De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Por que o PL da Devastação, agora Lei, destrói o licenciamento e institucionaliza o racismo ambiental
02/12/2025
Autor: Fernanda da Escóssia
Fonte: Sumaúma - https://sumauma.com/por-que-o-pl-da-devastacao-agora-lei-destroi-o-licenciamento-e-institu
Por que o PL da Devastação, agora Lei, destrói o licenciamento e institucionaliza o racismo ambiental
Em nove pontos, entenda o que pode acontecer com a Natureza e a sua vida a partir da legislação aprovada pelo Congresso mais predatório da história do Brasil
Fernanda da Escóssia, Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, Mata Atlântica
2 dezembro 2025
Aos amigos, tudo. Até aqui, parece ser este o mote da Lei do Licenciamento Ambiental (Lei no 15.190), cuja versão mais recente foi consolidada na última quinta-feira, 27, pelo Congresso após a derrubada de 56 vetos presidenciais. A agora Lei da Devastação tem dispositivos como a Licença por Adesão e Compromisso, que permite a concessão de licenças ambientais apenas com base numa declaração do responsável pelo empreendimento atestando que seu negócio está de acordo com as regras. Sem nenhum estudo ambiental. E a fiscalização acontece apenas por amostragem.
Tudo entre amigos.
Alguns dos pontos mais predatórios da nova lei tinham sido vetados pelo presidente Lula, mas acabaram ressuscitados na sessão em que parlamentares de vários partidos e grupos, unidos pela oposição ao governo, atacaram o Ibama e supostas tentativas de "frear o desenvolvimento" - uma ideia de "desenvolvimento" que parte da destruição da Floresta, em plena crise climática. Também abriram a porteira para fazer passar uma boiada de inconstitucionalidades e violações em territórios de povos tradicionais.
A seguir, alguns pontos que ajudam a entender por que a nova lei do licenciamento é uma derrota para o país e um ataque ao planeta. O Congresso discute ainda uma medida provisória enviada pelo governo federal criando a Licença Ambiental Especial (LAE), que acelera o licenciamento de empreendimentos considerados "estratégicos".
1 - Autolicenciamento ou Licença por Adesão e Compromisso (LAC): barragens de rejeitos como as de Mariana e Brumadinho agora não precisam sequer de análise ambiental e licença prévia
Ponto mais criticado da nova lei, a LAC havia sido barrada pelo presidente Lula. Esse dispositivo permite que o licenciamento seja concedido apenas com base na autodeclaração do responsável pelo empreendimento, sem estudo ambiental e sem análise prévia pela autoridade licenciadora. Antes, esse tipo de licença, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ficava restrito a empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental e de baixo risco. Agora, por decisão do Congresso, fica estendido a empreendimentos de médio impacto ambiental.
A LAC garantiria o licenciamento de obras como as das barragens de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais - classificadas como de médio impacto, mas que ao romper causaram tragédias: em Mariana morreram 19 pessoas e, em Brumadinho, 272. Esse tipo de autolicenciamento libera principalmente empreendimentos sob responsabilidade dos estados - as obras sob fiscalização do Ibama costumam ser maiores, com exigência de um relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) detalhado. Nos processos de responsabilidade dos estados, só cerca de 10% têm EIA-Rima, alerta Suely Araújo, do Observatório do Clima. Com isso, nessas obras, a LAC será concedida sem estudo ambiental algum - e a fiscalização acontecerá apenas por amostragem. O autolicenciamento ainda pode ser modificado pela medida provisória em discussão no Congresso - embora ela trate prioritariamente da LAE, a Licença Ambiental Especial.
2 - Territórios Indígenas e quilombolas impactados por obras como a da Usina de Belo Monte agora terão menos reconhecimento dos danos e reparações
Só serão avaliados impactos de projetos em Territórios Indígenas e quilombolas que estejam na Área de Influência Direta dos empreendimentos, sem considerar a Área de Influência Indireta. Até aqui, a legislação exigia que fossem considerados impactos diretos e indiretos associados a atividades poluidoras ou causadoras de degradação ambiental. Com o rompimento da barragem de Mariana, por exemplo, milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração foram lançados no Rio Doce. A lama desceu pelo curso do rio, percorrendo 600 quilômetros até a foz, no Espírito Santo. A poluição matou peixes, causou destruição pelo caminho e afetou territórios do povo Guarani no Espírito Santo - um caso explícito de impacto indireto, que não seria mais considerado.
