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Como são as parcerias que empresas têm desenvolvido com povos indígenas

26/09/2025

Autor: Darlene Dalto

Fonte: Valor Econômico - https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2025/09/26/como-sao-as-parcerias-que-empresas



Como são as parcerias que empresas têm desenvolvido com povos indígenas
Etnias de diferentes partes do Brasil fornecem e inspiram milhares de produtos e acessórios, além de se tornarem parceiras

Por Darlene Dalto - Para o Valor, de São Paulo
26/09/2025

Nunca os saberes ancestrais dos povos originários estiveram tão ao alcance dos brasileiros como agora. São várias as empresas que se dedicam a promover parcerias e a desenvolver negócios com as diversas etnias - Yawanawá, Sateré Mawé, Paiter Suruí, Cinta Larga, Xikrin, Apurinã, Baniwa, Kayapó, Mehinako, Guarani, Pataxó, entre outras - que representam aproximadamente 1,7 milhão dos brasileiros.

Uma dessas empresas é a Riachuelo. Ela está iniciando essa aproximação por intermédio de Taciana Abreu, carioca que há um ano assumiu a direção do departamento de sustentabilidade da varejista. "A COP30 oferece uma janela de oportunidade. Como a Riachuelo tem uma presença muito grande no Rio Grande do Norte, onde fica a nossa fábrica, estamos começando o mapeamento dos povos indígenas no estado", afirma Abreu.

Além disso, recentemente a empresa apoiou o lançamento da campanha Somos Todas Florestas, iniciativa do britânico Cameron Saul, da Together Brand, cujo símbolo é uma pulseira confeccionada pela etnia Yawanawá com sementes de açaí, metal reciclado de armas ilegais e fios de plástico recolhido de áreas costeiras. O lucro das vendas será revertido para a Associação Sociocultural Yawanawá (ASCY).

"Compramos mil pulseiras e em novembro vamos colocá-las no site e na loja de Belém, o que deve resultar em cerca de R$ 50 mil para a associação. É um número ainda pequeno, um primeiro passo, mas penso que ele vai crescer a partir do entendimento do que está por trás dessa pulseira, um produto da bioeconomia da Amazônia que ajuda manter a floresta em pé", afirma Abreu.

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, esteve no lançamento da campanha Somos Todas Florestas, e em seu discurso ofereceu apoio para iniciativas similares. "A bioeconomia é uma alternativa para se gerar renda, proteger o meio ambiente e valorizar as pessoas. Nós, povos indígenas, estamos fazendo a nossa parte trazendo soluções conectadas com a natureza, mas precisamos que o setor privado também adote as práticas sustentáveis", disse.

As sementes do açaí podem render outros acessórios e produtos além da pulseira. "Já recebi fotos de porta-velas, bolsas, cestinhos feitos com a semente. É possível expandir essa parceria, manter um fluxo de compras e chegar a outras lojas", diz Abreu.

Ela começou a se interessar pelo assunto durante a Rio+20, conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável realizada em 2012. Durante sete anos, ela trabalhou no grupo Soma, que reúne marcas como Cris Barros, Animale, Maria Filó e Farm, onde institucionalizou a área de sustentabilidade.

Na Farm, ela e a direção criativa deram início a uma parceria com a etnia Yawanawá, do Acre, em 2017, quando a grife completou 20 anos. "O trabalho artesanal é lindo, brincos, pulseiras, colares feitos de miçangas coloridas, tudo a ver com a marca. Fizemos aplicações em mochilas, pochetes, acessórios. Depois levamos esse colorido para a estamparia. A gente entrou em um fluxo contínuo de coleções e o projeto cresceu", lembra.

Essa parceria gerou cerca de 17 mil produtos. Em abril deste ano, quando o rio Gregório transbordou e atingiu as aldeias, a Farm destinou R$ 325 mil em doações. Abreu já esteve com os Yawanawás. "Aprendi o valor da vida em comunidade e em harmonia com a natureza. Lá é tudo coletivo. Eles têm uma reverência e respeito em relação à natureza, que a gente está precisando reaprender", diz.

