De Povos Indígenas no Brasil
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'A COP não vai resolver a crise climática', diz Davi Yanomami
10/11/2025
Autor: Felipe Medeiros
Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br
Terra Indígena Yanomami (RR) - Prestes a completar 70 anos, o maior líder Yanomami se considera um homem forte e lúcido para continuar a luta pela terra-floresta. Mesmo assim, acredita que o planeta chegou a um ponto irreversível e que a COP30, que acontece em Belém (PA), não vai resolver as mudanças climáticas. Para o presidente da Hutukara, "estragou, não resolve". Davi Kopenawa viaja nesta terça-feira (11) para a capital paraense e deve cumprir agenda nas zonas azul e verde da COP30, junto de outros Yanomami. O documentário "A Queda do Céu", homônimo do livro de Davi Kopenawa com o antropólogo francês Bruce Albert, será exibido em sessão especial.
No 6o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana, realizado no mês passado, o líder Yanomami observava tudo com atenção: cada fala, cada gesto dos anciãos, mulheres e jovens. Nos cinco dias de evento, manteve-se no mesmo lugar, na ponta do fundo de um grande mesão de madeira, oposta à do filho, Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara. Nem no centro, nem afastado: na ponta, como quem busca equilíbrio.
Davi impõe respeito sem elevar a voz. É procurado por todos ( indígenas e não indígenas) para conselhos e conversas. Toma mingau de banana após o jantar, ri de fatos simples, conta histórias vividas na floresta e fora dela. Suas palavras silenciam quem o escuta. Durante o fórum, era o primeiro a se sentar e o último a sair. Mesmo após o jantar, permanecia ali, respondendo mensagens, retornando ligações e acolhendo quem se aproximava.
Foi ali que, após a aprovação do local do próximo fórum (a cada dele - Watoriki), ele chamou a reportagem: "Vamos lá!", disse, sereno, cumprindo o combinado dias antes.
A entrevista começou no malocão e se estendeu por mais de uma hora, entre memórias, críticas e risadas, até o lado de fora, sob um céu estrelado. Uma conversa sobre a COP30, política, os jovens, o garimpo e a saúde da Terra. Leia a entrevista concedida à Amazônia Real com exclusividade:
Amazônia Real - Como foi o convite para ir à COP30?
Davi Kopenawa - COP? Eu já pensei faz tempo. Quando viajava aos Estados Unidos com Claudia Andujar, eu perguntava: 'o que é mudança climática?' Essa mudança está adoecendo o povo da cidade, do município e o povo indígena. Como ela se criou? Da fábrica, da retirada de minério da terra. Eles criaram essa doença. Eu penso que nós, povos da terra, e os povos da mercadoria, do Estado, do capital, ninguém vai resolver. Eles vêm de fora, interessados em gastar e pegar mais dinheiro para tentar resolver, mas não vão. Esse é o meu pensamento.
Amazônia Real - Você acha que a COP pode resolver a crise climática?
Davi Kopenawa - Não vai resolver. Podem gastar dinheiro, falar bonito, fazer lei, carta bonita, mas não resolve. É difícil. Estragou. Eles já tentaram, fizeram muitas reuniões pelo mundo e nada mudou. Até meus meninos, Maurício Ye'kwana [atual coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye'kwana], já participaram e não viram resultado. E quem criou a mudança climática? Os Estados Unidos. O presidente americano não vem. É culpa dele. A nossa terra está cansada, poluída. A doença já criou raiz faz tempo. É tarde. O homem da cidade não escuta, não acredita na nossa fala. Dizem que índio [sic] não sabe. Claro que não vamos resolver tudo, mas podemos proteger o grande pulmão da terra, a floresta.
Amazônia Real - Como você avalia a atuação dos negociadores e autoridades que discutem durante a COP?
Davi Kopenawa - Esses governantes, eu não conheço. Eles querem pegar um pedaço da floresta. A autoridade brasileira vai negociar, trocar moedas. A Amazônia é rica. Lá fora, os estrangeiros já acabaram a deles e querem a nossa. O Brasil deve muito e o americano vai cobrar. Vão querer um pedaço da Amazônia.
Amazônia Real - E você vai deixar isso acontecer?
Davi Kopenawa - Não. Aqui, não. Eu não quero deixar, não. É por isso que estou interessado em ir, e se deixarem eu falar no meio deles, se quiserem me ouvir, eu vou falar para os americanos: vocês estão interessados em pegar nossa riqueza, não em diminuir a mudança climática. Ela já criou raiz faz tempo. Então, não vai conseguir, não. Só vão negociar, pegar um grande pedaço da nossa Amazônia.
