De Povos Indígenas no Brasil
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Transição energética repete padrões coloniais e amplia desigualdade, alerta Oxfam em relatório que pede fim de 'injustiça, desgoverno e excesso'
29/09/2025
Fonte: Um só Planeta - https://umsoplaneta.globo.com/
Transição energética repete padrões coloniais e amplia desigualdade, alerta Oxfam em relatório que pede fim de 'injustiça, desgoverno e excesso'
Relatório denuncia que o Sul Global arca com os maiores custos da corrida por minerais e projetos de energia limpa, enquanto elites e países ricos concentram os lucros e controlam o futuro energético
A transição global para a energia renovável corre o risco de reproduzir injustiças coloniais e a exploração, com as populações mais marginalizadas do Sul Global arcando com os maiores custos, enquanto as elites se beneficiam. É o que aponta o recém-lançado relatório "Transição Injusta: Resgatando o futuro energético do colonialismo climático", publicado pela Oxfam Internacional.
O documento cita o exemplo da Tesla, montadora de veículos elétricos de Elon Musk, o homem mais rico do mundo. Em 2024, a empresa faturou US$ 5,63 bilhões (aproximadamente R$ 30 bilhões na cotação atual) com vendas de seus modelos. Para cada unidade, obteve lucros de US$ 3.145 (R$ 16,8 mil), o que significa 321 vezes mais do que a República Democrática do Congo (RDC) obteve com o fornecimento dos 3 quilos de cobalto em cada carro.
O governo da RDC recebe menos de US$ 10 em royalties. E o minerador médio ganha US$ 7. Mas reter o valor integral poderia gerar mais de US$ 4 bilhões (R$ 21,3 bilhões) por ano, o suficiente para fornecer energia limpa para metade de sua população de quase 110 milhões de pessoas.
Segundo dados da Oxfam, se o consumo de energia de apenas um ano do 1% mais rico do globo fosse redistribuído, isso poderia satisfazer as necessidades modernas de energia de todas as pessoas no mundo sem eletricidade sete vezes, e a redistribuição do consumo dos 10% maiores consumidores globais de energia poderia satisfazer as necessidades de todo o Sul Global nove vezes.
O relatório mostra ainda que, ao longo dos últimos 60 anos, as pessoas no Norte Global consumiram mais de 3.300 petawatt horas (PWh) de energia em excesso, quantidade suficiente para abastecer o mundo inteiro por mais de 20 anos. O Modern Energy Minimum (MEM) estabelece um patamar de 1.000kWh por pessoa por ano, visto como um mínimo essencial para a dignidade e os direitos de desenvolvimento no Sul Global.
"Pilhagem de minerais"
O texto descreve a "pilhagem" de minerais como lítio, cobalto, níquel e terras raras, apropriação de terras para bioenergia, projetos de remoção de carbono e apreensão de recursos em larga escala para energia hidrelétrica, eólica e solar. Esses projetos frequentemente envolvem violência, trabalho forçado e danos ambientais, com pouco consentimento da população local que vive nessas novas "zonas de sacrifício".
Atualmente, a mineração, os projetos de energia renovável e o desenvolvimento industrial vinculados à transição energética - impulsionados em sua maioria pelo Norte Global e por elites poderosas, como destaca a Oxfam - ameaçam os direitos dos povos indígenas em até 60% de suas terras reconhecidas. Trata-se de uma área de 22,7 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente ao tamanho do Brasil, dos Estados Unidos e da Índia juntos.
"Os países mais ricos e os indivíduos super-ricos estão levando a crise climática ao seu atual ponto crítico, consumindo excessivamente o orçamento de carbono por meio de sistemas profundamente desiguais e extrativistas", disse Amitabh Behar, diretor executivo da Oxfam, em comunicado. "Agora, eles estão tentando capturar e controlar a transição energética às custas dos países mais pobres e vulneráveis ao clima, aumentando ainda mais a desigualdade. Uma transição verdadeiramente justa começa com o fim dos padrões de injustiça, desgoverno e excesso."
Sistema financeiro e dívida desigual
As finanças globais estão estruturadas de forma que favorecem o Norte Global, dificultando a transição no Sul Global, aponta o estudo. Em 2024, países de alta renda foram responsáveis por aproximadamente 50% do investimento global em energia limpa, e a China por 29%. A África representou apenas 2% do investimento, apesar da África subsaariana ser o lar de 85% de todas as pessoas no mundo sem eletricidade.
Projetos de energia limpa no Sul Global enfrentam taxas de juro de 9% a 13,5%, em comparação com apenas 3% a 6% nos países mais ricos. Os dados da Oxfam apontam que abastecer 100.000 pessoas com energia limpa custa cerca de US$ 95 milhões (R$ 507,5 milhões) em economias avançadas (como o Reino Unido), mas US$ 188 milhões (R$ 1 bilhão) - 97% a mais - em países africanos (como a Nigéria).