A Fit, marca de roupas de Renata Schmulevich, que em 2026 celebra 40 anos, lança em 23 de outubro sua terceira coleção consecutiva com inspirações em grafismos tradicionais dos Sateré Mawé. A primeira foi baseada nos desenhos formados pelas tramas das luvas de tucandeira (formigas), usadas nos ritos de passagem dos jovens meninos.

A coleção deste ano vai trazer traços que adornam o remo porantim, instrumento sagrado para a etnia. "Há três anos um amigo me apresentou a Amism [Associação das Mulheres Indígenas Sateré Mawé], e eu senti que era uma responsabilidade social da empresa. Além disso, a Fit sempre usou desenhos gráficos, e os grafismos indígenas, que são lindos, casaram muito bem com a marca", diz Schmulevich.

Desde o início da parceria, a marca repassou R$ 130 mil para a associação, em razão da venda de quase mil peças de vestuário e mais de 100 acessórios. "Espero conseguir repassar R$ 100 mil com a próxima coleção."

Em paralelo, a estilista está tentando abrir mercados para as mulheres Sateré Mawé, não apenas no Brasil. "Elas fazem chaveiros com sementes de açaí que podem ser colocados nas bolsas e têm um enorme potencial de venda. Em Londres, conversei com algumas pessoas que trabalham com artesanato. Estou torcendo para essa ponte dar certo."

O objetivo é valorizar e potencializar o trabalho desenvolvido pela Amism. "Estive em Manaus para conhecer as mulheres, e a partir daí passamos a estruturar a associação com apoio administrativo e financeiro para que elas consigam sobreviver do artesanato que produzem", diz ela.

Com mais de mais 35 anos de experiência no ramo têxtil, Claudio Amaral Martins há dez anos criou a Bossapack, que vende mochilas, bolsas e nécessaires sustentáveis e impermeabilizadas. Ele, que tinha sido comprador da antiga Mesbla, estava com alguns conceitos bem definidos para sua empresa: produção local, vendas online, sustentabilidade e brasilidade.

A brasilidade e a sustentabilidade vieram de uma coincidência. Ou sincronicidade, como esse paraense radicado no Rio de Janeiro prefere. "Eu tinha feito parcerias com grafiteiros, mas não deu certo. Como nasci em Belém, lembrei das minhas origens e dos grafismos indígenas. Um dia, na casa de uma amiga que precisava de mochilas para os seus filhos, comentei com ela. A sua vizinha trabalhava com povos originários, e em dez minutos eu estava conversando com a Amanda Santana, da Tucum, que vende arte indígena."

Martins foi pioneiro. "Ninguém usava tecidos pintados por mulheres indígenas em produtos naquela época", diz. "No início eu mandava tecidos de algodão para as mulheres da população Kayapó, da Associação Floresta Protegida, e elas me devolviam com pinturas feitas com carvão e jenipapo. Quando os tecidos chegavam, as minhas mãos ficavam pretas. Não podia vender. Na segunda leva pedi para usarem outro tipo de tinta e as artesãs deram um show." Hoje ele trabalha com os povos Kayapó, Xikrin e Xipaya, do Pará, e Paiter Suruí, de Rondônia. Já esteve em todas as aldeias e viaja pelo menos uma vez por ano.

Em 2017, Jorge Hoelzel Neto, sócio da Mercur, empresa do Rio Grande do Sul que produz borrachas de apagar, convidou Martins para participar de um projeto de tecidos encauchados, como são chamados tecidos emborrachados feitos a partir de uma técnica indígena ancestral usando látex natural da Amazônia.