O Congresso também reduziu a distância para que uma área seja considerada de influência direta de um projeto. Segundo Alice Dandara, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), no caso de uma ferrovia, o raio de influência direta cai de 10 para 8 quilômetros na Amazônia Legal, e de 5 para 3 quilômetros nas demais áreas; no de rodovias, o raio de influência direta cai de 40 quilômetros para 15 quilômetros na Amazônia Legal. E, no caso de usinas hidrelétricas com reservatório, como a de Belo Monte, o raio de influência direta cai de 40 para 30 quilômetros.
3 - Menos consulta aos órgãos federais: Territórios Indígenas não homologados e quilombos não titulados ficarão muito mais expostos a abusos
O Congresso reduziu a participação, nos processos de licenciamento, das chamadas "autoridades envolvidas", órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que não concedem as licenças, mas são ouvidos quando o caso envolve Territórios Indígenas e quilombolas. A partir de agora, fica permitido que esses órgãos sejam consultados apenas sobre projetos em Terras Indígenas já homologadas (última fase no processo de demarcação) e territórios quilombolas já titulados.
O problema é que o reconhecimento definitivo desses territórios costuma demorar anos - às vezes décadas. A homologação da TI Kaxuyana-Tunayana, anunciada na COP30, já vinha sendo negociada fazia mais de dez anos. As dez Terras Indígenas cujas portarias declaratórias foram anunciadas na Conferência de Belém não estão homologadas. O que significa que, de acordo com o Congresso, a Funai não precisaria ser ouvida sobre o licenciamento de projetos nessas áreas. Dois desses territórios, a TI Tupinambá de Olivença e a TI Comexatibá, ambas na Bahia, têm sido alvo do avanço de grileiros e traficantes de drogas. O processo de demarcação se arrasta há mais de dez anos.
Organizações socioambientais afirmam que este ponto da lei é inconstitucional, pelo fato de não reconhecer Territórios Indígenas ainda não homologados. "O STF já reconheceu que as Terras Indígenas são preexistentes a qualquer declaração ou ato demarcatório. O decreto que demarca é meramente declaratório. Então, não existe [possibilidade de] desconsiderar as Terras Indígenas que não estão em homologação. Elas têm que ser consideradas. Já é um ato de inconstitucionalidade direto", afirma a advogada do ISA.
Segundo ela, levantamento do ISA de abril deste ano - ainda antes do anúncio das demarcações anunciadas na COP, portanto - calculava que cerca de 30% dos Territórios Indígenas não eram homologados, e 80% dos territórios quilombolas não tinham titulação. Outro problema é que a consulta a esses órgãos não é "vinculada", ou seja, mesmo que o parecer das autoridades envolvidas seja contrário ao licenciamento, ele pode ser ignorado. Por fim, essas autoridades têm que se manifestar em 30 dias, prorrogáveis por mais 15 - prazo considerado muito curto para ir até o território, conhecer o caso e avaliar os impactos.
4 - Institucionalização do racismo ambiental ao invisibilizar comunidades tradicionais
Pelo decreto no 8.750 de 2016, o Brasil tem 29 povos e comunidades tradicionais reconhecidos, como indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e quebradeiras de coco babaçu, entre outros. Muitos desses grupos estão sendo ignorados. "A derrubada dos vetos acaba institucionalizando o racismo ambiental. Porque ignora completamente, em diversas camadas, as Terras Indígenas, os territórios quilombolas e os povos e comunidades tradicionais no país inteiro", analisa Alice Dandara, do ISA.
5 - Isenção de licença mesmo sem saber se o CAR não está sobreposto a área indígena, tradicional ou de conservação
Toda propriedade rural tem um CAR (Cadastro Ambiental Rural), um registro feito de modo autodeclaratório, ou seja, o proprietário informa ao estado que é dono de determinada área. Não é raro que sejam declaradas terras sobrepostas a áreas indígenas ou zonas de floresta. Por isso, o CAR precisa ser homologado, quer dizer, validado pelas autoridades responsáveis. Num acordo com o agronegócio, o Congresso isentou de licenciamento ambiental várias atividades (como pecuária e cultivo de espécies) em áreas onde o CAR ainda não está homologado. Na prática, o percentual de áreas com o CAR homologado é baixo, afirma Suely Araújo, do Observatório do Clima, e isentar atividades de licenciamento é uma forma de acelerar a ocupação dessas terras. "O CAR deveria estar validado, não é culpa dos proprietários rurais, é culpa dos governos estaduais. Mas isso não quer dizer que você tenha que estender benefícios como isenção de licença para quem ainda não tem a homologação. Você não sabe se o que está declarado é verdade", diz a especialista, ex-presidenta do Ibama.
