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'Bioeconomia gera renda com floresta de pé': Especialista fala de desafio da COP no financiamento do combate às mudanças climáticas

05/09/2025

Autor: OLIVEIRA, Karen

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/



'Bioeconomia gera renda com floresta de pé': Especialista fala de desafio da COP no financiamento do combate às mudanças climáticas
Karen Oliveira, diretora de Políticas e Climas da The Nature Conservancy (TNC), explica que novos mecanismos financeiros são necessários e destaca bons exemplos do Brasil para as discussões em Belém

05/09/2025

Lucas Altino

Em julho, líderes de diferentes organizações entregaram à presidência da 30ª Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (COP30) uma carta reivindicando um pacto internacional, liderado pelo Brasil, que garanta US$ 7 bilhões anuais para a proteção da Amazônia. Segundo a ambientalista Karen Oliveira, diretora de Políticas e Climas da The Nature Conservancy (TNC), uma das entidades signatárias, o desafio da COP será, justamente, costurar novos mecanismos para o financiamento global das ações contra as mudanças climáticas.

Cofacilitadora da Coalizão Brasil Clima, geóloga de formação, Karen está otimista e diz que o Brasil tem bons exemplos na área da bioeconomia para mostrar que é possível conciliar preservação com desenvolvimento econômico.

Como se calculou o valor de US$ 7 bilhões anuais para proteção da Amazônia?

O cálculo se baseou em um estudo do Banco Mundial sobre o valor econômico da Amazônia preservada. O estudo estimou o montante em US$ 317 bilhões por ano, levando em conta a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta, como as chuvas e o armazenamento de carbono. O desmatamento já removeu mais de 17% da cobertura vegetal, e mais de 30% da Amazônia no Brasil está degradada. Baseado nesses resultados, chegou-se ao marco de US$ 7 bilhões anuais, equivalente ao que vem se perdendo. Seria o custo da recuperação.

A carta foi bem recebida pela presidência da COP30?

Muito bem recebida. A presidência da COP estabeleceu um processo de mutirão de ação coletiva, que resultou em uma agenda com seis grandes eixos temáticos. Um é justamente dedicado a florestas e a biodiversidade. A expectativa da presidência da COP é usar essa agenda de forma a complementar os resultados finais das negociações, movimentar recursos e soluções para além da COP. Então, a expectativa é que nosso pedido possa ser incluído.

O Brasil lidera o pleito para que países ricos contribuam com os fundos climáticos globais, mas o presidente da COP, André Corrêa do Lago, afirmou que as doações são poucas. O que esperar?

O desafio é enorme e vai ser um dos pontos nevrálgicos dos debates. Na COP anterior, no Azerbaijão, foi estabelecida uma nova meta coletiva quantificada (NCQG), de US$ 300 bilhões por ano, que substituiria a proposta de doação dos países ricos aos países em desenvolvimento. Porém, no contexto global, os países desenvolvidos dizem que o modelo de financiamento acordado já não funciona, alegando que os compromissos firmados não estão sendo honrados. Então, serão necessários novos modelos, com a entrada do setor privado e a criação de outros mecanismos financeiros, para se chegar perto desse valor.


Há exemplos de novos mecanismos financeiros?

Há mecanismos como conversão de dívida externa, com benefícios para o meio ambiente. Temos exemplos no Gabão, no Caribe e no Equador. O blended finance (financiamento misto), que é esse mix entre recursos públicos e privados, é um outro exemplo. Há a possibilidade de títulos do Tesouro revertidos para questões ambientais, o que vem sendo praticado no Brasil, dentro do Fundo Clima. O grande desafio vai ser dar escala, porque o que tem são exemplos pequenos. Precisamos sair do projeto-piloto para um programa de política pública global.

O governo brasileiro vem afirmando que essa próxima conferência será a COP da implementação. A meta será alcançada?