Amazônia Real - Davi, você está se sentindo bem? Ou se sente cansado? Yãkoana está ajudando a se manter forte, saudável?
Davi Kopenawa: O povo Yanomami não reclama de cansaço. O branco fala: "ah, estou cansado, quero parar". Nós não falamos isso. Eu sou Kopenawa guerreiro, defendo o direito do povo Yanomami, da terra. Estou junto com a força da natureza e dos Xapiri. Confio na cultura da terra. Ela sempre dá força. Só começa o cansaço quando chega a idade, assim, 89, 90 anos.
Amazônia Real - Então você ainda tem uns 20 anos pela frente.
Davi Kopenawa - Ainda tenho. Eu me sinto bem porque nossa terra está inteira. Só o rio está estragado, poluído de mercúrio. Mas a natureza está viva. A força dela me ajuda. Eu defendo e ela ajuda minha alma a não cansar.
Amazônia Real - E você acha que os rios vão ficar limpos?
Davi Kopenawa - Não.
Amazônia Real - Por que?
Davi Kopenawa - Porque o buraco está na cabeceira. O garimpo ficou onde nasce o rio. Eu já falei com o Ministério da Defesa: o branco pode falar, mas nunca vai curar a alma do rio. Ela adoeceu. As máquinas destroem muito. A beira do rio e do igarapé estão destruídas. Essa água nunca vai recuperar. Fica barrenta, cheia de poluição, mercúrio, lixo, óleo.
Amazônia Real - O que os brancos ainda não entenderam de "A Queda do Céu"?
Davi Kopenawa: Os brancos não sabem o que é "A Queda do Céu". Não conhecem nossa história. A terra foi criada por Omama. Água limpa, sem poluição. O povo da cidade nunca sonhou com a alma do céu. Agora estamos ensinando. Eu pensei em escrever sobre a queda do céu porque o peito do céu está doente de Xawara (doença). O povo da cidade começa a entender lendo minha fala, traduzida por Bruce. Mas muitos ainda não acreditam que nós, e Xapiri, estamos segurando o perigo que está em cima, querendo cair de novo.
Amazônia Real - Isso é reflexo do que vemos hoje, políticos querendo aprovar o PL da mineração, PLs da Devastação?
Davi Kopenawa: Eu sou contra o PL da devastação. Eles querem usar nosso lugar, Surucucu, Maturacá, Pico da Neblina. Ali é a estaca da segurança da terra. Querem arrancar a riqueza para fabricar carro, avião, navio, cidade luminosa. Eles querem acabar com a gente.
Amazônia Real - Você gosta de algum político, Davi?
Davi Kopenawa - Não.
Amazônia Real - E do Lula?
Davi Kopenawa - Do Lula eu gosto. Conheço faz tempo. Ele é amigo da gente, da floresta. Mas os políticos estão enfraquecendo ele. Os senadores e deputados querem tirar a riqueza da terra Yanomami, tomar nosso lugar. Enquanto eu estiver vivo, ninguém vai deixar isso acontecer. Muita gente está lutando com a gente. O movimento indígena apoia. Mas o povo de mercadoria só pensa em arrancar riqueza da terra para fabricar carro, avião, petróleo. Eles só pensam em dinheiro.
Amazônia Real - O governo autorizou a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O que acha disso?
Davi Kopenawa - Acho que eles são doidos. Deviam autorizar onde moram. Na minha casa, não.
Amazônia Real - Você não concorda com a autorização?
Davi Kopenawa - Não. Vai contaminar nossa água e destruir tudo. Estão explorando e contaminando a criação boa para nossa cultura da terra e da água. Eles são contra o país e o povo originário que mora em cima da riqueza.
Amazônia Real - O que acontece quando tem garimpo, exploração de petróleo, quando a terra é ferida assim?
Davi Kopenawa - Acontece que já ficou ferido e não vai sumir. É ferida que não tem cura. A máquina morde a pele da terra e ela fica contaminada, como doença de pele: se não cuidar, morre. A máquina morde a terra-mãe e ela fica rasgada para sempre. Isso é crime. A lei deles não protege a terra. A lei da cidade é fraca, é lei da capital. A terra não foi criada por lei, foi criada por Omama. Eles estão errados porque são viciados. O cérebro deles está estragado.
