De Povos Indígenas no Brasil
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Estados tentam evitar distorção em crédito de carbono
05/09/2024
Fonte: Valor Econômico - https://valor.globo.com/
Estados tentam evitar distorção em crédito de carbono
Diante da falta de regulação, casos de greenwashing e violações a direitos de comunidades tradicionais, projetos locais aprimoram sistemas próprios de controle
Cecília França
05/09/2024
A maior floresta tropical do mundo atrai atores do mercado de crédito de carbono em busca de oportunidades, mas na ausência de uma regulação federal, a região tem sido alvo de "grilagem verde" pelos chamados "caubóis do carbono" - como se viu na Operação Greenwashing, com a qual a Polícia Federal desmantelou quadrilha responsável pela venda de R$ 180 milhões em créditos de carbono de áreas da União invadidas ilegalmente - e de violações de direitos de comunidades tradicionais.
O Projeto de Lei 182/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), segue em discussão no Senado. O Ministério da Fazenda aguarda a aprovação do texto, com sanções adicionais para a prática de ilegalidades no mercado voluntário, para setembro. "Minha maior preocupação com o que se convencionou chamar de 'caubóis do carbono' é desacreditarem um mercado que precisa ser estruturado de forma correta. Ao não existir uma legislação, começamos a ver todo tipo de oportunista fazendo projeto em unidade de conservação ou em reserva legal", diz André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Neste cenário, Estados da Amazônia trabalham em legislações próprias para a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação de florestas, o chamado REDD+ jurisdicional. Pioneiro na criação de um Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (SISA), em 2009, o Acre foi o primeiro Estado a integrar o Programa REDD Early Movers (REM), mantido com recursos do banco estatal alemão KfW. Apenas no primeiro ciclo, de 2012 a 2018, recebeu € 25 milhões, valor equivalente a reduções de emissões de 6,572 milhões de toneladas de CO2. No momento, segundo a secretária estadual de Meio Ambiente, Julie Messias, o Acre estuda como abrigar projetos voluntários no arcabouço legal.
O aninhamento desses projetos também é pauta do Grupo de Monitoramento, Reporte e Verificação em REDD+ Jurisdicional (GT-MRV) dos Estados da Amazônia Legal, hoje liderado pelo Tocantins. O objetivo é evitar distorções entre projetos privados e públicos, como dupla contabilidade do carbono. "O Estado precisa ter ciência das metodologias, caso contrário, podemos ter créditos superestimados, de um lado ou de outro", diz a superintendente de Gestão de Políticas Públicas da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Marli Santos.
Não só o greenwashing têm gerado controvérsias na região. Após conceder 21 áreas de conservação à iniciativa privada - uma com sobreposição de quatro Terras Indígenas -, o governo do Amazonas acabou interpelado pelo Ministério Público Federal (MPF), motivado por ação da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), e precisou suspender os processos. Os povos tradicionais dizem não ter participado da formulação dos projetos, enquanto a Secretaria Estadual de Meio Ambiente diz que as consultas aconteceriam na sequência, antes da assinatura dos contratos.
Segundo o secretário Eduardo Taveira, a pasta dialoga com o MPF na tentativa de reverter a suspensão e acredita que a estratégia é a mais promissora para o Estado. "As empresas são remuneradas com 15% para pagar custos; do restante, 85%, metade vai direto para a implementação na comunidade e a outra metade para o Fundo Estadual de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais", afirma.
No documento enviado ao MPF, a Apiam afirma que "os pesquisadores defendem que, em vez de destinar dinheiro à aquisição de créditos de carbono, esses recursos estarão mais bem investidos em projetos de conservação de florestas tocados por comunidades tradicionais e indígenas".
"Há muitos casos de violações aos direitos de povos e territórios indígenas e tradicionais envolvendo assédios de projetos de carbono em toda Amazônia", afirmou, à reportagem, o MPF. Darlene Braga, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Estado do Acre, diz que muitos projetos de REDD+ no mercado voluntário fomentam conflitos agrários por retirarem a soberania de comunidades extrativistas onde atuam.
Além destes fatores, empresas e governos precisam ter em mente que esse mercado é temporário, alerta Eufran Amaral, da Embrapa Acre, uma vez que a meta do Brasil é chegar a desmatamento zero, enquanto o REDD+ trata de desmatamento evitado. "Não podemos colocar os projetos de carbono como salvadores da pátria. Se não estiverem integrados a estratégias de desenvolvimento, vão servir a poucos", afirma. Segundo ele, o avanço precisa ser com reflorestamento produtivo, com sistemas agroflorestais que sequestram CO2. "E isso tem que estar integrado a uma estratégia de desenvolvimento dos Estados e do país", defende.
Para André Guimarães, do Ipam, se daqui a 20 anos ainda estivermos falando de mercado de carbono, já teremos perdido a guerra de combate às mudanças climáticas. "Ele vai funcionar até que a economia global esteja adaptada a um novo cenário econômico, com redução e até chegarmos a zero emissões ou emissões negativas, que é o compromisso do Acordo de Paris."