6 - Asfaltamento em rodovias já existentes, como a BR-319
À primeira vista, parece um artigo inofensivo, pois diz que não estão sujeitos ao licenciamento ambiental "serviços e obras direcionados à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluídas rodovias anteriormente pavimentadas e dragagens de manutenção". A questão é que algumas dessas rodovias anteriormente pavimentadas cortam áreas que, na verdade, deveriam estar protegidas.
É o caso da BR-319, rodovia que liga Manaus a Porto Velho.
A estrada foi asfaltada, deteriorou-se e tem trechos intransitáveis. Numa região tomada por grilagem e crimes ambientais, o setor do agronegócio pressiona pelo reasfaltamento, mas dados do Ministério do Meio Ambiente mostram que desde o início de obras de manutenção da rodovia, em 2014, o desmatamento na região passou a subir de forma sistemática. A isenção de licenças para dragagens de manutenção também preocupa, pois dragagens são uma técnica constante para ampliar largura e profundidade de áreas navegáveis - com impacto direto na vida de lagos, mares, baías e rios.
7 - Redução da proteção à Mata Atlântica, o bioma mais destruído do país
Pela Constituição brasileira, a Mata Atlântica é patrimônio nacional e está, portanto, sob a guarda da União. A lei especial da Mata Atlântica estabelece, em seu artigo 14, uma dupla proteção a esse bioma. Até agora, para fazer qualquer alteração na chamada mata primária (enclaves originais da Mata Atlântica), além do licenciamento estadual, era preciso passar pelo crivo do Ibama. E, em áreas de mata em estágio médio inicial de regeneração, em que o licenciamento ficaria sob encargo do município, haveria uma segunda avaliação, agora de um órgão estadual.
Quando o PL da Devastação passou pelo Senado, foi incluído um artigo alterando o artigo 14 da Lei da Mata Atlântica para retirar essa dupla proteção. O presidente Lula vetou a alteração - mas o veto foi derrubado. Para Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, a mudança é inconstitucional, pois uma norma geral - a lei do licenciamento - não pode alterar uma lei especial, caso da Lei da Mata Atlântica. E as perspectivas com essa alteração, afirma, são as piores possíveis, pois a dupla proteção conseguiu deter o ritmo do desmatamento no bioma. "Antes da Lei da Mata Atlântica, o desmatamento vinha no ritmo de mais de 110 mil hectares por ano. Com a lei, esse índice de desmatamento anual caiu para cerca de 15 mil hectares", afirma.
Considerando áreas reflorestadas, a Mata Atlântica alcança hoje 24% do que um dia foi a floresta que percorria o território do Nordeste ao litoral sul. Em áreas primárias, restam apenas 12%. Se depender da decisão do Congresso, esse percentual em breve chegará a apenas um dígito.
8 - Cheque em branco para estados e municípios
O caso da Mata Atlântica é, para organizações socioambientais, um exemplo do que consideram uma delegação excessiva de atribuições para órgãos licenciadores estaduais e municipais. "A lei, com a redação que está agora, dá um cheque em branco para as principais definições normativas ficarem com quem está licenciando, sem o respaldo de uma norma geral. Com isso, ela exclui o poder normativo do Conselho Nacional do Meio Ambiente sobre licenciamento", critica Suely Araújo, do Observatório do Clima. Na prática, diz ela, serão 27 regras diferentes sobre licenciamento em cada unidade da federação.
9 - Bancos têm agora menos regras para liberar recursos e nenhuma responsabilização sobre danos ambientais
A nova lei reduz os controles para liberação de recursos e responsabilização de quem financia ou contrata um empreendimento sujeito a licenciamento ambiental - isso num quadro legal em que a própria concessão da licença seguirá trâmites menos rigorosos. O presidente Lula havia vetado este ponto, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. A lei diz ainda que os financiadores não serão responsabilizados por eventuais danos ambientais decorrentes do empreendimento. Assim, embora a Política Nacional do Meio Ambiente fale em responsabilidades solidárias na área ambiental, o Congresso retirou da nova lei essa figura, quando se trata das instituições financeiras.
Aos amigos, tudo e um pouco mais.