Não precisam mais destruir. Já têm tudo: carro, casa, panela, máquina. A cidade está cheia de mercadoria. E mesmo assim querem mais. Os americanos mandam no Brasil. Eles são espertos em roubar, enganar, oferecem dinheiro e depois cobram. Alemanha, Inglaterra, todos mandam de longe. São donos daqui. Esse é o jogo político.
Amazônia Real - Por que ainda tem garimpo na terra Yanomami? O que mantém?
Davi Kopenawa - É difícil acabar com o garimpo ilegal. Eles já viram onde tem ouro, cassiterita, nióbio, o coração do celular, do computador. O Estado quer tirar mais. A terra está ficando pobre e fraca. A terra sente fome, precisa de árvore, precisa descansar. Mas eles não deixam. Estão deixando a terra brava, quente, cheia de fogo. Ela está se vingando do povo da cidade. A cidade do Rio Grande do Sul ficou cheia de água. É vingança do mundo, da terra, do Xapiri. A terra está com raiva. Em outros lugares também: gente morrendo de fome, criança, adulto. Isso está acontecendo em todo o mundo.
Amazônia Real - Como você avalia a atuação da justiça brasileira? Você acha que ela está disposta a punir?
Davi Kopenawa - Está demorando. A Justiça existe na cidade grande e pequena, mas é fraca. Não está punindo. O garimpeiro não fica na cadeia. A Justiça tem que ficar forte para prender quem mata meu povo e destrói nossa terra. Se não fizer isso, o garimpo não vai parar.
Amazônia Real - Você fala que os jovens vivem entre dois mundos: o da floresta e o do celular. Que caminho eles devem seguir?
Davi Kopenawa - Essa é outra doença. Está chegando por causa da destruição e dos políticos. A nova geração não quer proteger nada. Os garimpeiros são pobres, não têm terra, e o homem que dirige o mundo deixa acontecer. Essa doença da internet não é cultura Yanomami. É cultura da civilização. Adoece a cabeça e o pensamento. O espírito da cidade é muito forte, perigoso. Está destruindo nosso costume, nosso coração. Eu chamo isso de Xawara, de Yoasi (espírito mau). Ele está enganando todo mundo, contaminando jovens, mulheres, todos. A internet aperta, machuca, deixa doente. O celular é uma doença. Uma parte é boa, para pedir socorro, chamar avião, mas a outra faz mal. O povo da cidade faz porcaria, brinca, tira foto, vídeo. Isso é ruim. Deixou o jovem Yanomami sem vontade de caçar, plantar, viver da floresta. Fica só deitado, olhando o celular.
Amazônia Real - O que você gostaria de falar durante a COP para o mundo?
Davi Kopenawa - Nós somos povo indígena do Brasil. Tem que pensar bem para falar com os homens doentes, que vêm de longe. Tem que estar preparado.
Amazônia Real - Você ainda vai preparar essa mensagem?
Davi Kopenawa - Sim. Vou falar em Yanomami. Minha amiga Ana Maria Machado vai me ajudar a traduzir. Eu vou dizer: é preciso frear, como frear um caminhão. Não precisa andar o tempo todo destruindo, raspando, fazendo buraco, guerra. O homem da cidade tem que parar, pensar e olhar para trás. Ele não olha. Atrás está destruído. Tem fome. Se a mudança climática não frear, vai continuar. O homem da cidade tem que parar de destruir e pensar na saúde. A saúde é bonita. A terra precisa de saúde, comida, água limpa, sem raspar sua pele. Vocês, que usam as máquinas modernas, têm que parar. Se não, vão sofrer também. A terra sofre, mas não morre. A floresta morre. E se ela morrer, nós morremos juntos. É isso que eu quero dizer na COP.
Amazônia Real - É a mesma mensagem para quem acredita que ainda dá para mudar o destino da Terra?
Davi Kopenawa - Agora é difícil. Não vai conseguir mudar. Se mudar, tem que parar o carro, deixar de usar petróleo. Mas aí a cidade fica escura, sem luz, sem ar-condicionado, sem geladeira. Eles morrem de calor, de sede. Estão acostumados com máquina moderna. É difícil deixar de fabricar, de trabalhar. Não vai resolver. Vai continuar até o fim da vida.
Amazônia Real - E o que a gente faz para não piorar mais a saúde da terra?
Davi Kopenawa - Não faz nada.
Amazônia Real - O que os Xapiri dizem para vocês?