Além disso, países em desenvolvimento carregam US$ 11,7 trilhões (R$ 63,5 trilhões) em dívida externa, um valor mais de 30 vezes superior ao investimento adicional necessário para o acesso universal à eletricidade e ao cozimento limpo até 2030. Somente em 2024, os países do Sul Global pagaram um estimado de US$ 400 bilhões (R$ 2,1 trilhões) em serviço da dívida.
"Muitos países do Sul estão sendo completamente excluídos da transição, apesar de possuírem um potencial significativo - 70% do potencial eólico e solar do mundo está no Sul Global. Seus governos não conseguem aproveitar a queda nos custos das energias renováveis devido à alta dívida e às condições injustas de empréstimo", salientou Behar.
E ele acrescentou: "Abordar a desigualdade e o colonialismo na transição oferece uma oportunidade para remodelar radicalmente o cenário energético. Povos indígenas, comunidades, mulheres, trabalhadores e governos locais progressistas já estão construindo novos sistemas energéticos baseados no controle local, na economia progressista e no cuidado ecológico, e onde o trabalho decente, a proteção social, os direitos indígenas e a requalificação são essenciais. Devemos apoiá-los para que a transição deixe de servir ao lucro e passe a servir à vida".
Novo sistema energético descolonizado e descentralizado
O relatório da Oxfam apela aos formuladores de políticas para que adotem um novo sistema energético descolonizado e descentralizado, que reconheça e repare os danos do desequilíbrio histórico de poder e priorize a cooperação e a solidariedade globais. As recomendações para atingir esse objetivo são:
- Adotar uma abordagem de financiamento público em primeiro lugar para metas climáticas e de desenvolvimento e rejeitar o modelo do "Consenso de Wall Street", em que o dinheiro público é usado para garantir lucros privados;
- Indivíduos, empresas e países ricos e poluidores precisam reconhecer sua responsabilidade pela crise climática e pagar pelos danos;
- Reformar radicalmente os modelos internacionais de tributação, comércio e financiamento para remover as barreiras atuais à transição energética justa nos países do Sul Global. Essas ferramentas incluem agregação de valor interno, transferência de tecnologia e soberania industrial.
- Acabar com as práticas de exploração e defender os direitos trabalhistas e os direitos humanos na transição energética, incluindo o reconhecimento dos direitos à terra e da soberania dos povos indígenas.
https://umsoplaneta.globo.com/clima/noticia/2025/09/29/transicao-energetica-repete-padroes-coloniais-e-amplia-desigualdade-alerta-oxfam-em-relatorio-que-pede-fim-de-injustica-desgoverno-e-excesso.ghtml
Relatório denuncia que o Sul Global arca com os maiores custos da corrida por minerais e projetos de energia limpa, enquanto elites e países ricos concentram os lucros e controlam o futuro energético
A transição global para a energia renovável corre o risco de reproduzir injustiças coloniais e a exploração, com as populações mais marginalizadas do Sul Global arcando com os maiores custos, enquanto as elites se beneficiam. É o que aponta o recém-lançado relatório "Transição Injusta: Resgatando o futuro energético do colonialismo climático", publicado pela Oxfam Internacional.
O documento cita o exemplo da Tesla, montadora de veículos elétricos de Elon Musk, o homem mais rico do mundo. Em 2024, a empresa faturou US$ 5,63 bilhões (aproximadamente R$ 30 bilhões na cotação atual) com vendas de seus modelos. Para cada unidade, obteve lucros de US$ 3.145 (R$ 16,8 mil), o que significa 321 vezes mais do que a República Democrática do Congo (RDC) obteve com o fornecimento dos 3 quilos de cobalto em cada carro.
O governo da RDC recebe menos de US$ 10 em royalties. E o minerador médio ganha US$ 7. Mas reter o valor integral poderia gerar mais de US$ 4 bilhões (R$ 21,3 bilhões) por ano, o suficiente para fornecer energia limpa para metade de sua população de quase 110 milhões de pessoas.
Segundo dados da Oxfam, se o consumo de energia de apenas um ano do 1% mais rico do globo fosse redistribuído, isso poderia satisfazer as necessidades modernas de energia de todas as pessoas no mundo sem eletricidade sete vezes, e a redistribuição do consumo dos 10% maiores consumidores globais de energia poderia satisfazer as necessidades de todo o Sul Global nove vezes.
O relatório mostra ainda que, ao longo dos últimos 60 anos, as pessoas no Norte Global consumiram mais de 3.300 petawatt horas (PWh) de energia em excesso, quantidade suficiente para abastecer o mundo inteiro por mais de 20 anos. O Modern Energy Minimum (MEM) estabelece um patamar de 1.000kWh por pessoa por ano, visto como um mínimo essencial para a dignidade e os direitos de desenvolvimento no Sul Global.