Reportagem e texto: Fernanda da Escóssia
Edição: Eliane Brum
Edição de arte: Cacao Sousa
Edição de fotografia: Soll
Checagem: Caroline Farah
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de redação: Eliane Brum
https://sumauma.com/por-que-o-pl-da-devastacao-agora-lei-destroi-o-licenciamento-e-institucionaliza-o-racismo-ambiental/
Em nove pontos, entenda o que pode acontecer com a Natureza e a sua vida a partir da legislação aprovada pelo Congresso mais predatório da história do Brasil
Fernanda da Escóssia, Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, Mata Atlântica
2 dezembro 2025
Aos amigos, tudo. Até aqui, parece ser este o mote da Lei do Licenciamento Ambiental (Lei no 15.190), cuja versão mais recente foi consolidada na última quinta-feira, 27, pelo Congresso após a derrubada de 56 vetos presidenciais. A agora Lei da Devastação tem dispositivos como a Licença por Adesão e Compromisso, que permite a concessão de licenças ambientais apenas com base numa declaração do responsável pelo empreendimento atestando que seu negócio está de acordo com as regras. Sem nenhum estudo ambiental. E a fiscalização acontece apenas por amostragem.
Tudo entre amigos.
Alguns dos pontos mais predatórios da nova lei tinham sido vetados pelo presidente Lula, mas acabaram ressuscitados na sessão em que parlamentares de vários partidos e grupos, unidos pela oposição ao governo, atacaram o Ibama e supostas tentativas de "frear o desenvolvimento" - uma ideia de "desenvolvimento" que parte da destruição da Floresta, em plena crise climática. Também abriram a porteira para fazer passar uma boiada de inconstitucionalidades e violações em territórios de povos tradicionais.
A seguir, alguns pontos que ajudam a entender por que a nova lei do licenciamento é uma derrota para o país e um ataque ao planeta. O Congresso discute ainda uma medida provisória enviada pelo governo federal criando a Licença Ambiental Especial (LAE), que acelera o licenciamento de empreendimentos considerados "estratégicos".
1 - Autolicenciamento ou Licença por Adesão e Compromisso (LAC): barragens de rejeitos como as de Mariana e Brumadinho agora não precisam sequer de análise ambiental e licença prévia
Ponto mais criticado da nova lei, a LAC havia sido barrada pelo presidente Lula. Esse dispositivo permite que o licenciamento seja concedido apenas com base na autodeclaração do responsável pelo empreendimento, sem estudo ambiental e sem análise prévia pela autoridade licenciadora. Antes, esse tipo de licença, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ficava restrito a empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental e de baixo risco. Agora, por decisão do Congresso, fica estendido a empreendimentos de médio impacto ambiental.
A LAC garantiria o licenciamento de obras como as das barragens de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais - classificadas como de médio impacto, mas que ao romper causaram tragédias: em Mariana morreram 19 pessoas e, em Brumadinho, 272. Esse tipo de autolicenciamento libera principalmente empreendimentos sob responsabilidade dos estados - as obras sob fiscalização do Ibama costumam ser maiores, com exigência de um relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) detalhado. Nos processos de responsabilidade dos estados, só cerca de 10% têm EIA-Rima, alerta Suely Araújo, do Observatório do Clima. Com isso, nessas obras, a LAC será concedida sem estudo ambiental algum - e a fiscalização acontecerá apenas por amostragem. O autolicenciamento ainda pode ser modificado pela medida provisória em discussão no Congresso - embora ela trate prioritariamente da LAE, a Licença Ambiental Especial.
2 - Territórios Indígenas e quilombolas impactados por obras como a da Usina de Belo Monte agora terão menos reconhecimento dos danos e reparações
Só serão avaliados impactos de projetos em Territórios Indígenas e quilombolas que estejam na Área de Influência Direta dos empreendimentos, sem considerar a Área de Influência Indireta. Até aqui, a legislação exigia que fossem considerados impactos diretos e indiretos associados a atividades poluidoras ou causadoras de degradação ambiental. Com o rompimento da barragem de Mariana, por exemplo, milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração foram lançados no Rio Doce. A lama desceu pelo curso do rio, percorrendo 600 quilômetros até a foz, no Espírito Santo. A poluição matou peixes, causou destruição pelo caminho e afetou territórios do povo Guarani no Espírito Santo - um caso explícito de impacto indireto, que não seria mais considerado.