Davi Kopenawa - Xapiri está cuidando, mesmo sem Yanomami, sem Macuxi, sem Wapichana, sem Ye'kwana. Sem Xapiri, sem floresta, estamos mortos. Com Xapiri cuidando, estamos vivos, junto com a natureza, a água, a energia. Precisa ouvir. O homem da floresta está pedindo. Se não acreditar, vai continuar sofrendo. Não vai mudar, não.
https://amazoniareal.com.br/a-cop-nao-vai-resolver-a-crise-climatica-diz-davi-yanomami/
No 6o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana, realizado no mês passado, o líder Yanomami observava tudo com atenção: cada fala, cada gesto dos anciãos, mulheres e jovens. Nos cinco dias de evento, manteve-se no mesmo lugar, na ponta do fundo de um grande mesão de madeira, oposta à do filho, Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara. Nem no centro, nem afastado: na ponta, como quem busca equilíbrio.
Davi impõe respeito sem elevar a voz. É procurado por todos ( indígenas e não indígenas) para conselhos e conversas. Toma mingau de banana após o jantar, ri de fatos simples, conta histórias vividas na floresta e fora dela. Suas palavras silenciam quem o escuta. Durante o fórum, era o primeiro a se sentar e o último a sair. Mesmo após o jantar, permanecia ali, respondendo mensagens, retornando ligações e acolhendo quem se aproximava.
Foi ali que, após a aprovação do local do próximo fórum (a cada dele - Watoriki), ele chamou a reportagem: "Vamos lá!", disse, sereno, cumprindo o combinado dias antes.
A entrevista começou no malocão e se estendeu por mais de uma hora, entre memórias, críticas e risadas, até o lado de fora, sob um céu estrelado. Uma conversa sobre a COP30, política, os jovens, o garimpo e a saúde da Terra. Leia a entrevista concedida à Amazônia Real com exclusividade:
Amazônia Real - Como foi o convite para ir à COP30?
Davi Kopenawa - COP? Eu já pensei faz tempo. Quando viajava aos Estados Unidos com Claudia Andujar, eu perguntava: 'o que é mudança climática?' Essa mudança está adoecendo o povo da cidade, do município e o povo indígena. Como ela se criou? Da fábrica, da retirada de minério da terra. Eles criaram essa doença. Eu penso que nós, povos da terra, e os povos da mercadoria, do Estado, do capital, ninguém vai resolver. Eles vêm de fora, interessados em gastar e pegar mais dinheiro para tentar resolver, mas não vão. Esse é o meu pensamento.
Amazônia Real - Você acha que a COP pode resolver a crise climática?
Davi Kopenawa - Não vai resolver. Podem gastar dinheiro, falar bonito, fazer lei, carta bonita, mas não resolve. É difícil. Estragou. Eles já tentaram, fizeram muitas reuniões pelo mundo e nada mudou. Até meus meninos, Maurício Ye'kwana [atual coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye'kwana], já participaram e não viram resultado. E quem criou a mudança climática? Os Estados Unidos. O presidente americano não vem. É culpa dele. A nossa terra está cansada, poluída. A doença já criou raiz faz tempo. É tarde. O homem da cidade não escuta, não acredita na nossa fala. Dizem que índio [sic] não sabe. Claro que não vamos resolver tudo, mas podemos proteger o grande pulmão da terra, a floresta.
Amazônia Real - Como você avalia a atuação dos negociadores e autoridades que discutem durante a COP?
Davi Kopenawa - Esses governantes, eu não conheço. Eles querem pegar um pedaço da floresta. A autoridade brasileira vai negociar, trocar moedas. A Amazônia é rica. Lá fora, os estrangeiros já acabaram a deles e querem a nossa. O Brasil deve muito e o americano vai cobrar. Vão querer um pedaço da Amazônia.
Amazônia Real - E você vai deixar isso acontecer?
Davi Kopenawa - Não. Aqui, não. Eu não quero deixar, não. É por isso que estou interessado em ir, e se deixarem eu falar no meio deles, se quiserem me ouvir, eu vou falar para os americanos: vocês estão interessados em pegar nossa riqueza, não em diminuir a mudança climática. Ela já criou raiz faz tempo. Então, não vai conseguir, não. Só vão negociar, pegar um grande pedaço da nossa Amazônia.
Amazônia Real - Davi, você está se sentindo bem? Ou se sente cansado? Yãkoana está ajudando a se manter forte, saudável?