A implementação se dá de muitas formas. Um dos pontos que vão ser muito importantes é a agenda de adaptação, que deve ter metas claras para direcionar recursos. No cenário atual, temos que combater a crise climática, mas também aprender a conviver com ela. Outro ponto é a centralidade das pessoas durante esse debate, o que vem com a justiça climática.

Como se alcança a justiça climática?

Vamos ter diferentes frentes de ação. O impacto dos eventos climáticos catastróficos afeta a todos, mas principalmente as populações vulneráveis. Então, justiça climática é dar voz a todos e reconhecer que direitos humanos também fazem parte do enfrentamento da mudança climática. É preciso garantir que todos tenham as mesmas condições e acesso a empregos em um processo de transição energética e mudança de modelo econômico.

Quais soluções o Brasil pode compartilhar durante a COP30 em Belém?

Nossas emissões estão centradas no uso desordenado do solo, muito relacionado ao desmatamento. Então, é fundamental que o Brasil demonstre resultados concretos para alcançar o desmatamento zero, chegar a um estágio em que você possa ter um processo de compensação e uma economia de baixo carbono. É o melhor exemplo que o Brasil pode levar, somado, obviamente, a uma matriz energética cada vez mais limpa, com aumento de fontes renováveis. Mas o combate ao desmatamento precisa se somar a políticas de incentivo, para manter o desenvolvimento econômico em certos setores, principalmente o agrícola.


Então, é possível conciliar desenvolvimento econômico com preservação?

É absolutamente possível, e é aí que está o fator de mudança. Nossa sociobioeconomia reúne iniciativas como as reservas extrativistas na Amazônia, onde comunidades geram renda com castanha-do-pará, borracha, óleo de copaíba e outros produtos, sem derrubar árvores. Pode-se também lançar mão de concessões que permitam o uso de áreas públicas para manejo florestal ou restauração. São formas de se gerar emprego, atrair investimentos e explorar produtos de alto valor agregado, fortalecendo economias locais, mas mantendo as florestas de pé, contribuindo para o combate às mudanças climáticas.

E como fica a imagem do Brasil com o avanço de projetos como a Ferrogrão (ferrovia na Amazônia) e a exploração de petróleo na Margem Equatorial?

Essas contradições são preocupantes, é importante que o Brasil tenha critérios bem definidos de transparência e governança desses projetos, além de políticas ambientais estruturadas. O processo de transição para uma economia de baixo carbono não acontece do dia para a noite. Precisa de planejamento integrado e visão sistêmica. É isso que a gente espera que o Brasil leve para a COP30.

Os problemas de hospedagem de Belém podem afetar as negociações finais da COP30, com possível ausência ou redução de delegações?

Toda COP tem problemas. Acredito que está havendo um esforço para equalizar isso. Para além dos atores governamentais, eu destaco também o caminho até a COP, com dezenas de eventos paralelos. A gente pode ter uma COP bem-sucedida, mas o desafio é real.

A presidência da COP 30 vem anunciando medidas para incluir povos tradicionais nas discussões. Acha que essas comunidades estarão bem representadas?

A gente tem a Cúpula dos Povos sendo presidida pela ministra Sonia Guajajara, é um espaço bastante democrático, de participação das comunidades tradicionais e dos povos indígenas. Junto com outros instrumentos como o Caucus Indígena. O rumo à COP30 é muito importante. Tivemos a conferência em Brazzaville (Congo), onde a Aliança Global dos Povos Indígenas conseguiu reunir indígenas do mundo inteiro para debater recomendações à COP 30. A Cúpula dos Povos promoveu vários debates na Semana Climática de Londres. Então, são espaços onde cada vez mais a gente vem observando uma presença crescente de lideranças indígenas. Soma-se também o movimento da juventude que também tem sido bastante representativo e o das mulheres. O plano de ação de gênero, inclusive, é um dos itens de debate nas negociações.

https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/noticia/2025/09/05/bioeconomia-gera-renda-com-floresta-de-pe-especialista-fala-de-desafio-da-cop-no-financiamento-do-combate-as-mudancas-climaticas.ghtml
 

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