"Pilhagem de minerais"
O texto descreve a "pilhagem" de minerais como lítio, cobalto, níquel e terras raras, apropriação de terras para bioenergia, projetos de remoção de carbono e apreensão de recursos em larga escala para energia hidrelétrica, eólica e solar. Esses projetos frequentemente envolvem violência, trabalho forçado e danos ambientais, com pouco consentimento da população local que vive nessas novas "zonas de sacrifício".
Atualmente, a mineração, os projetos de energia renovável e o desenvolvimento industrial vinculados à transição energética - impulsionados em sua maioria pelo Norte Global e por elites poderosas, como destaca a Oxfam - ameaçam os direitos dos povos indígenas em até 60% de suas terras reconhecidas. Trata-se de uma área de 22,7 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente ao tamanho do Brasil, dos Estados Unidos e da Índia juntos.
"Os países mais ricos e os indivíduos super-ricos estão levando a crise climática ao seu atual ponto crítico, consumindo excessivamente o orçamento de carbono por meio de sistemas profundamente desiguais e extrativistas", disse Amitabh Behar, diretor executivo da Oxfam, em comunicado. "Agora, eles estão tentando capturar e controlar a transição energética às custas dos países mais pobres e vulneráveis ao clima, aumentando ainda mais a desigualdade. Uma transição verdadeiramente justa começa com o fim dos padrões de injustiça, desgoverno e excesso."
Sistema financeiro e dívida desigual
As finanças globais estão estruturadas de forma que favorecem o Norte Global, dificultando a transição no Sul Global, aponta o estudo. Em 2024, países de alta renda foram responsáveis por aproximadamente 50% do investimento global em energia limpa, e a China por 29%. A África representou apenas 2% do investimento, apesar da África subsaariana ser o lar de 85% de todas as pessoas no mundo sem eletricidade.
Projetos de energia limpa no Sul Global enfrentam taxas de juro de 9% a 13,5%, em comparação com apenas 3% a 6% nos países mais ricos. Os dados da Oxfam apontam que abastecer 100.000 pessoas com energia limpa custa cerca de US$ 95 milhões (R$ 507,5 milhões) em economias avançadas (como o Reino Unido), mas US$ 188 milhões (R$ 1 bilhão) - 97% a mais - em países africanos (como a Nigéria).
Além disso, países em desenvolvimento carregam US$ 11,7 trilhões (R$ 63,5 trilhões) em dívida externa, um valor mais de 30 vezes superior ao investimento adicional necessário para o acesso universal à eletricidade e ao cozimento limpo até 2030. Somente em 2024, os países do Sul Global pagaram um estimado de US$ 400 bilhões (R$ 2,1 trilhões) em serviço da dívida.
"Muitos países do Sul estão sendo completamente excluídos da transição, apesar de possuírem um potencial significativo - 70% do potencial eólico e solar do mundo está no Sul Global. Seus governos não conseguem aproveitar a queda nos custos das energias renováveis devido à alta dívida e às condições injustas de empréstimo", salientou Behar.
E ele acrescentou: "Abordar a desigualdade e o colonialismo na transição oferece uma oportunidade para remodelar radicalmente o cenário energético. Povos indígenas, comunidades, mulheres, trabalhadores e governos locais progressistas já estão construindo novos sistemas energéticos baseados no controle local, na economia progressista e no cuidado ecológico, e onde o trabalho decente, a proteção social, os direitos indígenas e a requalificação são essenciais. Devemos apoiá-los para que a transição deixe de servir ao lucro e passe a servir à vida".
Novo sistema energético descolonizado e descentralizado
O relatório da Oxfam apela aos formuladores de políticas para que adotem um novo sistema energético descolonizado e descentralizado, que reconheça e repare os danos do desequilíbrio histórico de poder e priorize a cooperação e a solidariedade globais. As recomendações para atingir esse objetivo são:
- Adotar uma abordagem de financiamento público em primeiro lugar para metas climáticas e de desenvolvimento e rejeitar o modelo do "Consenso de Wall Street", em que o dinheiro público é usado para garantir lucros privados;
- Indivíduos, empresas e países ricos e poluidores precisam reconhecer sua responsabilidade pela crise climática e pagar pelos danos;
- Reformar radicalmente os modelos internacionais de tributação, comércio e financiamento para remover as barreiras atuais à transição energética justa nos países do Sul Global. Essas ferramentas incluem agregação de valor interno, transferência de tecnologia e soberania industrial.
- Acabar com as práticas de exploração e defender os direitos trabalhistas e os direitos humanos na transição energética, incluindo o reconhecimento dos direitos à terra e da soberania dos povos indígenas.
https://umsoplaneta.globo.com/clima/noticia/2025/09/29/transicao-energetica-repete-padroes-coloniais-e-amplia-desigualdade-alerta-oxfam-em-relatorio-que-pede-fim-de-injustica-desgoverno-e-excesso.ghtml
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