Davi Kopenawa: O povo Yanomami não reclama de cansaço. O branco fala: "ah, estou cansado, quero parar". Nós não falamos isso. Eu sou Kopenawa guerreiro, defendo o direito do povo Yanomami, da terra. Estou junto com a força da natureza e dos Xapiri. Confio na cultura da terra. Ela sempre dá força. Só começa o cansaço quando chega a idade, assim, 89, 90 anos.
Amazônia Real - Então você ainda tem uns 20 anos pela frente.
Davi Kopenawa - Ainda tenho. Eu me sinto bem porque nossa terra está inteira. Só o rio está estragado, poluído de mercúrio. Mas a natureza está viva. A força dela me ajuda. Eu defendo e ela ajuda minha alma a não cansar.
Amazônia Real - E você acha que os rios vão ficar limpos?
Davi Kopenawa - Não.
Amazônia Real - Por que?
Davi Kopenawa - Porque o buraco está na cabeceira. O garimpo ficou onde nasce o rio. Eu já falei com o Ministério da Defesa: o branco pode falar, mas nunca vai curar a alma do rio. Ela adoeceu. As máquinas destroem muito. A beira do rio e do igarapé estão destruídas. Essa água nunca vai recuperar. Fica barrenta, cheia de poluição, mercúrio, lixo, óleo.
Amazônia Real - O que os brancos ainda não entenderam de "A Queda do Céu"?
Davi Kopenawa: Os brancos não sabem o que é "A Queda do Céu". Não conhecem nossa história. A terra foi criada por Omama. Água limpa, sem poluição. O povo da cidade nunca sonhou com a alma do céu. Agora estamos ensinando. Eu pensei em escrever sobre a queda do céu porque o peito do céu está doente de Xawara (doença). O povo da cidade começa a entender lendo minha fala, traduzida por Bruce. Mas muitos ainda não acreditam que nós, e Xapiri, estamos segurando o perigo que está em cima, querendo cair de novo.
Amazônia Real - Isso é reflexo do que vemos hoje, políticos querendo aprovar o PL da mineração, PLs da Devastação?
Davi Kopenawa: Eu sou contra o PL da devastação. Eles querem usar nosso lugar, Surucucu, Maturacá, Pico da Neblina. Ali é a estaca da segurança da terra. Querem arrancar a riqueza para fabricar carro, avião, navio, cidade luminosa. Eles querem acabar com a gente.
Amazônia Real - Você gosta de algum político, Davi?
Davi Kopenawa - Não.
Amazônia Real - E do Lula?
Davi Kopenawa - Do Lula eu gosto. Conheço faz tempo. Ele é amigo da gente, da floresta. Mas os políticos estão enfraquecendo ele. Os senadores e deputados querem tirar a riqueza da terra Yanomami, tomar nosso lugar. Enquanto eu estiver vivo, ninguém vai deixar isso acontecer. Muita gente está lutando com a gente. O movimento indígena apoia. Mas o povo de mercadoria só pensa em arrancar riqueza da terra para fabricar carro, avião, petróleo. Eles só pensam em dinheiro.
Amazônia Real - O governo autorizou a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O que acha disso?
Davi Kopenawa - Acho que eles são doidos. Deviam autorizar onde moram. Na minha casa, não.
Amazônia Real - Você não concorda com a autorização?
Davi Kopenawa - Não. Vai contaminar nossa água e destruir tudo. Estão explorando e contaminando a criação boa para nossa cultura da terra e da água. Eles são contra o país e o povo originário que mora em cima da riqueza.
Amazônia Real - O que acontece quando tem garimpo, exploração de petróleo, quando a terra é ferida assim?
Davi Kopenawa - Acontece que já ficou ferido e não vai sumir. É ferida que não tem cura. A máquina morde a pele da terra e ela fica contaminada, como doença de pele: se não cuidar, morre. A máquina morde a terra-mãe e ela fica rasgada para sempre. Isso é crime. A lei deles não protege a terra. A lei da cidade é fraca, é lei da capital. A terra não foi criada por lei, foi criada por Omama. Eles estão errados porque são viciados. O cérebro deles está estragado.
Não precisam mais destruir. Já têm tudo: carro, casa, panela, máquina. A cidade está cheia de mercadoria. E mesmo assim querem mais. Os americanos mandam no Brasil. Eles são espertos em roubar, enganar, oferecem dinheiro e depois cobram. Alemanha, Inglaterra, todos mandam de longe. São donos daqui. Esse é o jogo político.
