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De Cuiabá a Belém, setores sociais debatem proteção territorial e garantia de vida aos povos indígenas em isolamento voluntário

27/11/2025

Fonte: Cimi - https://cimi.org.br



Por Ligia Apel, Ascom Cimi Regional Norte 1"Agir para esses povos e não com esses povos. O desafio já começa por aí". Com essa provocação, Francisco Loebens, o missionário Chico, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I, representando a Equipe Apoio aos Povos Indígenas Livres (Eapil), inicia o debate na mesa "Perspectivas das Organizações da Sociedade Civil", durante o Seminário "Povos Indígenas em Isolamento no Brasil: Perspectivas de Futuro Diante da Crise Socioambiental Sistêmica", promovido pela parceria entre o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Isolados e de Recente Contato (OPI) e o Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade Federal do Mato Grosso (NERU/UFMT), em Cuiabá (MT), os dias 3 a 5 de novembro.

O objetivo foi reunir diferentes setores da sociedade que atuam na defesa dos povos indígenas isolados e fazer "um balanço crítico das políticas de proteção, com ênfase no princípio do não contato, na proteção territorial e na autodeterminação articulando evidências acadêmicas, experiências de campo e proposições de governança interinstitucional".

"Agir para esses povos e não com esses povos. O desafio já começa por aí"

Em Belém do Pará, na Cúpula dos Povos, evento que "reflete a mobilização das diversas frentes sociais e ambientais o Brasil", realizado de 12 a 16 de novembro, em paralelo à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), o tema teve lugar cativo na mesa "COP 30: Povos Isolados, Território e Mudanças Climáticas", que aconteceu no setor Mirante da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Organizada pela Eapil/Cimi em conjunto com o Grupo Internacional de Trabalho sobre Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial (GTI-Piaci), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), a mesa teve o objetivo de destacar no evento mundial a importância do debate sobre a situação que os povos indígenas livres/isolados estão passando, o risco de extinção que os ameaça frente aos impactos das mudanças climáticas e, com isso, os riscos que ameaçam todas as formas de vida no planeta.

"Na Cúpula dos Povos, evento que "reflete a mobilização das diversas frentes sociais e ambientais o Brasil"

"Esses povos representam a preservação da biodiversidade e da vida no planeta", resumem os diversos participantes da mesa composta por lideranças e organizações indígenas do Brasil (Coiab), do Peru (ORAU), e Paraguai (OPIT), organizações indigenistas (Eapil/Cimi) e Ministério Público Federal (MPF), contando suas realidades, estudos e estratégias de ação nessa luta.

Em Cuiabá, participaram lideranças e organizações indígenas, como a FEPOIMT, COAPIMA, Coiab, UNIVAJA e APIA, pesquisadores das Universidades Federais do Mato Grosso, Pará, Minas Gerais e Amazonas, Universidade Estadual de Santa Catarina, e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), organizações indigenistas Cimi, GTI-PIACI e OPAN, e representantes de órgãos governamentais como o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos indígenas (Funai), Frentes de Proteção Etnoambiental da Funai, Secretaria e Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde e Ministério Público Federal (MPF).

"Esses povos representam a preservação da biodiversidade e da vida no planeta"

Nos dois eventos houve momentos de destaque para o livro Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco, de autoria da Eapil com o apoio da Rede Eclesial Pan Amazônica (Repam), onde os organizadores Francisco Loebens (Chico) e Lino João reúnem diversos estudos e análises que abordam as complexidades dos contextos, das políticas indigenistas e socioambientais sobre o tema. O livro "atualiza e amplia os dados e informações sobre a existência dos povos indígenas em situação de isolamento, num contexto de crescente ameaça à vida e ao futuro desses povos decorrentes das políticas desenvolvimentistas adotadas em diversos países da Amazônia e também do Paraguai", apresentam Chico e Lino.

"Debater sobre povos indígenas isolados ou livres para acertar um caminho nessa complexidade que o assunto nos coloca. E continuar incidindo para a criação e funcionamento de políticas territoriais e de proteção da vida dos povos isolados. E que isso significa pensar e agir pelo futuro deles e de toda a sociedade", enfatiza Chico ao comentar a importância dos estudos e dos eventos sobre o tema.

