De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Tupiniquim
27/02/2005
Autor: DUBEUX, Ana
Fonte: CB, Opinião, p. 20
Tupiniquim
Ana Dubeux
Há pouco mais de trinta anos, o Brasil se surpreendeu com a coragem de um cacique xavante da aldeia de Namurucá, que levantou o seu povo contra fazendeiros que invadiam suas terras protegidos pela omissão de governantes, autoridades e órgãos criados para zelar pela coletividade e pelo bem-estar da população. Para defender sua gente, o cacique Mário Juruna não titubeou: cuidou de prender, à sua moda, os invasores e de exigir que o governo os expulsasse do local e demarcasse, finalmente, as terras indígenas. Ganhou fama e, o mais importante, mostrou que conquistas e avanços não se alcançam sem atitude e decisão política. Se estivesse vivo, o cacique que chamou a atenção do Brasil e do exterior mas morreu desencantado com a indiferença do homem branco e de seus governantes face a problemas cruciais que se arrastam há mais de quinhentos anos, abriria hoje o coro de revolta dos brasileiros que se comovem com a morte de crianças índias na aldeia Bororó, em Dourados (MS) e se indignam com a causa da tragédia: a fome.
Em um paradoxo perverso, a fome que mata as crianças da aldeia é a mesma que serve de trampolim para o sucesso dos discursos do presidente Lula nos encontros com chefes de Estado e personalidades mundiais, em encontros na Europa e outros continentes. Estampadas nos jornais, as fotos que revelam o estado de desnutrição das crianças bororos chocam pela brutalidade da não-assistência e do desamparo criminoso a que está submetida a nossa população indígena, e remetem de imediato a uma comparação inevitável com a imagem das crianças famintas de Biafra que viraram manchetes em todo o mundo e dos milhões de esquálidos judeus entregues ao horror do Holocausto.
Por uma ironia também perversa, a nossa Biafra tupiniquim se expõe ao país e ao mundo no momento em que o governo federal se vangloria de sucessos na economia. E apontam o enorme fosso que se cultiva entre o discurso e a ação, entre a promessa e o compromisso, nessas terras que a todos encantam pela beleza e fertilidade desde que Cabral aqui aportou. Deixar crianças indígenas morrerem de fome no país do Fome Zero, da Funai - órgão que existe exclusivamente para tratar da questão indígena -, do Ministério da Saúde, da Constituição de 1988, e de tantos ministérios, órgãos e recursos criados especialmente para cuidar do brasileiro, é um crime inominável, que não se pode deixar passar em branco. Para que não nos reste só a vergonha.
CB, 27/02/2005, Opinião, p. 20
Ana Dubeux
Há pouco mais de trinta anos, o Brasil se surpreendeu com a coragem de um cacique xavante da aldeia de Namurucá, que levantou o seu povo contra fazendeiros que invadiam suas terras protegidos pela omissão de governantes, autoridades e órgãos criados para zelar pela coletividade e pelo bem-estar da população. Para defender sua gente, o cacique Mário Juruna não titubeou: cuidou de prender, à sua moda, os invasores e de exigir que o governo os expulsasse do local e demarcasse, finalmente, as terras indígenas. Ganhou fama e, o mais importante, mostrou que conquistas e avanços não se alcançam sem atitude e decisão política. Se estivesse vivo, o cacique que chamou a atenção do Brasil e do exterior mas morreu desencantado com a indiferença do homem branco e de seus governantes face a problemas cruciais que se arrastam há mais de quinhentos anos, abriria hoje o coro de revolta dos brasileiros que se comovem com a morte de crianças índias na aldeia Bororó, em Dourados (MS) e se indignam com a causa da tragédia: a fome.
Em um paradoxo perverso, a fome que mata as crianças da aldeia é a mesma que serve de trampolim para o sucesso dos discursos do presidente Lula nos encontros com chefes de Estado e personalidades mundiais, em encontros na Europa e outros continentes. Estampadas nos jornais, as fotos que revelam o estado de desnutrição das crianças bororos chocam pela brutalidade da não-assistência e do desamparo criminoso a que está submetida a nossa população indígena, e remetem de imediato a uma comparação inevitável com a imagem das crianças famintas de Biafra que viraram manchetes em todo o mundo e dos milhões de esquálidos judeus entregues ao horror do Holocausto.
Por uma ironia também perversa, a nossa Biafra tupiniquim se expõe ao país e ao mundo no momento em que o governo federal se vangloria de sucessos na economia. E apontam o enorme fosso que se cultiva entre o discurso e a ação, entre a promessa e o compromisso, nessas terras que a todos encantam pela beleza e fertilidade desde que Cabral aqui aportou. Deixar crianças indígenas morrerem de fome no país do Fome Zero, da Funai - órgão que existe exclusivamente para tratar da questão indígena -, do Ministério da Saúde, da Constituição de 1988, e de tantos ministérios, órgãos e recursos criados especialmente para cuidar do brasileiro, é um crime inominável, que não se pode deixar passar em branco. Para que não nos reste só a vergonha.
CB, 27/02/2005, Opinião, p. 20
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