perpetua desigualdades coloniais, reforçando a ideia de que alguns corpos e territórios são descartáveis.

Superar a crise exige descolonizar
Diante desse quadro, não basta substituir fontes fósseis por renováveis. A crise climática é inseparável das estruturas coloniais que a originaram. Não se trata de mudar a roupa, mas de superar as permanências coloniais que seguem moldando a vida social e ecológica.

Isso implica enfrentar a colonialidade do poder, do saber e do pensar; questionar a propriedade privada e a mercantilização da terra; romper com a lógica de acumulação e exclusão; e reconhecer que não haverá justiça climática sem justiça histórica.

O futuro já começou
Não precisamos inventar a roda. Povos originários, quilombolas, ribeirinhos e tantas comunidades já praticam modos de vida baseados em reciprocidade, cuidado e interdependência. Suas cosmologias apontam para o bem viver, em que corpo e território, humano e natureza não se separam.

Esses saberes, por muito tempo silenciados, são centrais para imaginar outros mundos possíveis. Escutá-los não é romantismo, mas condição de sobrevivência coletiva. A saída para a crise climática não está em soluções tecnológicas que replicam lógicas coloniais, mas em reconhecer e fortalecer alternativas que já existem - nas bordas, nas resistências, nas sementes que insistem em brotar.

A crise climática é, em essência, uma crise colonial. E só será superada quando ousarmos descolonizar nossas formas de viver, de saber e de nos relacionar com a Terra.

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