"Debater sobre povos indígenas isolados ou livres para acertar um caminho nessa complexidade que o assunto nos coloca"

A violência que gerou o isolamento

No Seminário de Cuiabá, Chico lembra das violências e massacres desferidos contra os povos indígenas pelos governos militares, especialmente na Amazônia, e seus projetos desenvolvimentistas engendrados para "abrir o caminho".

"Os povos estavam sendo exterminados com a política de integração nacional para a Amazônia dos militares. A política indigenista da época não foi só de sedução para a remoção, foi também o uso da força, das armas de forma extremamente forte", afirma Chico, contando que nesse contexto de extermínio, o Cimi surge para atender o pedido de socorro dos povos indígenas.

"Os povos estavam sendo exterminados com a política de integração nacional para a Amazônia dos militare"

"A Igreja Católica considerou necessário criar o Cimi para atender ao clamor dos povos indígenas e pensar como agir de forma mais ativa na sua defesa", explica Chico, mencionando que as linhas de ação do Cimi foram baseadas nas demandas que surgiram nas primeiras assembleias indígenas.

"Terra e território, era o que as lideranças indígenas nas assembleias falavam. Diziam 'nós queremos os nossos territórios, queremos a nossa demarcação'. E foi o que o Cimi abraçou muito fortemente: apoio à garantia dos territórios e também o debate sobre consolidar o entendimento do que seria essa demarcação", explicou e relatou que o debate foi para a Constituinte e que, com a autodeterminação (termo mais utilizado na época do que autonomia dos povos), o direito ao território demarcado e protegido foi conquistado na Constituição [de 1988].

"A Igreja Católica considerou necessário criar o Cimi para atender ao clamor dos povos indígenas e pensar como agir de forma mais ativa na sua defesa"

"Esse debate também se colocou em relação aos isolados, a esses povos como sujeitos de direitos [e que] a política [indigenista] deveria ser, de fato, de proteção e de garantia territorial [a eles também]", diz o missionário, preconizando ser legítima a opção de rejeição a outras sociedades por determinados povos e justificando o termo "povos livres" adotado pelo Cimi.

"Esses povos demonstraram a vontade de romper as relações [com outros povos]. Eles rejeitaram todos os mecanismos de dominação e violência. O rompimento dessas relações de dominação, de se libertarem desse julgo, deu origem a esse conceito", explicou, defendendo que os termos podem ser amplos, diferenciados e sem fórmulas prontas dada à complexidade que envolve realidade, atores e estratégias de proteção desses povos.

"Esses povos demonstraram a vontade de romper as relações com outros povos"

Riscos que continuam

De acordo com o Relatório de Violências contra Povos Indígenas dados de 2024, do Cimi, existem no Brasil, 119 registros de povos indígenas livres (isolamento voluntário) no Brasil levantados pela Eapil. Desses, 37 encontram-se em áreas sem providência para restrição de acesso, demarcação e proteção da Funai e 22 Terras Indígenas (TIs) com presença de isolados registraram invasões, extração de recursos naturais e danos ao patrimônio.

Uma realidade de ameaças e riscos que continuam a assombrar esses povos que querem distância de outros agrupamentos humanos. Daí a importância para instituições, entidades indigenistas e organizações indígenas de promover um diálogo consistente sobre o assunto, reunindo os diferentes atores sociais comprometidos com a proteção dos povos livres/isolados e de recente contato

"Uma realidade de ameaças e riscos que continuam a assombrar esses povos que querem distância de outros agrupamentos humano"

Elias Bigio, historiador, ex-Coordenador Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC), e, atualmente, membro do OPI, ao comentar os objetivos do Seminário na UFMT falou em dar visibilidade e contribuir com o movimento e incidências. "Dar maior visibilidade, juntar pessoas que já fazem [a proteção em suas áreas] e sensibilizar outras pessoas para os problemas e ameaças que os povos estão submetidos, poder fortalecer o movimento e também buscar [em incidências] a demarcação de territórios que precisam ser demarcados e regularizados. Buscar a garantia dos direitos dos povos indígenas, não só dos isolados, não só aqui no estado de Mato Grosso, mas em toda a Amazônia", dimensionou, citando as diversas representações de organizações indígenas e indigenistas, órgãos de governo estaduais e federal e, inclusive, do Grupo Internacional de Trabalho sobre Povos Indígenas em Isolamento e Contato inicial, GTI-Piaci, composto por organizações indígenas e aliadas de oito países da América do Sul: na Amazônia, no Cerrado Brasileiro e no Grande Chaco.