O Congresso também reduziu a distância para que uma área seja considerada de influência direta de um projeto. Segundo Alice Dandara, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), no caso de uma ferrovia, o raio de influência direta cai de 10 para 8 quilômetros na Amazônia Legal, e de 5 para 3 quilômetros nas demais áreas; no de rodovias, o raio de influência direta cai de 40 quilômetros para 15 quilômetros na Amazônia Legal. E, no caso de usinas hidrelétricas com reservatório, como a de Belo Monte, o raio de influência direta cai de 40 para 30 quilômetros.
3 - Menos consulta aos órgãos federais: Territórios Indígenas não homologados e quilombos não titulados ficarão muito mais expostos a abusos
O Congresso reduziu a participação, nos processos de licenciamento, das chamadas "autoridades envolvidas", órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que não concedem as licenças, mas são ouvidos quando o caso envolve Territórios Indígenas e quilombolas. A partir de agora, fica permitido que esses órgãos sejam consultados apenas sobre projetos em Terras Indígenas já homologadas (última fase no processo de demarcação) e territórios quilombolas já titulados.
O problema é que o reconhecimento definitivo desses territórios costuma demorar anos - às vezes décadas. A homologação da TI Kaxuyana-Tunayana, anunciada na COP30, já vinha sendo negociada fazia mais de dez anos. As dez Terras Indígenas cujas portarias declaratórias foram anunciadas na Conferência de Belém não estão homologadas. O que significa que, de acordo com o Congresso, a Funai não precisaria ser ouvida sobre o licenciamento de projetos nessas áreas. Dois desses territórios, a TI Tupinambá de Olivença e a TI Comexatibá, ambas na Bahia, têm sido alvo do avanço de grileiros e traficantes de drogas. O processo de demarcação se arrasta há mais de dez anos.
Organizações socioambientais afirmam que este ponto da lei é inconstitucional, pelo fato de não reconhecer Territórios Indígenas ainda não homologados. "O STF já reconheceu que as Terras Indígenas são preexistentes a qualquer declaração ou ato demarcatório. O decreto que demarca é meramente declaratório. Então, não existe [possibilidade de] desconsiderar as Terras Indígenas que não estão em homologação. Elas têm que ser consideradas. Já é um ato de inconstitucionalidade direto", afirma a advogada do ISA.
Segundo ela, levantamento do ISA de abril deste ano - ainda antes do anúncio das demarcações anunciadas na COP, portanto - calculava que cerca de 30% dos Territórios Indígenas não eram homologados, e 80% dos territórios quilombolas não tinham titulação. Outro problema é que a consulta a esses órgãos não é "vinculada", ou seja, mesmo que o parecer das autoridades envolvidas seja contrário ao licenciamento, ele pode ser ignorado. Por fim, essas autoridades têm que se manifestar em 30 dias, prorrogáveis por mais 15 - prazo considerado muito curto para ir até o território, conhecer o caso e avaliar os impactos.
4 - Institucionalização do racismo ambiental ao invisibilizar comunidades tradicionais
Pelo decreto no 8.750 de 2016, o Brasil tem 29 povos e comunidades tradicionais reconhecidos, como indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e quebradeiras de coco babaçu, entre outros. Muitos desses grupos estão sendo ignorados. "A derrubada dos vetos acaba institucionalizando o racismo ambiental. Porque ignora completamente, em diversas camadas, as Terras Indígenas, os territórios quilombolas e os povos e comunidades tradicionais no país inteiro", analisa Alice Dandara, do ISA.
5 - Isenção de licença mesmo sem saber se o CAR não está sobreposto a área indígena, tradicional ou de conservação
Toda propriedade rural tem um CAR (Cadastro Ambiental Rural), um registro feito de modo autodeclaratório, ou seja, o proprietário informa ao estado que é dono de determinada área. Não é raro que sejam declaradas terras sobrepostas a áreas indígenas ou zonas de floresta. Por isso, o CAR precisa ser homologado, quer dizer, validado pelas autoridades responsáveis. Num acordo com o agronegócio, o Congresso isentou de licenciamento ambiental várias atividades (como pecuária e cultivo de espécies) em áreas onde o CAR ainda não está homologado. Na prática, o percentual de áreas com o CAR homologado é baixo, afirma Suely Araújo, do Observatório do Clima, e isentar atividades de licenciamento é uma forma de acelerar a ocupação dessas terras. "O CAR deveria estar validado, não é culpa dos proprietários rurais, é culpa dos governos estaduais. Mas isso não quer dizer que você tenha que estender benefícios como isenção de licença para quem ainda não tem a homologação. Você não sabe se o que está declarado é verdade", diz a especialista, ex-presidenta do Ibama.
