De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Ianomâmi
29/05/2002
Autor: Eliane Azevedo
Fonte: Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
Acervo de fotógrafa que dedicou sua vida aos índios conta 30 anos de cotidiano na floresta
Uma das fotos de Claudia Andujar: "Entre eles eu poderia encontrar a minha identidade"
Sim, ela fotografa índios. Mas isto não tem nada a ver com aqueles chatíssimos registros com cara de Brasil Grande ou de folclore para gringo ver. A suíça naturalizada brasileira Claudia Andujar, aos 70 anos, é autora de uma obra ímpar sobre a até hoje remota comunidade dos ianomâmi - um retrato que, produzido em 30 anos de convivência com o povo em suas terras na inóspita fronteira com a Venezuela, resultou único em sua amplitude e comovente beleza. Algumas fotos suas freqüentam coleções ilustres, como a do MoMA de Nova York e a do Museu de Arte de Amsterdã. Agora, este grande acervo por ela reunido - milhares de negativos que Claudia nem sabe quantificar - está à procura de um lar seguro.
Boa parte do arquivo permanece inédito. O material está guardado na casa de Claudia, em São Paulo, mas, preocupada com a conservação dos negativos, ela vem conversando com especialistas para definir que rumo dar à sua coleção. Uma das possibilidades é a de abrigar o arquivo no Instituto Moreira Salles, no Rio, reconhecido na área pela qualidade técnica de seu trabalho de conservação e preservação da memória fotográfica. ''Minha principal condição é a de que o arquivo fique à disposição dos ianomâmi. Eu tenho, afinal, uma parte da história deles'', diz ela.
A biografia de Claudia Andujar avaliza a declaração que, na boca de uns e outros, poderia ser apenas retórica. Ela chegou ao Brasil em 1956 e, apesar de ter cursado Ciências Humanas em Nova York, onde morava, começou a trabalhar como fotógrafa. Foi numa viagem à Amazônia pela revista Realidade, um marco da imprensa brasileira no final dos anos 60, que ela conheceu os ianomâmi - e, em 1971, largou marido (o também fotógrafo George Love), casa e emprego para morar com os índios e fotografá-los para um ensaio financiado pela Fundação John Simon Guggenheim.
Coisa de riponga? Aos 40 anos, muito bonita e dona de um currículo invejável, Claudia não fazia o gênero maluco-beleza. Mas trazia uma angústia nunca superada. Quando criança, vivia na Hungria e viu seu pai, tios e primos - todos judeus - serem levados para um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, de onde jamais voltaram. A nacionalidade suíça e a mãe protestante, divorciada do marido naqueles tempos, a protegeram de seguir o mesmo destino. O encontro com os frágeis ianomâmi, tão indefesos diante de poderosos inimigos como os governantes e suas obras rasgando a Amazônia, e a cobiça dos garimpeiros, tornou-se para ela - sabe-se lá por qual insondável mecanismo da alma - a chance de salvar um povo que a menina Claudia não pôde ter na distante Hungria.
''Senti que com os ianomâmi eu poderia encontrar a minha própria identidade e tentar dar para eles o que não consegui dar para a minha família: vida'', conta ela, o sotaque disfarçando a emoção na voz. Durante o primeiro ano com a tribo - ela e dois missionários como os únicos representantes da ''civilização'' no meio da selva e da malária -, Claudia jogou no lixo todas as suas fotos. Só quando se ligou afetivamente aos índios, incorporada e feliz, é que ela produziu o material que consta dos livros Yanomami em frente do eterno (1978), Mitopoemas (1979) e Yanomami (1998).
São fotos inesquecíveis, como a série de retratos dos índios com a floresta entranhada em seus corpos, numa exuberante tradução da filosofia do povo. Ou a lindíssima fotografia de uma criança ianomâmi, no meio da oca vazia, banhada em luz - seus traços difusos pela luminosidade num quê de incorpóreo e celestial. O que há de principal nesse material está presente no livro editado apenas há quatro anos (os dois primeiros têm cerca de 20 fotos cada, enquanto o mais recente traz 90 imagens), por motivos tão peculiares quanto a história de Claudia.