Para Natalia Filardo coordenadora do Cimi Regional Mato Grosso, o evento foi fundamental para mobilizar a sociedade em todos os espaços, pois o estado tem registros de indígenas livres que estão vulneráveis. "O Mato Grosso, de acordo com os dados do CIMI, ainda possui nove referências de povos livres. Diante disso, é fundamental mobilizar a sociedade em geral para compreender a vulnerabilidade da condição desses povos", salientou, considerando que ações de governo não contribuem com a resolução de problemas socioambientais, pois o Mato Grosso, "ainda concede licenças para o desmatamento por correntão e que a morosidade das instituições públicas não tem sido suficiente para conter a devastação".

"É fundamental mobilizar a sociedade em geral para compreender a vulnerabilidade da condição desses povos"

Piripkura e Kawahiva

Elias, por sua vez, cita que pela Funai existem "15 registros de povos indígenas isolados no Mato Grosso, sendo que 10 estão [na fase de coleta de] informações, três em estudos e dois são confirmados. Os povos Piripikura e Kawahiva foram identificados e têm sua existência evidenciada e registrada oficialmente. No entanto, os processos de demarcação iniciados há anos não estão concluídos", conta o indigenista.

"A Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo tem presença de isolados confirmada já há 26 anos. Em 1999, pesquisadores de madeira avistaram os indígenas e relataram sua presença em Aripuanã. Acionado por organizações indigenistas, o MPF acionou a Funai que, em 2007 teve seu relatório de identificação aprovado. Mas, apesar da Funai ter cumprido todas as atividades administrativas para a regularização e a justiça ter determinado a demarcação, até hoje ela não foi demarcada", relatou Elias.

"A Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo tem presença de isolados confirmada já há 26 anos"

E o caso dos Piripikura é mais impressionante. "Foi feito um trabalho de confirmação a partir de um trabalho realizado pelo CIMI e pela OPAN na região do rio Madeirinha, em 1984 e só em 2008 recebeu, apenas, a Portaria de Restrição de Uso. Atualmente está sendo realizada a identificação, mas você veja, são mais de 40 anos que foi confirmada", protestou.

A Portaria FUNAI no 625, de 7 de março de 2023 está em vigor e estabelece restrições de acesso, movimentação e permanência de pessoas estranhas à Terra Indígena Piripkura, até a homologação da demarcação.

"Foi feito um trabalho de confirmação a partir de um trabalho realizado pelo CIMI e pela OPAN na região do rio Madeirinha"

Grande Chaco

Se no Brasil há descaso e morosidade para instituir e fazer funcionar os mecanismos de proteção aos povos indígenas, na região do Grande Chaco os problemas, além da ausência do Estado a existência dos povos que lá vivem é totalmente invisibilizada.

São mais de 800 mil Km de floresta tropical seca, a maior da América do Sul, que abrange partes da Argentina, Bolívia, Paraguai e uma pequena porção no Brasil, e abriga vários povos indígenas como Ayoreo, Chamacoco e Wichie e povos livres/isolados.

"Seguirão nas mesmas rotas o narcotráfico e o tráfico de pessoas"

Tagüide Picanerai, do povo Ayoreo, do Paraguai, representou os povos indígenas do Chaco Paraguaio na Cúpula dos Povos e falou dos riscos que correm pela invisibilidade e com os problemas socioambientais decorrentes dos projetos desenvolvimentistas que chegam sem se importar com as pessoas. Um deles, aponta Picanerai, é a estrada bioceânica planejada para interligar os quatro países no transporte de mercadorias de importação e exportação entre o Brasil e a Ásia.

"Nossa preocupação é com a venda de nossos territórios ancestrais sem o nosso consentimento. Ao mesmo tempo, os megaprojetos, como o corredor bioceânico Pacífico-Atlântico, que está em construção e vai do Chile a São Paulo. Atravessam completamente o nosso território no coração da América do Sul", conta o indígena Ayoreo, comentando as atividades ilícitas que vem junto com a estrada. "Seguirão nas mesmas rotas o narcotráfico e o tráfico de pessoas", acrescentou.

"Nossa preocupação é com a venda de nossos territórios ancestrais sem o nosso consentimento"

Picanerai falou também sobre as mudanças nas atividades cotidianas das pessoas com as mudanças climáticas que os grandes projetos e desmatamentos têm ocasionado.

