De Povos Indígenas no Brasil
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Mapeamento do garimpo ilegal mostra relações da atividade criminosa com violações de direitos humanos
28/06/2025
Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/
Mapeamento do garimpo ilegal mostra relações da atividade criminosa com violações de direitos humanos
Prática criminosa no campo da mineração está no centro de uma cadeia de exploração sexual, tráfico de pessoas, trabalho análogo ao escravo e violência sistemática contra povos indígenas e trabalhadores migrantes
Luis Felipe Azevedo e Lucas Altino
28/06/2025
Parte da história colonial brasileira, o garimpo ilegal tem consequências que vão além da destruição ambiental na Amazônia. A prática criminosa no campo da mineração está no centro de uma cadeia de violações de direitos humanos, exploração sexual, tráfico de pessoas, trabalho análogo ao escravo e violência sistemática contra povos indígenas e trabalhadores migrantes. É o que mostra um novo estudo da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), em parceria com o Instituto Conviva.
O mapeamento dos impactos da mineração ilegal no bioma foi feito com base em dados coletados entre 2022 e 2024 por meio de entrevistas, grupos focais e análises institucionais. Foram identificados 309 casos de pessoas em situação de tráfico humano - dentro deste grupo, 57% são mulheres migrantes e 78% brasileiras. Os pesquisadores destacam que o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual "sustenta um mercado altamente lucrativo em meio à ausência do Estado".
O relatório aponta que as circulações internas e internacionais na Amazônia colocam em risco pessoas em situação de vulnerabilidade social: "A falta de emprego e de renda empurram as pessoas para o garimpo, que se configura como um espaço de exploração do trabalho análogo ao escravo e de tráfico de pessoas".
"Uma questão central nos processos de aliciamento e permanência no tráfico é a violência psicológica que os grupos especializados projetam sobre as vítimas", ressalta o documento. Segundo os pesquisadores, as consequências dessa prática, ao longo do tempo, podem apresentar impactos graves, como a sujeição de mulheres a diferentes formas de opressão. A pesquisa aponta, por exemplo, a situação gravíssima da recorrência do estupro coletivo.
O resultado destas relações de violência contra mulheres ultrapassa o território do garimpo, uma vez que o agressor forjado na prática de mineração ilegal circula pelas cidades e reproduz a violência nos territórios próximos. Dados mostram o aumento do feminicídio e da violência contra a mulher nos estados da Amazônia onde houve maior crescimento do garimpo.
Legado colonial
O estudo destaca a persistência da prática ilegal no país, presente desde a colonização portuguesa, baseada no "intuito de explorar ouro e prata do território". Na investigação, os pesquisadores partem de um marco histórico: o massacre Haximu. Ocorrido em 1993, o caso foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como crime de genocídio contra o povo Yanomami, por resultar na morte "brutal" de, pelo menos, 16 pessoas. Relatos de sobreviventes indicam que este número pode chegar à marca de 70 assassinatos.
Outro caso com repercussão nacional ocorreu em abril de 2022, quando a Amazônia foi impactada com a notícia do estupro e assassinato de uma criança de 12 anos por garimpeiros que atuavam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami. Conforme a denúncia de indígenas, os garimpeiros levaram uma mulher e dois filhos em uma canoa. A criança de 3 anos teria sido jogada no rio, o que motivou a mãe a pular e tentar salvá-la - sem êxito.
A matriarca conseguiu se desvencilhar dos criminosos. O desfecho dela foi diferente do da filha de 12 anos, que foi levada pelos garimpeiros, estuprada até a morte e abandonada às margens do rio. Como ocorre em qualquer situação de morte em Terra Indígena, a comunidade realizou rituais fúnebres, nos quais o corpo é queimado - fato que inviabilizou a confirmação do assassinato pela Polícia Federal e a Funai. Após cerimônias de despedida, a comunidade se deslocou para um outro local, a fim de fugir de novos ataques e proteger a vítima sobrevivente. Procurada, a Funai não retornou.
Para os pesquisadores, a invasão de garimpeiros na Amazônia tem se intensificado a partir de 2018 e atua como forma de desestabilizar as comunidades indígenas e suas resistências. O estudo aponta que o cenário foi encorajado pelo governo federal, que insiste no "direito de exploração dos recursos naturais para justificativas meramente econômicas".
- Entre 2016 e 2022, o governo federal assumiu uma postura de omissão ou de quase conivência com o garimpo ilegal em toda a Amazônia. Quando o governo Lula, em 2023, decidiu pelo enfrentamento na Terra Yanomami, estima-se a presença de mais de 20 mil garimpeiros lá - aponta a professora Márcia Oliveira, da Repam-Brasil. - Mas não basta apenas a desintrusão, é preciso manter a fiscalização e lidar com as consequências à saúde dos povos afetados. Também é necessário criar alternativas de trabalho na região.
O estudo também revela o cotidiano do grupo identificado como "proletários da lama" - trabalhadores do garimpo "em condições precárias, descartáveis, sem direitos trabalhistas e frequentemente submetidos a jornadas exaustivas, riscos de morte e doenças graves". Em boa parte, eles são "meros diaristas e explorados na sua condição de trabalho análogo ao escravo". Em caso de morte, os corpos sequer retornam às famílias, sendo abandonados à margem das estradas ou ocultados em rios e clareiras da floresta.
O impacto ultrapassa apenas o risco humano. Os criminosos utilizam helicópteros, dragas e outros meios "para manter uma economia subterrânea e violenta, movida pela ganância e pela impunidade". Segundo o relatório, em períodos mais intensos, o custo para entrar em áreas de garimpo podia ultrapassar R$ 8 mil por pessoa.
