De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

COP30: MPF detalha falha do hidrograma de Belo Monte e apresenta dados que comprovam colapso do Rio Xingu (PA)

17/11/2025

Fonte: MPF - https://www.mpf.mp.br



Em continuidade à série de eventos "Belo Monte em debate", promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) no estande da instituição na Zona Verde da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém (PA), um painel realizado na sexta-feira (14) aprofundou a discussão sobre o colapso ambiental causado pela hidrelétrica no Rio Xingu (PA).

Após um primeiro encontro, na quinta-feira, que expôs o cenário de ecocídio, o debate de sexta-feira focou no principal mecanismo causador do desastre: a falha do chamado "hidrograma de consenso".

A discussão teve como base as evidências coletadas pelo Monitoramento Ambiental Territorial Independente (Mati), uma iniciativa que une conhecimentos de povos indígenas e ribeirinhos com metodologia científica acadêmica.

Promessa quebrada - A operação de Belo Monte desvia a maior parte do fluxo do Rio Xingu por um canal artificial, deixando a Volta Grande com vazão reduzida. A procuradora da República Thaís Santi destacou que a autorização para esse desvio foi condicionada à implementação de um "hidrograma de consenso", um plano para garantir um fluxo mínimo de água.

"A empresa recebeu o poder de desviar a água, mas com o dever de garantir a vida no rio", explicou Santi, citando o conceito de "poder-dever" presente na ação do MPF. O hidrograma foi apresentado no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) como a principal medida mitigatória, prometendo tornar 25 impactos previstos "supostamente reversíveis". A proposta original consistia em alternar um ano de "severo estresse hídrico" com um de "recuperação ecossistêmica".

No entanto, já foi provado que as propostas da concessionária Norte Energia "são incapazes de garantir o pulso de inundação da Volta Grande do Xingu", apontou a procuradora da República. Como exemplo, em janeiro de 2023, 75% da água foi desviada para a usina, enquanto apenas 25% foi destinada à Volta Grande. "Belo Monte antecipa uma guerra do futuro em pleno século 21, em solo amazônico", declarou Santi.

Inovação na produção de provas - Diante do que Santi descreveu como uma "disputa de narrativas" e "dados produzidos pela empresa", surgiu o Mati. A iniciativa transformou o que antes era tratado como "percepção dos povos indígenas" - facilmente descartada pela empresa - em dados científicos sistematizados.

O pesquisador indígena coordenador do Mati, Josiel Juruna, conhecido como Diel Juruna, descreveu o trabalho como "monitorar a morte de um rio" e apresentou dados do colapso:

- Quebra do ciclo reprodutivo dos peixes: pulsos artificiais de água ("repiquete") enganam os peixes, causando mortalidade em massa. A curimatá, espécie-chave, foi registrada reabsorvendo suas próprias ovas por não conseguir desovar.

- Colapso da cadeia alimentar: a morte de florestas alagáveis (igapós) e da vegetação endêmica saroba eliminou a principal fonte de alimento de diversas espécies, que se alimentavam dos frutos que caíam na água. Agora, as frutas caem no chão seco.

- Surgimento de deformidades: o Mati registrou peixes com deformações nunca vistas, como a corvina com a coluna atrofiada.

"A Volta Grande está se tornando um local de ponto sem volta. Se a gente não tomar uma atitude, a gente vai perder todo um povo que mora naquela região", alertou o pesquisador.

Intensificação do conflito - Outro pesquisador do Mati, o professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) André Oliveira Sawakuchi, contextualizou o problema no cenário climático. Estudos baseados nos modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) indicam uma inequívoca tendência de redução de chuvas na bacia do Xingu. "No cenário mais pessimista, a bacia pode receber em 2100 quase metade da chuva que recebia no passado - dados que foram usados para projetar a viabilidade da usina", apontou.

A previsão para aproximadamente 2060 é de uma redução de até 30% da água a ser partilhada. "O estresse hídrico imposto pelo hidrograma atual já é muito maior do que qualquer cenário de mudança climática projetada", afirmou Sawakuchi. Nesse contexto, a proteção das nascentes, como as defendidas pela liderança Kayapó Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu, torna-se ainda mais crucial.

Mais impactos que reduções - "Os impactos locais regionais são muito mais severos do que qualquer ganho por redução de emissão", alertou Sawakuchi, ao discutir a percepção da energia hidrelétrica no Brasil como uma alternativa para a redução de gases de efeito estufa. Ele argumentou que, embora Belo Monte opere com um valor de emissão mais baixo (especialmente em comparação com termelétricas ou o caso emblemático da hidrelétrica de Balbina), há muita incerteza nisso, e usar a energia hidrelétrica para comercializar crédito de carbono não é recomendado.

Para ele, a gravidade dos impactos locais regionais - como a restrição hídrica severa na Volta Grande do Xingu, que é muito maior do que qualquer cenário projetado de mudança climática, e o dano aos ecossistemas de pedral, aquáticos e de floresta aluvial - torna o aspecto de redução de emissão um fator secundário.

Impacto político e judicial - O desastre socioambiental teve um impacto profundo, frisou o procurador regional da República Felício Pontes Jr. Ele destacou que a visibilidade dos efeitos da usina "quebrou o ciclo contínuo de planejamento e execução de grandes hidrelétricas pelo governo brasileiro". "E depois de Belo Monte nenhuma mais foi realizada", afirmou.

Com base nos dados do Mati, o MPF obteve uma decisão liminar em ação ajuizada em 2021, mas a decisão encontra-se atualmente suspensa. Ao final do painel, Pontes Jr. rebateu a percepção de que o debate estaria superado: "Não acabou Belo Monte e não vai acabar nunca. O desastre é tão grande que não vai acabar nunca."

https://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/cop30-mpf-detalha-falha-do-hidrograma-de-belo-monte-e-apresenta-dados-que-comprovam-colapso-do-rio-xingu-pa
 

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