De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Mata adentro, rumo ao Pico da Neblina

20/10/2002

Autor: SILVANA GUAIUME

Fonte: Estado de S. Paulo-São Paulo-SP



Grupo de sete amigos vai desbravar a Amazônia, numa odisséia de 18 dias


- Serão muitos dias de caminhada na mata mais densa do planeta, sob temperaturas que podem variar de 42 graus durante o dia a pouco mais que zero grau à noite. Nas costas, os 25 quilos da mochila com equipamentos e sob os pés a sensação causada pelo movimento de insetos, centenas deles, venenosos ou não. Na maior parte do trajeto, dormir, só em rede, para evitar ataques de animais - cobras principalmente.

No trajeto há apenas aldeias indígenas. Refeições serão sempre à base de arroz, feijão, macarrão, alimentos desidratados e, claro, os peixes da região. Água tratada, sim, com aplicação de cloro ou carvão nos cantis, e banho em riachos gelados, que despencam, às vezes, por mais de 100 metros.

O que para muitos seria o roteiro da tortura, para um grupo de sete homens de Campinas, a 90 quilômetros de São Paulo, é pura aventura, quase uma diversão. Profissionais ortodoxos, três médicos ortopedistas, um anestesista, um fotógrafo, um economista e um professor de educação física, com idades entre 37 e 50 anos, se preparam para uma viagem de 18 dias, em diferentes meios de transporte, que os levará ao cume dos picos da Neblina e 31 de Março, próximo às fronteiras com Venezuela e Colômbia.


Índios - Durante a viagem os médicos farão uma pausa para oferecer atendimento profissional aos moradores de uma aldeia indígena da nação ianomâmi e arriscarão produzir uma amostra, com rigorosa metodologia científica, de exames ortopédicos nunca antes descritos na literatura médica dedicada ao grupo étnico.

A expedição vem sendo organizada há sete meses. Ainda assim, certas pendências burocráticas só foram resolvidas 15 dias antes da partida, marcada para o próximo dia 31. Depois de meses de espera, a autorização para a visita à aldeia ianomâmi foi obtida junto à Funai somente na tarde da terça-feira, dia 15.

O ortopedista Ricardo Affonso Ferreira organizou os roteiros e fez os contatos necessários para garantir a segurança da aventura. Convenceu os primos Martin Affonso Ferreira e Henrique Affonso Ferreira, mais os amigos Patrick de Naday, Eurico Campos e Jorge Abud, companheiros de outras viagens, a acompanhá-lo. O neozelandês Gordon Hawie vai juntar-se ao grupo em Manaus.

Os campineiros seguem de avião até a capital do Amazonas. De lá, continuam de carro até a cidade de São Gabriel da Cachoeira, a 80 metros de altitude, onde começa a trilha principal. Depois são mais 90 quilômetros de carro em uma estrada úmida, marcada por atoleiros, até Igarapé do Iazinho. Seguem-se pelo menos três dias pelos rios da região, em botes motorizados.

Antes da escalada do Pico da Neblina, o grupo pára na aldeia dos ianomâmis, onde pretende passar quatro dias fazendo consultas médicas e distribuindo remédios. Ricardo conseguiu uma doação da indústria de medicamentos genéricos Medley de acordo com a lista dos principais medicamentos que os índios necessitam preparada por uma Organização Não Governamental (Ong), a Uhiri, de Roraima. Segundo o ortopedista, a lista inclui remédios contra tuberculose, infecções por fungos, antibióticos, antiinflamatórios e antitérmicos.


Levantamento - Os três ortopedistas do grupo farão a avaliação óssea dos índios da aldeia para verificar a ocorrência de luxação congênita de quadris, pé torto congênito, escoliose e encurtamento de braços e pernas. É a primeira vez que esse tipo de levantamento é feito numa comunidade ianomâmi, caracterizada pelo isolamento e consangüinidade. A aldeia que os aventureiros irão visitar tem cerca de mil moradores, pequena parcela do grupo étnico estimado em 40 mil índios.

O grupo segue rumo aos picos da Neblina e ao vizinho 31 de Março, viajando três dias a bordo de uma pequena frota de lanchas "voadeiras", um barco estreito, longo e veloz, próprio para os rios pesados da Amazônia. É a parte mais difícil da viagem: sete horas de caminhada até Bebedouro Novo, outras oito horas para chegar à base do Pico da Neblina e no mínimo mais sete horas de escalada para, finalmente, alcançar o ponto mais alto do Brasil, a 3.014 metros de altitude.


Cuidados - A mochila que cada integrante vai levar terá, além de cantil e alimentos secos, equipamentos de alpinismo, camping, rede com mosquiteiro, filtro solar, repelente, lanterna e estojo de primeiros socorros, com medicação para malária. Os expedicionários sairão de Campinas vacinados contra febre amarela, tétano e hepatite. Segundo Naday, o principal temor não é o improvável ataque de um animal feroz. "Uma lesão acidental - torcedura de pé, por exemplo - pode adquirir dimensões inesperadamente sérias se ocorrer em meio à escalada", diz.

Outra ameaça é representada pelos insetos amazônicos, como a formiga-de-fogo que ataca em grupos e destrói tudo o que encontra pelo caminho. Nesse caso a proteção é a rede de dormir, fixada sempre a 1,5 metro do chão e isolada por anéis inseticidas.

Os equipamentos secundários de segurança incluem itens mais prosaicos, como mapas, bússolas e apitos, para permitir o resgate pelo som de um eventual extraviado. A bagagem de acessórios também tem equipamentos muito modernos, como o Grounde Position System (GPS), sistema localização em terra, por satélite, com precisão na escala de centímetros.

Segundo Ricardo, "além de todos esses cuidados, é preciso guardar na cabeça duas regras básicas: é proibido brigar e reclamar; é obrigatório cooperar e ter bom humor."
 

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