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Adaptação: da negociação para o território

30/11/2025

Autor: Andreia Fanzeres; Dafne Spolti

Fonte: OPAN - https://amazonianativa.org.br/2025/11/30/adaptacao-da-negociacao-para-o-territorio/



Adaptação: da negociação para o território
Representantes de povos indígenas e quilombolas apresentam as motivações e estratégias para responder às mudanças climáticas alinhadas às discussões da COP 30.

Por Andreia Fanzeres e Dafne Spolti/OPAN
OPAN
Publicado em: 30/11/25

A sociedade civil pautou e os negociadores sabiam da responsabilidade de avançar de modo significativo no desenho de um arcabouço global para proteger territórios e vidas dos efeitos danosos do aquecimento global. A adaptação esteve mesmo no centro dos calorosos debates em Belém, que afinal viu serem selecionados 59 indicadores que devem balizar as ações para tornar a sociedade mais resiliente aos eventos extremos. Foram chamados de Indicadores de Adaptação de Belém, em que se destacaram o papel dos povos indígenas, das comunidades locais, crianças, juventudes e outros grupos na construção da resiliência climática.

Entre esses indicadores, ficou marcada a importância de planos de adaptação com respostas adequadas às questões de gênero, bem como processos de construção e implementação de políticas públicas baseados no conhecimento de povos indígenas e de comunidades locais. Para a Convenção do Clima, saber percentualmente que medidas de adaptação são focadas na conservação do patrimônio cultural sustentado por essas populações saiu como um indicador relevante das mesas de negociação.

A urgência por avanços no tema da adaptação climática motivou a realização de incontáveis encontros sobre o assunto em Belém. Aconteceram eventos de alto nível, como o que discutiu caminhos indígenas para adaptação climática numa mesa redonda conduzida pela enviada especial da Presidência da COP30, Sineia do Vale, que pressionou por mecanismos mais adequados para financiamento das iniciativas indígenas. E muitos outros nos pavilhões temáticos e dos países. Só na zona azul, foram 70 eventos paralelos: um deles, que focou nas contribuições e demandas de povos indígenas e comunidades tradicionais na gestão territorial, contou com a honrosa participação de Davi Kopenawa e uma constelação de figuras inspiradoras.
Davi Kopenawa. Foto: Dafne Spolti/OPAN

Na mesa "Soluções Territoriais para o Clima", realizada no dia 12 de novembro, o xamã yanomami tratou as mudanças climáticas como uma doença da Terra. "Quando está muita chuva, ou muito quente, eu também curo. Sou xamã. Sou defensor da grande alma da floresta onde nasci. Sou ligado com a grande natureza, cultura da terra, que é muito importante. Quem inventou isso, mudança climática, foram os americanos. Eles deviam explicar pra nós como eles criaram esse problema, essa doença, esse veneno. Pra mim, como yanomami, não estou achando bonito. Estragar não é bonito. De quem é a responsabilidade de tirar a doença em todas as comunidades? Daqui pra frente, vai chegar fome, e mudança climática significa empobrecer, doença, falta ar limpo. Sem a floresta nós vamos sofrer", discursou Kopenawa.

Katia Penha, a coordenadora nacional da Coordenação Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), defendeu que não há solução climática sem pensar nos territórios quilombolas titulados no Brasil. "Se a gente não trouxer soluções viáveis e cabíveis e só pensar no modelo de floresta de pé sem pessoas, não vai haver solução climática", enfatizou. Katia destacou o papel crucial da gestão sustentável das águas. "Os territórios quilombolas são barreiras contra o desmatamento, preservando corpos d'água e nascentes dos rios. É preciso também pensar soluções climáticas a partir da agricultura agroecológica. É a adaptação fortalecendo a gestão territorial", comentou.
Kátia Penha. Foto: Dafne Spolti/OPAN

"Ficamos preocupados com esse contexto global das mudanças climáticas e hoje percebemos isso no nosso território. Hoje trazemos nossa ferramenta porque precisamos que seja englobado dentro das políticas públicas e seja respeitada por toda a sociedade. Hoje a gente se preocupa, nossos alimentos não estão conseguindo passar as mudanças climáticas. Este ano não conseguimos coletar porque o calor não deixou segurar as águas", informou Cleide Terena.