6 - Asfaltamento em rodovias já existentes, como a BR-319
À primeira vista, parece um artigo inofensivo, pois diz que não estão sujeitos ao licenciamento ambiental "serviços e obras direcionados à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluídas rodovias anteriormente pavimentadas e dragagens de manutenção". A questão é que algumas dessas rodovias anteriormente pavimentadas cortam áreas que, na verdade, deveriam estar protegidas.
É o caso da BR-319, rodovia que liga Manaus a Porto Velho.
A estrada foi asfaltada, deteriorou-se e tem trechos intransitáveis. Numa região tomada por grilagem e crimes ambientais, o setor do agronegócio pressiona pelo reasfaltamento, mas dados do Ministério do Meio Ambiente mostram que desde o início de obras de manutenção da rodovia, em 2014, o desmatamento na região passou a subir de forma sistemática. A isenção de licenças para dragagens de manutenção também preocupa, pois dragagens são uma técnica constante para ampliar largura e profundidade de áreas navegáveis - com impacto direto na vida de lagos, mares, baías e rios.
7 - Redução da proteção à Mata Atlântica, o bioma mais destruído do país
Pela Constituição brasileira, a Mata Atlântica é patrimônio nacional e está, portanto, sob a guarda da União. A lei especial da Mata Atlântica estabelece, em seu artigo 14, uma dupla proteção a esse bioma. Até agora, para fazer qualquer alteração na chamada mata primária (enclaves originais da Mata Atlântica), além do licenciamento estadual, era preciso passar pelo crivo do Ibama. E, em áreas de mata em estágio médio inicial de regeneração, em que o licenciamento ficaria sob encargo do município, haveria uma segunda avaliação, agora de um órgão estadual.
Quando o PL da Devastação passou pelo Senado, foi incluído um artigo alterando o artigo 14 da Lei da Mata Atlântica para retirar essa dupla proteção. O presidente Lula vetou a alteração - mas o veto foi derrubado. Para Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, a mudança é inconstitucional, pois uma norma geral - a lei do licenciamento - não pode alterar uma lei especial, caso da Lei da Mata Atlântica. E as perspectivas com essa alteração, afirma, são as piores possíveis, pois a dupla proteção conseguiu deter o ritmo do desmatamento no bioma. "Antes da Lei da Mata Atlântica, o desmatamento vinha no ritmo de mais de 110 mil hectares por ano. Com a lei, esse índice de desmatamento anual caiu para cerca de 15 mil hectares", afirma.
Considerando áreas reflorestadas, a Mata Atlântica alcança hoje 24% do que um dia foi a floresta que percorria o território do Nordeste ao litoral sul. Em áreas primárias, restam apenas 12%. Se depender da decisão do Congresso, esse percentual em breve chegará a apenas um dígito.
8 - Cheque em branco para estados e municípios
O caso da Mata Atlântica é, para organizações socioambientais, um exemplo do que consideram uma delegação excessiva de atribuições para órgãos licenciadores estaduais e municipais. "A lei, com a redação que está agora, dá um cheque em branco para as principais definições normativas ficarem com quem está licenciando, sem o respaldo de uma norma geral. Com isso, ela exclui o poder normativo do Conselho Nacional do Meio Ambiente sobre licenciamento", critica Suely Araújo, do Observatório do Clima. Na prática, diz ela, serão 27 regras diferentes sobre licenciamento em cada unidade da federação.
9 - Bancos têm agora menos regras para liberar recursos e nenhuma responsabilização sobre danos ambientais
A nova lei reduz os controles para liberação de recursos e responsabilização de quem financia ou contrata um empreendimento sujeito a licenciamento ambiental - isso num quadro legal em que a própria concessão da licença seguirá trâmites menos rigorosos. O presidente Lula havia vetado este ponto, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. A lei diz ainda que os financiadores não serão responsabilizados por eventuais danos ambientais decorrentes do empreendimento. Assim, embora a Política Nacional do Meio Ambiente fale em responsabilidades solidárias na área ambiental, o Congresso retirou da nova lei essa figura, quando se trata das instituições financeiras.
Aos amigos, tudo e um pouco mais.
Reportagem e texto: Fernanda da Escóssia
Edição: Eliane Brum
Edição de arte: Cacao Sousa
Edição de fotografia: Soll
Checagem: Caroline Farah
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de redação: Eliane Brum
https://sumauma.com/por-que-o-pl-da-devastacao-agora-lei-destroi-o-licenciamento-e-institucionaliza-o-racismo-ambiental/
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