Em 1976, ela foi expulsa da área ianomâmi pelo governo e enquadrada na Lei de Segurança Nacional. Indignada, tomou para si a causa do povo, um dos mais isolados e, por isso, mais preservados em sua cultura dentre as comunidades indígenas da Amazônia. Ela presidiu a Comissão Pró-Ianomâmi de 1979 até 1992, quando o então presidente Fernando Collor homologou a lei demarcando a reserva da tribo. Durante esses 13 anos, embora continuasse a retratar os índios quando ia para a comunidade passar temporadas, deixou em segundo plano o trabalho como fotógrafa. ''Minha visão dos ianomâmi é afetiva. Senti que isso não cabia no mundo da política, nem no mundo científico. E militar em nome deles era uma continuação do meu caminho'', sintetiza
Uma das fotos de Claudia Andujar: "Entre eles eu poderia encontrar a minha identidade"
Sim, ela fotografa índios. Mas isto não tem nada a ver com aqueles chatíssimos registros com cara de Brasil Grande ou de folclore para gringo ver. A suíça naturalizada brasileira Claudia Andujar, aos 70 anos, é autora de uma obra ímpar sobre a até hoje remota comunidade dos ianomâmi - um retrato que, produzido em 30 anos de convivência com o povo em suas terras na inóspita fronteira com a Venezuela, resultou único em sua amplitude e comovente beleza. Algumas fotos suas freqüentam coleções ilustres, como a do MoMA de Nova York e a do Museu de Arte de Amsterdã. Agora, este grande acervo por ela reunido - milhares de negativos que Claudia nem sabe quantificar - está à procura de um lar seguro.
Boa parte do arquivo permanece inédito. O material está guardado na casa de Claudia, em São Paulo, mas, preocupada com a conservação dos negativos, ela vem conversando com especialistas para definir que rumo dar à sua coleção. Uma das possibilidades é a de abrigar o arquivo no Instituto Moreira Salles, no Rio, reconhecido na área pela qualidade técnica de seu trabalho de conservação e preservação da memória fotográfica. ''Minha principal condição é a de que o arquivo fique à disposição dos ianomâmi. Eu tenho, afinal, uma parte da história deles'', diz ela.
A biografia de Claudia Andujar avaliza a declaração que, na boca de uns e outros, poderia ser apenas retórica. Ela chegou ao Brasil em 1956 e, apesar de ter cursado Ciências Humanas em Nova York, onde morava, começou a trabalhar como fotógrafa. Foi numa viagem à Amazônia pela revista Realidade, um marco da imprensa brasileira no final dos anos 60, que ela conheceu os ianomâmi - e, em 1971, largou marido (o também fotógrafo George Love), casa e emprego para morar com os índios e fotografá-los para um ensaio financiado pela Fundação John Simon Guggenheim.
Coisa de riponga? Aos 40 anos, muito bonita e dona de um currículo invejável, Claudia não fazia o gênero maluco-beleza. Mas trazia uma angústia nunca superada. Quando criança, vivia na Hungria e viu seu pai, tios e primos - todos judeus - serem levados para um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, de onde jamais voltaram. A nacionalidade suíça e a mãe protestante, divorciada do marido naqueles tempos, a protegeram de seguir o mesmo destino. O encontro com os frágeis ianomâmi, tão indefesos diante de poderosos inimigos como os governantes e suas obras rasgando a Amazônia, e a cobiça dos garimpeiros, tornou-se para ela - sabe-se lá por qual insondável mecanismo da alma - a chance de salvar um povo que a menina Claudia não pôde ter na distante Hungria.
''Senti que com os ianomâmi eu poderia encontrar a minha própria identidade e tentar dar para eles o que não consegui dar para a minha família: vida'', conta ela, o sotaque disfarçando a emoção na voz. Durante o primeiro ano com a tribo - ela e dois missionários como os únicos representantes da ''civilização'' no meio da selva e da malária -, Claudia jogou no lixo todas as suas fotos. Só quando se ligou afetivamente aos índios, incorporada e feliz, é que ela produziu o material que consta dos livros Yanomami em frente do eterno (1978), Mitopoemas (1979) e Yanomami (1998).
São fotos inesquecíveis, como a série de retratos dos índios com a floresta entranhada em seus corpos, numa exuberante tradução da filosofia do povo. Ou a lindíssima fotografia de uma criança ianomâmi, no meio da oca vazia, banhada em luz - seus traços difusos pela luminosidade num quê de incorpóreo e celestial. O que há de principal nesse material está presente no livro editado apenas há quatro anos (os dois primeiros têm cerca de 20 fotos cada, enquanto o mais recente traz 90 imagens), por motivos tão peculiares quanto a história de Claudia.
Em 1976, ela foi expulsa da área ianomâmi pelo governo e enquadrada na Lei de Segurança Nacional. Indignada, tomou para si a causa do povo, um dos mais isolados e, por isso, mais preservados em sua cultura dentre as comunidades indígenas da Amazônia. Ela presidiu a Comissão Pró-Ianomâmi de 1979 até 1992, quando o então presidente Fernando Collor homologou a lei demarcando a reserva da tribo. Durante esses 13 anos, embora continuasse a retratar os índios quando ia para a comunidade passar temporadas, deixou em segundo plano o trabalho como fotógrafa. ''Minha visão dos ianomâmi é afetiva. Senti que isso não cabia no mundo da política, nem no mundo científico. E militar em nome deles era uma continuação do meu caminho'', sintetiza
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