Presidente da associação de mulheres Thutalinãnsu, da Terra Indígena Tirecatinga, Cleide ressaltou que estar na COP30 era um momento maravilhoso porque as mulheres devem estar presentes diante de uma discussão que as afeta diretamente. A seguir, explicou o que esteve por trás da atualização do Calendário Terra Indígena Tirecatinga, um instrumento inédito criado por elas em resposta às mudanças climáticas, lançado em outubro na aldeia Serra Azul, em uma publicação impressa e um material pedagógico para uso nas salas de aula.
Cleide Terena com o calendário ecológico da TI Tirecatinga. Foto: Dafne Spolti/OPAN

"A gente necessita de água para sobreviver, ar para respirar e terra para nos alimentar. Diante desses elementos, a gente traça estratégia e tem interação com a natureza. Então, dentro da organização de mulheres que está à frente dessa situação, a gente fez uma proposta de adaptação às mudanças climáticas", contou. Tudo começou numa conversa entre mulheres, quando se percebeu a dificuldade com o calor e seus efeitos sobre o plantio da roça. "Como vamos plantar a roça se a terra está queimando nossos produtos? A água seca, ou ela aumenta, nossas casas não estão adaptadas a sobrevier a essas situações. O nosso modo de vida não está preparado pra acompanhar isso", explicou Cleide.

Os impactos das mudanças climáticas se repetem em diferentes territórios dos povos indígenas. No Oiapoque, a pandemia das roças, como foi nomeada, prejudicou a produção das espécies de mandioca, afetando a disponibilidade do alimento e a geração de renda na produção de farinha. "Em 2020 a gente começou a viver uma crise onde a praga da vassoura de bruxa que, a priori, só dava no cacau, começou a atacar a grande variedade de mandioca que nós tínhamos e isso começou a afetar a gente de uma maneira extrema.

Devastou", conta Luene Karipuna, da Articulação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM), descrevendo que encontraram a solução a partir de oficinas com mulheres, mães que trabalhavam na roça e agentes ambientais indígenas, ao descobrirem que das 200 espécies mapeadas, duas sobreviviam à doença. As percepções sobre as mudanças do clima por povos indígenas do Oiapoque estão registradas no livro "Marcadores do Tempo", disponível aqui.
Luene Karipuna. Foto: Dafne Spolti/OPAN

No Xingu, as mudanças climáticas, que se somam à pressão do desmatamento, às queimadas, invasão madeireira e mineração, também estão sendo registradas e geridas pelos povos indígenas, conforme explicou Ewesh Yawalapiti Waurá, da Rede Xingu+. "Em 2024 nós tivemos mais de 4 milhões hectares queimados de todo esse corredor aqui. O tempo está cada vez mais quente. Por isso estamos procurando uma solução", explicou, apresentando o mapa de vulnerabilidades com escalas das situações mais críticas, como a dificuldade de navegabilidade em afluentes do rio Xingu, parte deles totalmente seco. Diante dessas alterações, a Rede Xingu+ está criando um fundo para disponibilizar às organizações indígenas visando a implementação de ações de adaptação às mudanças climáticas e enfrentamento de ameaças ao território.
Da esquerda para a direita: Cleide Terena, Ciro Brito, do ISA (mediador do evento), Luene Karipuna, Davi Kopenawa, Kátia Penha e Ewesh Yalapiti Wauará. Foto: Dafne Spolti/OPAN

O evento "Soluções Territoriais para o Clima" foi realizado em parceria pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Instituto Socioambiental (ISA) e Operação Amazônia Nativa (OPAN), com apoio da Rede Xingu+, Conaq, Associação Hutukara, Thutalinãnsu, Instituto de Pesquisa e Informação Indígena (IEPÉ) e AMIM. As falas podem ser assistidas na íntegra pelo YouTube da OPAN


https://amazonianativa.org.br/2025/11/30/adaptacao-da-negociacao-para-o-territorio/
 

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