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Indígenas se organizam para defender direitos ameaçados no Congresso

09/06/2025

Autor: Ana Cláudia Leocádio

Fonte: Agencia Cenarium - https://agenciacenarium.com.br



BRASÍLIA (DF) - A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) realizou uma mobilização nacional, nesta segunda-feira, 9, em nove Estados e o Distrito Federal para se manifestar contra o que classifica como retrocessos aos direitos dos povos originários, como a Lei do Marco Temporal (14.701/2023), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 717/2024) e o projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, chamado de "PL da Devastação". Em Brasília, o ato reuniu manifestantes em frente à Biblioteca Pública, no Eixo Monumental.

O encontro convocado na capital federal contou com cerca de 100 pessoas, sendo um grupo de 15 participantes da Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos e três da TI Toldo Imbu, ambas localizadas no estado de Santa Catarina. Os dois territórios são objeto do PDL 717/2024, de autoria do senador Esperidião Amin (PP-SC), que susta os efeitos dos decretos presidenciais que homologaram, em dezembro do ano passado, as duas TIs. O projeto foi aprovado pelo plenário do Senado e aguarda a deliberação da Câmara dos Deputados.

Como parte da mobilização, o grupo foi em passeata até a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) para protocolar uma manifestação no âmbito das ações que questionam a inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023. No documento, a Apib solicita que sejam suspensos os efeitos dessa lei, porque ela foi a base legal do PDL aprovado pelo Senado, o que trouxe diversos prejuízos aos povos indígenas, com a mudança nos processos de demarcação pelo País.

Segundo o coordenador da Apib, Dinaman Tuxá, além do documento protocolado no STF, o movimento indígena buscará diálogos com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, para que o governo mobilize a bancada no Congresso Nacional para tentar barrar essas medidas ou, pelo menos, mostrar mais afinco contra os projetos, o que, para ele, não tem sido visto pelos indígenas.

Além disso, a Apib deve protocolar, em cada gabinete dos 513 deputados federais, documentos com a explicação sobre a situação e o impacto que tais projetos legislativos terão sobre os povos indígenas, que desmontam direitos já conquistados na Constituição Federal de 1988. Por último, o grupo foi ao Ministério da Justiça, responsável pela análise final da demarcação das terras indígenas até sua homologação, e também pela segurança nos territórios.
Tensionamento trará uma "COP da Destruição"

Dinaman Tuxá avalia, ainda, que o Parlamento Brasileiro está tensionando a política indigenista e ambiental do País, o que ameaça o projeto do Brasil de sediar e liderar a implementação de medidas ambientais na 30ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP30).

"Nós estamos muito preocupados porque vai ser a 'COP da Destruição' e não a COP das soluções. Então, não vai ser uma COP no Brasil que vai trazer soluções, vai ser uma COP que, pelo menos por parte do Congresso Nacional Brasileiro e por parte dos poderes do Brasil, está trazendo um desmonte que, com certeza, vai impactar nas negociações", ressaltou o líder indígena.

A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), Luana Kaingang, afirma que eles só querem que o Congresso respeite a Constituição Federal, que já garantiu os direitos dos povos indígenas às suas terras. "Trouxemos hoje a base aqui, as mulheres, para falarem o que é território para nós, que significa a nossa vida (...) Temos muito medo, tradicionalmente o meu povo Kaingang não vive aglomerado, a gente vive em clãs familiares, então isso é um processo de genocídio também, juntar todo mundo dentro de um território", disse.
Preocupação com o futuro dos povos

Para o líder da TI Toldo Imbu, Altair Alves de Oliveira, que pertence ao povo Kaingang, o PDL aprovado pelo Senado tira dos indígenas a vida, porque a terra, o seu território, é a garantia de continuidade da vida dessa comunidade. Além disso, ele afirma que, em Santa Catarina, políticos e as próprias autoridades estaduais são contra os indígenas e fazem pressão para tomar-lhes a terra e entregá-la à agricultura e à pecuária. Além de Brasília, os Kaingang interditaram uma rodovia próxima ao território como forma de protesto nesta segunda-feira.

"Nosso povo recebeu esse PDL com muita indignação, porque é um direito que nós garantimos desde 1988. Estão tentando tirar do nosso povo um direito conquistado com sofrimento, com lutas e, com isso, querer desaparecer com a nossa população, querem nos eliminar", afirmou o líder. A TI Toldo Imbu fica em Abelardo Luz (SC) e é composta por 731 pessoas do grupo Kaingang, que vivem numa área de 1.960 hectares.

O cacique da TI Morro dos Cavalos, Kenedy Karai, disse que seu povo recebeu a aprovação que revoga a homologação com muita preocupação, porque eles já enfrentam muita violência em Santa Catarina, considerada por eles como um Estado contrário aos povos indígenas. A avó de Karai chegou a ter a mão decepada, em 2014, após um conflito no território.

"Estamos aqui em Brasília para fazer essas incidências, nos setores jurídicos, no MPI (Ministério dos Povos Indígenas), até mesmo na Câmara dos Deputados, para tentar conversar e tentar reverter esse processo que, para nós, é muito preocupante. A gente vive em uma área de muito conflito, onde a própria Câmara dos Vereadores incita muito a população contra os indígenas", explicou o cacique, que pertence ao povo Guarani Bya. A TI Toldo Imbu está localizada no município de Palhoça-SC, em uma área de aproximadamente 1.983 hectares, no bioma Mata Atlântica, onde vivem cerca de 600 indígenas.
Movimento precisa mudar radicalmente

Para o professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), que já foi líder de organizações indígenas no Amazonas, Gersem Baniwa, o movimento indígena é muito jovem atualmente, e precisa refletir e mudar radicalmente sua forma de atuar, se quiser conseguir algo para reverter esse processo contra os povos originários.

"O que está acontecendo é um desmonte, um desmoronamento. A destruição dos direitos mais sagrados dos povos indígenas, porque são os únicos direitos capazes de garantir a continuidade desses povos. Sem a garantia desses direitos, voltamos à era da grave ameaça do desaparecimento dos povos indígenas. O indígena não vive sem sua terra, como povo, como cultura, como sociedade, como civilização", pontuou o indígena acadêmico.

Para o professor, é preciso acordar e despertar para um problema que afeta as novas lideranças, para que entendam como se chegou à garantia de direitos até hoje, e que agora estão ameaçados. "Como receberam esses direitos construídos na lei, sempre viram isso como natural, como algo que está garantido. Agora, tem que aprender que não, que tem que ser garantido no dia a dia. Sempre foi e sempre será com base em muita luta", concluiu.

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