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/amazonia/noticia/2024/09/05/estados-tentam-evitar-distorcao-em-credito-de-carbono.ghtml
Diante da falta de regulação, casos de greenwashing e violações a direitos de comunidades tradicionais, projetos locais aprimoram sistemas próprios de controle
Cecília França
05/09/2024
A maior floresta tropical do mundo atrai atores do mercado de crédito de carbono em busca de oportunidades, mas na ausência de uma regulação federal, a região tem sido alvo de "grilagem verde" pelos chamados "caubóis do carbono" - como se viu na Operação Greenwashing, com a qual a Polícia Federal desmantelou quadrilha responsável pela venda de R$ 180 milhões em créditos de carbono de áreas da União invadidas ilegalmente - e de violações de direitos de comunidades tradicionais.
O Projeto de Lei 182/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), segue em discussão no Senado. O Ministério da Fazenda aguarda a aprovação do texto, com sanções adicionais para a prática de ilegalidades no mercado voluntário, para setembro. "Minha maior preocupação com o que se convencionou chamar de 'caubóis do carbono' é desacreditarem um mercado que precisa ser estruturado de forma correta. Ao não existir uma legislação, começamos a ver todo tipo de oportunista fazendo projeto em unidade de conservação ou em reserva legal", diz André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Neste cenário, Estados da Amazônia trabalham em legislações próprias para a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação de florestas, o chamado REDD+ jurisdicional. Pioneiro na criação de um Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (SISA), em 2009, o Acre foi o primeiro Estado a integrar o Programa REDD Early Movers (REM), mantido com recursos do banco estatal alemão KfW. Apenas no primeiro ciclo, de 2012 a 2018, recebeu € 25 milhões, valor equivalente a reduções de emissões de 6,572 milhões de toneladas de CO2. No momento, segundo a secretária estadual de Meio Ambiente, Julie Messias, o Acre estuda como abrigar projetos voluntários no arcabouço legal.
O aninhamento desses projetos também é pauta do Grupo de Monitoramento, Reporte e Verificação em REDD+ Jurisdicional (GT-MRV) dos Estados da Amazônia Legal, hoje liderado pelo Tocantins. O objetivo é evitar distorções entre projetos privados e públicos, como dupla contabilidade do carbono. "O Estado precisa ter ciência das metodologias, caso contrário, podemos ter créditos superestimados, de um lado ou de outro", diz a superintendente de Gestão de Políticas Públicas da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Marli Santos.
Não só o greenwashing têm gerado controvérsias na região. Após conceder 21 áreas de conservação à iniciativa privada - uma com sobreposição de quatro Terras Indígenas -, o governo do Amazonas acabou interpelado pelo Ministério Público Federal (MPF), motivado por ação da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), e precisou suspender os processos. Os povos tradicionais dizem não ter participado da formulação dos projetos, enquanto a Secretaria Estadual de Meio Ambiente diz que as consultas aconteceriam na sequência, antes da assinatura dos contratos.
Segundo o secretário Eduardo Taveira, a pasta dialoga com o MPF na tentativa de reverter a suspensão e acredita que a estratégia é a mais promissora para o Estado. "As empresas são remuneradas com 15% para pagar custos; do restante, 85%, metade vai direto para a implementação na comunidade e a outra metade para o Fundo Estadual de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais", afirma.
No documento enviado ao MPF, a Apiam afirma que "os pesquisadores defendem que, em vez de destinar dinheiro à aquisição de créditos de carbono, esses recursos estarão mais bem investidos em projetos de conservação de florestas tocados por comunidades tradicionais e indígenas".
"Há muitos casos de violações aos direitos de povos e territórios indígenas e tradicionais envolvendo assédios de projetos de carbono em toda Amazônia", afirmou, à reportagem, o MPF. Darlene Braga, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Estado do Acre, diz que muitos projetos de REDD+ no mercado voluntário fomentam conflitos agrários por retirarem a soberania de comunidades extrativistas onde atuam.
Além destes fatores, empresas e governos precisam ter em mente que esse mercado é temporário, alerta Eufran Amaral, da Embrapa Acre, uma vez que a meta do Brasil é chegar a desmatamento zero, enquanto o REDD+ trata de desmatamento evitado. "Não podemos colocar os projetos de carbono como salvadores da pátria. Se não estiverem integrados a estratégias de desenvolvimento, vão servir a poucos", afirma. Segundo ele, o avanço precisa ser com reflorestamento produtivo, com sistemas agroflorestais que sequestram CO2. "E isso tem que estar integrado a uma estratégia de desenvolvimento dos Estados e do país", defende.
Para André Guimarães, do Ipam, se daqui a 20 anos ainda estivermos falando de mercado de carbono, já teremos perdido a guerra de combate às mudanças climáticas. "Ele vai funcionar até que a economia global esteja adaptada a um novo cenário econômico, com redução e até chegarmos a zero emissões ou emissões negativas, que é o compromisso do Acordo de Paris."
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/amazonia/noticia/2024/09/05/estados-tentam-evitar-distorcao-em-credito-de-carbono.ghtml
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