"Como faço hoje, é uma inovação tecnológica. Começamos a produção com os Xipaya, em 2021, com 100 panos. Em 2023 passamos para 500. Ano passado interrompemos o trabalho para implementar uma nova estufa na aldeia, uma vulcanizadora solar. Até o final do ano devemos produzir 600 panos", diz Martins. Desde a pandemia a Bossapack tem crescido 30% ao ano. Em 2024, vendeu 4 mil produtos e faturou R$ 512 mil.

A nova técnica de encauchar tecidos fez com que o ganho das populações indígenas se multiplicasse por cinco. "Eles vendiam látex, por exemplo, a R$ 16; eu pago R$ 64", compara Martins. A primeira exportação foi feita em julho para a Suíça, e ele pretende ampliá-la. "Imagine nos Países Baixos, onde chove muito e eles usam bicicleta?"

Não é apenas a indústria da moda que se aproximou dos povos originários. A Urucuna produz velas artesanais e naturais. Criada em março de 2020 pelas irmãs Ligia Ferreira Tatto e Julia Ferreira Tatto, a empresa nasceu da vontade delas de contribuir com essas populações.

O desejo veio da família. O pai das irmãs foi um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), que desde 1994 trabalha ao lado de comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas com o objetivo de proteger seus territórios, sua cultura e desenvolver economias sustentáveis. "Desde pequena visitamos povos indígenas. Conheci várias comunidades", diz Ligia.

A Urucuna trabalha com quatro comunidades: Paiter Suruí e Cinta Larga em Rondônia, Menire Xikrin, no Pará, e Apurinã, no Amazonas. Perto de 90% de suas parcerias são feitas com mulheres, de quem, em cinco anos, comprou 11.500 coquinhos de tucumã, fruto de uma palmeira, e 4 mil ouriços de castanha-do-Pará, produtos que usa para colocar as velas aromáticas.

"Eles já vendiam os frutos, e a gente passou a comprar as cascas desses frutos, que antes eram jogadas. É mais uma forma de gerar renda", diz Ligia. Nesse período, a Urucuna vendeu mais de 13 mil velas, principalmente para eventos corporativos e para clientes como Banco do Brasil, Vale, hotel Rosewood, Imaflora e Empório Capim Santo. No ano passado seu faturamento ultrapassou os R$ 300 mil.

Recentemente, a empresa lançou dois novos aromas: cumaru (semente conhecida como a baunilha da Amazônia) com canela e alecrim com capim limão, gengibre e andiroba. A Urucuna também oferece consultorias socioambientais.

"Nossa relação não é apenas de fornecedor e cliente. Somos parceiras, vamos até lá e promovemos oficinas sobre precificação, porque um dos principais desafios para eles é justamente colocar um preço justo no trabalho que fazem. Falamos sobre comunicação e como eles podem usar as redes sociais. Oferecemos ideias para o desenvolvimento de novos produtos", explica a empresária.

Durante a COP30, ela inaugura a Casa Niaré, sua primeira loja, em Belém, que vai funcionar também como espaço para eventos. O próximo passo é a internacionalização. "Já vendemos para Itália, França, Alemanha e Estados Unidos, mas estamos nos preparando para expandir ano que vem", diz.

Aprendi o valor da vida em comunidade e em harmonia com a natureza"

O contato com povos originários também lhe trouxe aprendizados. "São muito sérios. Posso confiar na sua palavra. E eles acreditam que as coisas acontecem no tempo certo, no tempo em que devem acontecer. Sempre volto de lá mais calma", diz.

Desde sua inauguração, em 2020, a +55design tem realizado projetos em colaboração com comunidades indígenas. "O design brasileiro só pode ser genuíno se refletir a diversidade e a riqueza cultural do país. Por isso nos aproximamos dos povos originários e buscamos inspiração, além de construir pontes de aprendizado e colaboração", diz Ticiana Villas Boas, cofundadora da empresa ao lado de Tatiana Amorim.