Amazônia Real - Por que ainda tem garimpo na terra Yanomami? O que mantém?
Davi Kopenawa - É difícil acabar com o garimpo ilegal. Eles já viram onde tem ouro, cassiterita, nióbio, o coração do celular, do computador. O Estado quer tirar mais. A terra está ficando pobre e fraca. A terra sente fome, precisa de árvore, precisa descansar. Mas eles não deixam. Estão deixando a terra brava, quente, cheia de fogo. Ela está se vingando do povo da cidade. A cidade do Rio Grande do Sul ficou cheia de água. É vingança do mundo, da terra, do Xapiri. A terra está com raiva. Em outros lugares também: gente morrendo de fome, criança, adulto. Isso está acontecendo em todo o mundo.
Amazônia Real - Como você avalia a atuação da justiça brasileira? Você acha que ela está disposta a punir?
Davi Kopenawa - Está demorando. A Justiça existe na cidade grande e pequena, mas é fraca. Não está punindo. O garimpeiro não fica na cadeia. A Justiça tem que ficar forte para prender quem mata meu povo e destrói nossa terra. Se não fizer isso, o garimpo não vai parar.
Amazônia Real - Você fala que os jovens vivem entre dois mundos: o da floresta e o do celular. Que caminho eles devem seguir?
Davi Kopenawa - Essa é outra doença. Está chegando por causa da destruição e dos políticos. A nova geração não quer proteger nada. Os garimpeiros são pobres, não têm terra, e o homem que dirige o mundo deixa acontecer. Essa doença da internet não é cultura Yanomami. É cultura da civilização. Adoece a cabeça e o pensamento. O espírito da cidade é muito forte, perigoso. Está destruindo nosso costume, nosso coração. Eu chamo isso de Xawara, de Yoasi (espírito mau). Ele está enganando todo mundo, contaminando jovens, mulheres, todos. A internet aperta, machuca, deixa doente. O celular é uma doença. Uma parte é boa, para pedir socorro, chamar avião, mas a outra faz mal. O povo da cidade faz porcaria, brinca, tira foto, vídeo. Isso é ruim. Deixou o jovem Yanomami sem vontade de caçar, plantar, viver da floresta. Fica só deitado, olhando o celular.
Amazônia Real - O que você gostaria de falar durante a COP para o mundo?
Davi Kopenawa - Nós somos povo indígena do Brasil. Tem que pensar bem para falar com os homens doentes, que vêm de longe. Tem que estar preparado.
Amazônia Real - Você ainda vai preparar essa mensagem?
Davi Kopenawa - Sim. Vou falar em Yanomami. Minha amiga Ana Maria Machado vai me ajudar a traduzir. Eu vou dizer: é preciso frear, como frear um caminhão. Não precisa andar o tempo todo destruindo, raspando, fazendo buraco, guerra. O homem da cidade tem que parar, pensar e olhar para trás. Ele não olha. Atrás está destruído. Tem fome. Se a mudança climática não frear, vai continuar. O homem da cidade tem que parar de destruir e pensar na saúde. A saúde é bonita. A terra precisa de saúde, comida, água limpa, sem raspar sua pele. Vocês, que usam as máquinas modernas, têm que parar. Se não, vão sofrer também. A terra sofre, mas não morre. A floresta morre. E se ela morrer, nós morremos juntos. É isso que eu quero dizer na COP.
Amazônia Real - É a mesma mensagem para quem acredita que ainda dá para mudar o destino da Terra?
Davi Kopenawa - Agora é difícil. Não vai conseguir mudar. Se mudar, tem que parar o carro, deixar de usar petróleo. Mas aí a cidade fica escura, sem luz, sem ar-condicionado, sem geladeira. Eles morrem de calor, de sede. Estão acostumados com máquina moderna. É difícil deixar de fabricar, de trabalhar. Não vai resolver. Vai continuar até o fim da vida.
Amazônia Real - E o que a gente faz para não piorar mais a saúde da terra?
Davi Kopenawa - Não faz nada.
Amazônia Real - O que os Xapiri dizem para vocês?
Davi Kopenawa - Xapiri está cuidando, mesmo sem Yanomami, sem Macuxi, sem Wapichana, sem Ye'kwana. Sem Xapiri, sem floresta, estamos mortos. Com Xapiri cuidando, estamos vivos, junto com a natureza, a água, a energia. Precisa ouvir. O homem da floresta está pedindo. Se não acreditar, vai continuar sofrendo. Não vai mudar, não.
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