"Este ano, por exemplo, tivemos chuvas torrenciais, com mais de 1.000 milímetros em menos de um mês. Isso é uma catástrofe. É mudança climática de verdade. Foi um choque terrível porque praticamente mudou todas as nossas tarefas em menos de uma semana. Afeta a população não indígena, as comunidades indígenas e, especialmente, nosso povo que ainda vive em isolamento voluntário", disse, explicando que a luta é ampla.

"As mudanças climáticas não conhecem fronteiras, afiliações políticas ou culturas indígenas. Estamos aqui para defender o território, o meio ambiente e nossos povos. E não apenas por nós mesmos, mas também pelas futuras gerações que chegarão aos poucos", concluiu.

"As mudanças climáticas não conhecem fronteiras, afiliações políticas ou culturas indígenas"

Isolamento e o clima

"O que é crise climática? É um momento trágico em que a nossa sociedade botou a gente, na beira do abismo, um desenvolvimento que olha para a floresta e vê como matéria-prima levou a gente à beira do abismo, ao ponto de não retorno, ao ponto de exclusão, ao ponto de extermínio da raça humana na Terra", analisa o professor Lino João, antropólogo e assessor da Eapil/Cimi, ao fazer suas considerações na Cúpula dos Povos.

Lino avalia que a opção pelo tipo de desenvolvimento que a sociedade está estruturada levou o planeta à crise climática, mas que "nesse contexto existem alguns espaços que podem oferecer uma alternativa a esse abismo em que a gente está se jogando", diz Lino apontando os territórios indígenas como esses espaços.

"Sabemos que esses espaços são as terras indígenas, porque são os espaços físicos mais preservados"

"Sabemos que esses espaços são as terras indígenas, porque são os espaços físicos mais preservados. Então, os territórios indígenas são as alternativas mais viáveis para que se possa superar isso daí {o contexto da crise climática]", aponta, condicionando a preservação física pela preservação das culturas e conhecimentos dos povos das florestas.

"As terras indígenas só são alternativas para a crise climática porque os povos que vivem lá têm o seu sistema de conhecimento, seu saber, suas formas de organização, de relação com o mundo e com os vizinhos. São pessoas que conseguem fazer de uma mata uma floresta de vida", explica, caracterizando os povos que optaram pelo isolamento.

"As terras indígenas só são alternativas para a crise climática porque os povos que vivem lá têm o seu sistema de conhecimento, seu saber, suas formas de organização"

"Os povos isolados são aqueles menos contaminados pelo que o mundo ocidental tem de ruim: consumismo, individualismo, poluição, detrito, violência, ganância. A maior parte deles são grupos que já tiveram contato com frentes pioneiras e que se refluíram pelos vários prejuízos que tiveram. Morte, contaminação, violência, doença, perda territorial. E adotaram a estratégia do distanciamento, por isso nós os chamamos de isolados ou livres", examina o professor e relaciona a existência desses povos com o enfrentamento à crise climática.

"Então, se a gente está discutindo crise climática, território e povos indígenas isolados, se chegamos à conclusão que as terras indígenas são alternativas, a gente também está chegando na importância e necessidade de manutenção desses povos e dizendo que é necessário, sim, nos unirmos todos em uma mobilização comum", concluiu.

""Nossos parentes que estão em isolamento vivem da forma como eles querem"

A mobilização unificada proposta por Lino é apoiada pela Coiab, que tem como lema "Unir para organizar e fortalecer para conquistar". Mitã Xipaya, integrante da Gerência de Povos Indígenas Isolados e Recente Contato da Coiab defendeu ações conjuntas e de visibilidade e incidência na luta pela proteção dos povos livres.

"Nossos parentes que estão em isolamento vivem da forma como eles querem. E [para que continuem assim] a gente [organizações indígenas] vem tentando ajudar. Eles não se defendem, não falam [por si], mas tem quem fale por eles. Somos nós, as organizações indígenas, lideranças, parceiros que contribuímos para a proteção desses povos. O maior risco atual é o não reconhecimento pelo Estado da existência deles e de seus territórios, então, precisamos dar visibilidade a eles, mostrar que existem e que os defendemos", afirmou.

https://cimi.org.br/2025/11/cuiaba-a-belem-protecao-povos-indigenas-isolamento-voluntario/
 

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