Entre os produtos que já desenvolveram estão as luminárias Arumã, criadas em parceria com a comunidade Baniwa, localizada no Alto Rio Negro, no Amazonas, e o Studio MK27. São luminárias de piso e teto feitas com cestos trançados com fibras de arumã, uma planta nativa, empilhados e tingidos com pigmentos vegetais da região. Outro item são as almofadas Kayapó, que trazem para o tecido pinturas corporais da etnia, originária da bacia do rio Xingu, no Pará.

A +55design também desenvolveu e patrocinou o Projeto SOMA, em colaboração com o designer Rodrigo Silveira e os artesãos Yuta Mehinako, Kawakanamu Mehinako e Ontxa Mehinako, da etnia Mehinako, do Alto Xingu, que resultou em nove bancos que assumem formas de animais, o corpo construído pelo designer e as cabeças e os rabos pintados pelos artesãos.

Em setembro de 2013, Amanda Santana, mineira de Ipatinga, radicada há mais de 30 anos no Rio de Janeiro, fundou a Tucum Brasil, primeiro como um marketplace online. No ano passado, ela inaugurou a Casa Tucum, que tem 500 metros quadrados em um casarão no centro histórico com loja e centro cultural para eventos xamânicos, exposições, lançamentos de livros e shows.

"Hoje a Tucum é uma plataforma de comercialização e valorização das artes indígenas, onde as pessoas vão encontrar informações sobre as peças. Não quero só vender", afirma. Ela tem em média 300 clientes por mês, 40% de São Paulo, e mais de 3 mil produtos no site, peças únicas entre acessórios, artigos para casa e arte.

"Trabalho com uma rede de 57 organizações indígenas, que impactam mais de 4 mil artesãos através das vendas. Ano passado, só em compras, dinheiro na mão dos artesãos, foram R$ 600 mil", diz. O carro-chefe são as pulseiras, como as que costuma usar.

Ela comercializa trabalhos de povos indígenas de todas as regiões do país, como Asurini, Guarani, Pataxó, Marubo, Kamayurá, Kayapó,Wai Wai, Ticuna. A maioria da Amazonia Legal. "Somos uma marca ativista", diz.

Seu interesse começou em 2010, em uma viagem para a terra indígena Kayapó, no sul do Pará. "Fui com meu ex-companheiro, antropólogo, indigenista. Lá eu imediatamente fiquei amiga das mulheres, que não falavam português, mas a gente se conseguia se comunicar. Voltei para casa cheia de pulseiras e colares feitos de miçanga de vidro, comecei a usar e a vender", lembra. Percebeu que tinha mercado.

Mas ainda há desafios. "O maior deles é o capital de giro, porque eu pago praticamente tudo à vista. Não gosto de consignações, o artesão não pode esperar. A logística já foi um grande problema, mas nós conseguimos desenvolver com eles diversos tipos de embalagens, e hoje os produtos chegam com mais agilidade."

A empresária conta que nesses 12 anos acumulou muitas horas de consultoria. Já visitou mais de 30 aldeias. Faz três, quatro viagens por ano. "Fiz workshop, mentoria, plano de negócio, precificação, melhorias no acabamento. Esse trabalho só faz sentido se as comunidades tiverem autonomia para poder tocar elas próprias os seus negócios."

No momento, Santana se ocupa da internacionalização da Tucum. Ela faz exportações para a França e os EUA, tímidas ainda. Em julho, ela participou de uma viagem de negócios para Lisboa a convite da Apex, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos. Desde o ano passado, tem um showroom em Nova York, mantido por meio de uma parceria com a Amazon Investors Coalition, organização que apoia iniciativas de comunidades indígenas.

O contato com os povos originários a ensinou a buscar harmonia. "Para a gente viver bem, todos os seres têm que estar vivendo bem, os seres que a gente enxerga e os seres que a gente não enxerga. Aprendi com as mulheres indígenas que cuidar do outro é cuidar da gente também. Apesar de todos os retrocessos e invasões, elas seguem lutando com força e beleza."

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