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2025/06/28/mapeamento-do-garimpo-ilegal-mostra-relacoes-da-atividade-criminosa-com-violacoes-de-direitos-humanos.ghtml
Prática criminosa no campo da mineração está no centro de uma cadeia de exploração sexual, tráfico de pessoas, trabalho análogo ao escravo e violência sistemática contra povos indígenas e trabalhadores migrantes
Luis Felipe Azevedo e Lucas Altino
28/06/2025
Parte da história colonial brasileira, o garimpo ilegal tem consequências que vão além da destruição ambiental na Amazônia. A prática criminosa no campo da mineração está no centro de uma cadeia de violações de direitos humanos, exploração sexual, tráfico de pessoas, trabalho análogo ao escravo e violência sistemática contra povos indígenas e trabalhadores migrantes. É o que mostra um novo estudo da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), em parceria com o Instituto Conviva.
O mapeamento dos impactos da mineração ilegal no bioma foi feito com base em dados coletados entre 2022 e 2024 por meio de entrevistas, grupos focais e análises institucionais. Foram identificados 309 casos de pessoas em situação de tráfico humano - dentro deste grupo, 57% são mulheres migrantes e 78% brasileiras. Os pesquisadores destacam que o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual "sustenta um mercado altamente lucrativo em meio à ausência do Estado".
O relatório aponta que as circulações internas e internacionais na Amazônia colocam em risco pessoas em situação de vulnerabilidade social: "A falta de emprego e de renda empurram as pessoas para o garimpo, que se configura como um espaço de exploração do trabalho análogo ao escravo e de tráfico de pessoas".
"Uma questão central nos processos de aliciamento e permanência no tráfico é a violência psicológica que os grupos especializados projetam sobre as vítimas", ressalta o documento. Segundo os pesquisadores, as consequências dessa prática, ao longo do tempo, podem apresentar impactos graves, como a sujeição de mulheres a diferentes formas de opressão. A pesquisa aponta, por exemplo, a situação gravíssima da recorrência do estupro coletivo.
O resultado destas relações de violência contra mulheres ultrapassa o território do garimpo, uma vez que o agressor forjado na prática de mineração ilegal circula pelas cidades e reproduz a violência nos territórios próximos. Dados mostram o aumento do feminicídio e da violência contra a mulher nos estados da Amazônia onde houve maior crescimento do garimpo.
Legado colonial
O estudo destaca a persistência da prática ilegal no país, presente desde a colonização portuguesa, baseada no "intuito de explorar ouro e prata do território". Na investigação, os pesquisadores partem de um marco histórico: o massacre Haximu. Ocorrido em 1993, o caso foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como crime de genocídio contra o povo Yanomami, por resultar na morte "brutal" de, pelo menos, 16 pessoas. Relatos de sobreviventes indicam que este número pode chegar à marca de 70 assassinatos.
Outro caso com repercussão nacional ocorreu em abril de 2022, quando a Amazônia foi impactada com a notícia do estupro e assassinato de uma criança de 12 anos por garimpeiros que atuavam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami. Conforme a denúncia de indígenas, os garimpeiros levaram uma mulher e dois filhos em uma canoa. A criança de 3 anos teria sido jogada no rio, o que motivou a mãe a pular e tentar salvá-la - sem êxito.
A matriarca conseguiu se desvencilhar dos criminosos. O desfecho dela foi diferente do da filha de 12 anos, que foi levada pelos garimpeiros, estuprada até a morte e abandonada às margens do rio. Como ocorre em qualquer situação de morte em Terra Indígena, a comunidade realizou rituais fúnebres, nos quais o corpo é queimado - fato que inviabilizou a confirmação do assassinato pela Polícia Federal e a Funai. Após cerimônias de despedida, a comunidade se deslocou para um outro local, a fim de fugir de novos ataques e proteger a vítima sobrevivente. Procurada, a Funai não retornou.
Para os pesquisadores, a invasão de garimpeiros na Amazônia tem se intensificado a partir de 2018 e atua como forma de desestabilizar as comunidades indígenas e suas resistências. O estudo aponta que o cenário foi encorajado pelo governo federal, que insiste no "direito de exploração dos recursos naturais para justificativas meramente econômicas".
- Entre 2016 e 2022, o governo federal assumiu uma postura de omissão ou de quase conivência com o garimpo ilegal em toda a Amazônia. Quando o governo Lula, em 2023, decidiu pelo enfrentamento na Terra Yanomami, estima-se a presença de mais de 20 mil garimpeiros lá - aponta a professora Márcia Oliveira, da Repam-Brasil. - Mas não basta apenas a desintrusão, é preciso manter a fiscalização e lidar com as consequências à saúde dos povos afetados. Também é necessário criar alternativas de trabalho na região.
O estudo também revela o cotidiano do grupo identificado como "proletários da lama" - trabalhadores do garimpo "em condições precárias, descartáveis, sem direitos trabalhistas e frequentemente submetidos a jornadas exaustivas, riscos de morte e doenças graves". Em boa parte, eles são "meros diaristas e explorados na sua condição de trabalho análogo ao escravo". Em caso de morte, os corpos sequer retornam às famílias, sendo abandonados à margem das estradas ou ocultados em rios e clareiras da floresta.
O impacto ultrapassa apenas o risco humano. Os criminosos utilizam helicópteros, dragas e outros meios "para manter uma economia subterrânea e violenta, movida pela ganância e pela impunidade". Segundo o relatório, em períodos mais intensos, o custo para entrar em áreas de garimpo podia ultrapassar R$ 8 mil por pessoa.
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2025/06/28/mapeamento-do-garimpo-ilegal-mostra-relacoes-da-atividade-criminosa-com-violacoes-de-direitos-humanos.ghtml
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